Há alguns anos, um forte movimento começou a tomar forma no cinema norte-americano – e, consequentemente, pelo mundo todo: o #MeToo, que visava denunciar práticas de abuso entre os profissionais da área. E se o foco mais intenso acabou direcionado aos casos de assédio sexual, ele também se desdobrou em outras práticas, como a tentativa recorrente de calar vozes dissonantes da maioria. É neste ponto que quero chegar: porque a maioria dos filmes celebrados possuem protagonistas brancos e heterossexuais, sendo a esmagadora maioria dirigidos por homens também brancos e heterossexuais? Pois bem, iniciativas como o #OscarSoWhite clamavam por um maior reconhecimento aos profissionais negros. Mas há uma outra estatística igualmente estarrecedora: e as realizadoras, as mulheres que estão por trás das câmeras? Se nos Estados Unidos a igualdade nesse campo parece um sonho ainda distante, o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, que busca destacar os melhores da produção cinematográfica nacional a cada temporada pelo olhar da crítica especializada, se posiciona para mostrar que, ao menos por aqui, essa realidade é um pouco diferente. Felizmente.
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Estamos em plena época de votação do 25o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro. Dezenas de críticos de todo o Brasil estão participando ainda da primeira fase da premiação, na qual são convidados a apontar os seus favoritos em cada uma das 24 categorias existentes. Essa etapa vai até o dia 15 de maio próximo, e em 20 de maio serão divulgados os finalistas, ou seja, cinco indicados em cada uma dessas disputas. No foco da análise, os mais de 200 filmes lançados no país em 2019, entre longas e curtas. E com esse ano em mente, não será estranho encontrar o votante que pensará de imediato em títulos como Bacurau, de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, ou A Vida Invisível, de Karim Ainouz, por exemplo. Mas e os filmes realizados por mulheres? Eles existem? E em que proporção? Qual será a medida entre qualidade e quantidade nessa matemática?
Se em 92 anos de Oscar apenas cinco mulheres foram indicadas à Melhor Direção, e somente uma foi premiada – Kathryn Bigelow, por Guerra ao Terror (2008) – no Prêmio Guarani a situação é um pouco mais positiva. Já no seu primeiro ano, em 1996, quem venceu nessa categoria foi Terra Estrangeira, longa dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas – ou seja, já estreamos com uma mulher e um homem premiados! E entre os indicados haviam ainda Carla Camurati (Carlota Joaquina: Princesa do Brazil) e Monique Gardenberg (Jenipapo)! Um excelente começo, pode-se dizer. Nos cinco primeiros anos de premiação, sempre houve ao menos uma mulher entre as finalistas nesta categoria. A primeira edição apenas com homens foi a sexta, em 2001. E de lá para cá, isso se repetiu em apenas outras cinco ocasiões. Ou seja, seis anos, num total de 24. Ainda não é o ideal, mas bastante representativo não apenas da qualidade dos trabalhos realizados por elas, como também da atenção que os mesmos têm recebido.
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Em 24 anos de Prêmio Guarani, nada menos do que 15 realizadoras já foram indicadas na categoria de Melhor Direção. Destas, quatro foram premiadas: além de Daniela Thomas, também Laís Bodanzky (Bicho de Sete Cabeças, 2001), Anna Muylaert (Que Horas Ela Volta?, 2015) e Eliane Caffé (Era o Hotel Cambridge, 2017). Bodanzky é a recordista em indicações, tendo sido lembrada quatro vezes. Logo atrás dela temos Daniela Thomas, Sandra Werneck e Anna Muylaert, com três indicações, e Lucia Murat, Eliane Caffé e Juliana Rojas, presentes em duas ocasiões. E os trabalhos em destaque também são dos mais diversos: dramas e comédias, romances intimistas e épicos históricos, aventuras juvenis e documentários.
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Em 2020, tudo indica que mais uma vez teremos grandes cineastas em destaque no Prêmio Guarani. Pois o cinema brasileiro é muito maior do que dois ou três títulos premiados no exterior ou que se consagraram como fenômenos de bilheteria. Há obras menores, mais discretas, mas de igual ou maior valor e que também merecem ser descobertas. Entre as que já foram indicadas em anos anteriores, temos Gabriela Amaral Almeida (A Sombra do Pai) e Petra Costa (Democracia em Vertigem). Flavia Castro foi premiada como Melhor Documentário em Longa-metragem por Diário de uma Busca (2010), e agora pode concorrer por sua estreia na ficção com Deslembro. Há também co-realizadoras, aquelas que trabalham em parceria, como Claudia Priscilla (que dirigiu com Kiko Goifman o documentário Bixa Travesty) e Clara Linhart (parceira de Fellipe Barbosa no drama Domingo). Há estreantes, como Bruna Carvalho Almeida (Os Jovens Baumann), e as documentaristas, como Maíra Bühler (Diz a Ela que me Viu Chorar), Eliza Capai (Espero tua (Re)Volta), Beth Formaggini (Pastor Claudio) e Alice Riff (Eleições), entre outras.
As mulheres também despontam pelos mais variados motivos. Temos o caso de Susanna Lira, que poderá concorrer com ela mesma (Torre das Donzelas e Mussum: Um Filme do Cacildis), ou Susana Garcia, que assinou o maior campeão de público do ano (Minha Mãe é uma Peça 3). Temos atrizes que estão se aventurando pela Direção, como Christiane Torloni (Amazônia: O Despertar da Florestania) e Eliane Giardini (A Fera na Selva). Beatriz Seigner (Los Silencios) e Marina Meliande (Mormaço) exibiram seus trabalhos em alguns dos mais prestigiados festivais de cinema do Brasil e do exterior, e também chegam chamando atenção. Ao todo, são mais de duas dezenas de longas assinados por realizadoras. Ok, é pouco mais de 10% do total. Mas possui peso, e tal fato é inegável.
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Mesmo não havendo espaço para todas entre as finalistas – afinal, só há 5 vagas – é importante levar em consideração que os filmes aqui citados se comunicaram, na última temporada, tanto com o público como com a crítica, circulando pelas salas de exibição e também pelos maiores eventos do gênero, promovendo discussão, gerando debate e estimulando a troca de ideias. E o Prêmio Guarani assume com satisfação essa responsabilidade. Há mais de duas décadas nós, que cuidamos de todas as etapas da sua realização, temos isso em mente de forma bastante clara: o cinema brasileiro é múltiplo. Sendo assim, ele não fala e nem é feito apenas por ‘homens brancos e heterossexuais’. Há gays, negros, índios e, também, mulheres. E assim deve continuar. Ao menos no que depender de nós, do Papo de Cinema e do Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, esses filmes vão continuar a ser vistos, comentados, discutidos e, acima de tudo, celebrados.
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