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Saturado pelos debates políticos sobre a Covid-19, decidi assistir a filmes de ficção. Seguem algumas dicas.

Em O Ditador, comédia de 2012, Sacha Baron Cohen interpreta o líder tirânico de uma nação fictícia no Oriente Médio. Ele é um tipo ignorante, infantil, preocupado em se cercar de belas mulheres enquanto reafirma o seu poder acima de todas as regras. Aladeen possui a patente de general, além de demonstrar verdadeiro fascínio pelos Estados Unidos, enquanto defende práticas de tortura. Além disso, cria um verdadeiro culto em torno de sua personalidade, alimentado por súditos dotados de pouca visão crítica. Mesmo sendo um péssimo líder, tenta sustentar a aparência de homem adorado por todos. Em determinada altura da trama, finge sofrer de uma doença inexistente para enganar os adversários. Mostra-se um grande defensor das empresas petroleiras internacionais, a quem promete vantagens ilícitas.

 

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O Ditador (2002)

 

V de Vingança (2005) traz a Grã-Bretanha liderada por Adam Sutler, um líder de extrema-direita interpretado por John Hurt. Igualmente aliado do exército, ele é levado ao cargo máximo do governo após um golpe de Estado, que depois se descobre ter sido orquestrado por ele mesmo. Sutler aproveita a disseminação de um poderoso vírus para ter controle da população e fomentar uma política de medo – o que inclui o pavor do colapso da economia. Em meio aos planos do déspota, encontra-se a disposição a vender a cura para o problema e lucrar em cima desta fórmula. Enquanto o vírus mata milhares de pessoas, ele passa a culpar seus principais adversários políticos pelo problema, sem assumir responsabilidade na gestão da crise. Sutler tem planos de fechar outras instâncias democráticas, como o Parlamento, e encoraja atos de rebeldia contra seus opositores.

Na versão animada de O Corcunda de Notre Dame (1996), o monsenhor Claude Frollo, que também desempenha o papel de Ministro da Justiça, é conhecido como um homem virtuoso, capaz de livrar Paris do século XV da corrupção dos romanos. No entanto, por trás da aparência de um sujeito temente a Deus, Frollo utiliza as forças armadas para matar uma mulher romana em segredo. Para não ser acusado do assassinato, acaba criando o filho deformado dela, batizado então de Quasimodo. Obcecado pela cigana Esmeralda, lança uma verdadeira perseguição à mulher por quem, na verdade, se sente atraído, embora tenha feito voto de celibato. Sem poder tê-la, prefere lançar uma caçada para eliminá-la. Frollo junta seus homens e faz diversos planos para atacar as minorias sociais da época, no caso, os ciganos, embora lance informações falsas à opinião pública para desestabilizar as ações de Quasimodo e Esmeralda.

 

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Sergi López em O Labirinto do Fauno (2006)

 

Em O Labirinto do Fauno (2006), Sergi López interpreta o capitão Vidal, que se casa com a viúva Carmen. Este militar linha-dura, apaixonado por armas e guerras, tem como missão pessoal eliminar todos os rebeldes, ou seja, camponeses e pequenos grupos de revolucionários que se opõem às suas ordens enquanto reivindicam direitos aos mais pobres. Ferrenho defensor da tortura e das ordens extraoficiais, mata camponeses em segredo e adota práticas de interrogatório que terminam em execuções. Ele é obcecado com a possibilidade de ter filhos homens que continuem o seu trabalho. Revela-se particularmente agressivo com mulheres. Quando se encontra diante de uma criação poética e do imaginário, como o Fauno, Vidal não consegue enxergá-lo. Mesmo ameaçado de perder seu posto de liderança, preocupa-se acima de tudo com a continuidade de seu legado belicoso através do filho homem.

Sharknado 3: Oh, Não! (2015) traz o retorno do tornado de tubarões que já vinha causando diversas mortes nos Estados Unidos. Enquanto cientistas lutam para encontrar uma alternativa viável para reverter o clima desfavorável e proteger os habitantes, o presidente Marcus Robbins (Mark Cuban) prefere combater o perigo com revólveres e granadas. “Ninguém ataca a minha casa. Desta vez, é pessoal!”, ele afirma à mídia, desistindo de preservar os tubarões. Não, o presidente não se importa com o meio ambiente, ele pensa apenas na honra própria – e talvez no funcionamento da economia. Ao final, quer reivindicar mérito por um plano que não viabilizou de fato, porque qualquer medida de controle do tornado de tubarões apareceu tarde, depois de o problema ser relativizado. Os heróis invisíveis foram, mais uma vez, Fin e April, pequenos trabalhadores de grande coragem.

 

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Gaston em A Bela e a Fera (1991)

 

Na animação A Bela e a Fera (1991), um dos homens mais admirados pela pequena população do vilarejo local é Gaston, um tipo narcisista, apreciado por várias mulheres, e obcecado em parecer forte e um líder nato. Ele é venerado por pequenos homens da região, o que inclui Le Fou, um pequeno ajudante que passa os dias inflando o ego de seu ídolo. Gaston insiste que nenhuma mulher diz não para ele, e que todos os homens sonham em estar ao seu lado. Isso inclui Le Fou que, na versão live action de 2017, se torna um homem munido de desejos homoeróticos pelo “mito” que venera. Gaston nunca percebe o quão ridículo ele na verdade é, nem que sua força se mistura com vaidade. Ao enfrentar Bela, a garota que lê bastante, acredita nas artes e é considerada “estranha” pelo vilarejo, ele procura se impor enquanto homem predador, mas é recusado por Bela.

É possível dar boas risadas com estes projetos, ou se emocionar com as figuras improváveis da ficção científica, da comédia e do cinema infantil e familiar. Estes líderes são ridículos ou perversos, nutridos pela megalomania e, no fundo, medo da impotência. O cinema é feito para nos tranquilizar: nenhuma figura real seria tão imbecil assim, e caso fosse, jamais obteria a aceitação de qualquer parcela da população. Trata-se de ficção, um mundo de fantasia muito distante de nós.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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