Meu caro cinéfilo, você já assistiu aos últimos grandes lançamentos do cinema nacional? Estou me referindo a filmes como Filhas do Rio, Amor Sertanejo, Todo Carnaval Tem Seu Fim, Quando o Sol se Põe ou Atração de Risco, por exemplo? Ainda não? Ou sequer ouvir falar destes títulos? Então fique sabendo que se tratam de produções brasileiras recentes, todas de 2020, e já disponíveis ao grande público. Sabe onde? Na plataforma de streaming da sua preferência. Todos esses filmes, ou ao menos sua maioria, teriam exibição comercial nos cinemas. Mas, com a pandemia do COVID-19 e o consequente fechamento das salas de cinema, acabaram sendo lançados diretos em VoD, ou seja, em ‘video on demand’: você continua pagando o preço de um ingresso para assisti-los, mas ao invés de ter que se deslocar até um shopping ou multiplex, poderá conferi-lo no conforto da sua casa. Uma boa ideia? Mais ou menos.
Isso porque nenhum destes longas foi sequer pensado para esse formato. E esse parece ser o maior desafio para a produção cinematográfica verde e amarela neste momento: se adaptar a esse novo momento. E o que as atuais condições exigem? Distanciamento social e atenções básicas para a higienização. Qual o melhor lugar para que tais questões sejam atendidas? Na nossa própria casa, é claro. Isso não quer dizer que nunca mais teremos títulos nacionais entrando em cartaz na tela grande. Mas que suas quantidades deverão diminuir, ah, isso com certeza. E por uma questão muito simples: quanto mais facilitado e seguro for o acesso a tais produções, melhor para o espectador e mais garantido será o retorno aos realizadores.
Então por que ninguém assistiu aos lançamentos citados acima? Porque cabe também ao espectador se acostumar a procurar por eles nesse formato, em primeiro lugar, e também aos produtores em divulgá-los de forma efetiva. Afinal, se ninguém sabe que existem, como irão atrás deles? Nenhum dos longas comentados foram feitos por grandes diretores ou envolveram artistas reconhecidos. Assim, quem estava esperando pelos mesmos? É o contrário de obras como Aeroporto Central THF, do Karim Ainouz, ou Banquete Coutinho, documentário sobre o inesquecível Eduardo Coutinho, que não apenas foram exibidos em eventos de destaque, como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e o Festival do Rio, ambos no ano passado, como também receberam assinaturas de relevância, seja na condução do projeto como no tema que abordam. Assim, uma expectativa natural é gerada pelo trabalho.
Mas há outras propostas envolvidas. Uma delas é o lançamento gratuito, como o cineasta brasileiro Thales Correa promoveu na estreia de Nos Becos de São Francisco, seu primeiro longa-metragem, filmado nos Estados Unidos e falado em inglês e em português. Auxiliado por uma competente assessoria de imprensa, ao menos foi visto e comentado, e aqueles que se interessaram pela trama agora sabem como ir atrás. GIG: A Uberização do Trabalho, da mesma forma, estreou em algumas plataformas de streaming, como a Filme Filme, mas logo em seguida teve uma exibição aberta pelo Canal Brasil. Ao invés de uma canibalizar a outra, é o contrário que se observou, pois tornou seu nome mais popular, e quem perdeu na televisão, pode procurar por ele em outros formatos.
Há ainda os que apostam na inversão das janelas de exibição, ainda mais de acordo com a situação atual. Ou seja, lançam primeiro no streaming, mas anunciam desde já que depois pretendem chegar também nos cinemas. Foram os casos dos médias-metragens Vaga Carne e Sete Anos em Maio. Ambos já haviam sido anunciados em um lançamento conjunto na telona, que teve que ser adiado graças à quarentena, e até há pouco tempo seguia sem previsão. Para não deixar os curiosos e interessados sem os filmes, o resultado foi mudar a lógica e disponibilizá-los primeiro no streaming – sendo que a estreia nos cinemas continua garantida, assim que eles reabrirem. Se funcionar, quem sabe outros não copiam o exemplo e tal estratégia não se torna padrão?
Enquanto realizadores e artistas seguem se debatendo sobre quais as melhores formas de realizarem e exibirem seus filmes nesse novo modelo, alguns saíram na frente. São exemplos como Modo Avião e Ricos de Amor, ambos da Netflix, ou Eldorado: Mengele Vivo ou Morto?, da Amazon Prime, que foram lançados diretamente pelas plataformas, com uma enorme garantia de público em potencial – o filme estrelado por Larissa Manoela se tornou um dos maiores fenômenos de procura da plataforma neste ano. Esses, infelizmente, ainda são casos raros. Outros precisam se inspirar nesse modelo de negócio e replicarem sempre que for possível e/ou necessário. Talvez não seja o melhor dos mundos – e muito provavelmente não o seja mesmo – mas é um caminho viável, que permite a existência do produto, a manutenção do mercado e o atendimento das demandas da audiência. Ou seja, diante das restrições momentâneas a quais estamos todos sujeitos, e que tendem a se prolongarem por mais tempo do que qualquer um de nós gostaria de acreditar, é algo que merece uma reflexão mais profunda e um estudo mais cuidadoso.
É importante destacar também a variedade das produções aqui citadas. Tem desde comédia romântica a documentários, títulos experimentais e dramas baseados em histórias reais, romances LGBT a thrillers policiais, musicais e aventuras adolescentes. E se as qualidades também variam, é claro que há os mais diversos interesses envolvidos – para cada um que chama atenção pela qualidade do conjunto, há outros dez que deixam a desejar em mais de um aspecto. Mas também não é assim quando se pensa apenas no lançamento comercial na sala escura? Se é importante evitar radicalismos e não pender nem para um lado, e muito menos para outro, é sabido também que, à medida que novas diretrizes forem se solidificando, mais tentativas acabarão sendo experimentadas.
O streaming é uma realidade que veio para ficar e que cada vez mais irá ditar as regras desse meio. Mais do que o rádio, a televisão ou o videocassete, cada um em sua época, as transformações que agora estão sendo sentidas serão mais radicas e intensas. Aqueles que não se adaptarem, logo estarão obsoletos e acabarão sendo varridos do mapa. Já os que se adiantarem, aproveitarem as práticas que estão dando certo e se cercarem das melhores ferramentas de divulgação, certamente conseguirão se diferenciar dentre um mar cada vez mais congestionado de opções. É a hora do “mude ou morra”. E que ninguém diga que não foi avisado antes.
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