Surgido em 1996, logo após os primeiros sinais da retomada que começava a se desenhar na cinematografia nacional – com o sucesso de títulos como Carlota Joaquina: Princesa do Brazil (1995), o primeiro campeão de bilheteria dessa nova fase, O Quatrilho (1995), que foi indicado ao Oscar, e Terra Estrangeira (1995), que voltou a resgatar uma assinatura autoral entre os nossos realizadores – o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro nasceu com o objetivo de resgatar o melhor da produção cinematográfica feita no país, mas sob um olhar muito especial: o da crítica de cinema, ou seja, de quem leva seu dia a pensar, refletir e analisar as criações de cineastas e realizadores. Uma iniciativa até então inédita no país – principalmente no seu alcance e amplitude – mas que possuía referências fortes ao redor do mundo.
A mais óbvia, aliás, é a FIPRESCI – Federação Internacional de Críticos de Cinema, que existe desde 1925, quando foi fundada, em Bruxelas, Bélgica. A entidade atua, entre outras atividades, junto aos principais festivais de cinema, escolhendo com a ajuda dos seus membros os destaques de cada certame. Nenhum outro lugar, no entanto, aprimorou tanto esse processo de eleição dos melhores da sétima arte como os Estados Unidos. E aqui, portanto, é importante uma diferenciação. Se a temporada de premiações é um dos pontos altos do calendário de Hollywood, é preciso saber distinguir que ela é formada por três forças distintas: a indústria (que engloba o Oscar e os sindicatos de cada categoria), a imprensa (cujo maior exemplo é o Globo de Ouro) e a crítica especializada. E é justamente sobre essa última que aqui nos interessa se debruçar.
Desde 1967, a Sociedade Nacional de Críticos de Cinema dos EUA escolhe os seus melhores. Ainda mais antigo, o National Board of Review anuncia seus favoritos de cada ano desde 1929 – seu nascimento se deu um ano depois do prêmio da Academia. Além deles, de expressão nacional, há associações de críticos em praticamente todos os maiores estados e principais cidades do país – como Nova Iorque, Los Angeles, Washington, São Francisco, Las Vegas, Utah, San Diego, Hawaí, Boston e Chicago – além de outras mais específicas, por assim dizer, como a dos críticos Afro-americanos, os Latinos ou a Aliança das Jornalistas de Cinema (composta apenas por mulheres). Há um cronograma ferrenho, que começa no início de dezembro – geralmente, com o anúncio dos vencedores do NBR – e segue por três (ou dois) meses, até a festa do Oscar, que nada mais é do que o resultado daqueles que melhores se saíram durante toda essa campanha.
Mas e no Brasil, como isso funciona?
Há apenas quatro associações regionais de críticos de cinema no Brasil: a ACCPA – Associação de Críticos de Cinema do Pará, uma continuação do trabalho realizado pela APCC (Associação Paraense dos Críticos de Cinema), fundada em meados dos anos 1960; a ACCRJ – Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, criada informalmente em 1982 (e oficializada dois anos depois); a ACCIRS – Associação dos Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul, estabelecida em 2008; e a caçula ACECCINE – Associação Cearense de Críticos de Cinema, na ativa desde 2016. Cada uma tem o seu próprio regulamento interno. No entanto, no que diz respeito às escolhas dos melhores, as quatro funcionam de modo mais ou menos parecido: elegem os destaques brasileiros, internacionais e os de suas devidas regiões. A ACCRJ publica apenas uma lista de dez melhores (incluindo filmes brasileiros e estrangeiros), já a ACECCINE escolhe, além dos melhores longas, também os curtas (brasileiro e cearense) que despontaram em cada temporada.
Se voltarmos a um olhar mais abrangente, há a ABRACCINE – Associação Brasileira dos Críticos de Cinema, que aponta também apenas os títulos preferidos em cada categoria majoritária (Filme Estrangeiro, Filme Brasileiro e Curta Brasileiro). O Festival SESC Melhores Filmes, que ocorre em São Paulo, possui duas votações – uma do público, e outra organizada pela crítica. Nessa última, críticos de cinema de todo o país são convidados a apontar os seus favoritos também em outras categorias, como Melhor Direção, Ator, Atriz e Roteiro. O antigo Prêmio ACIE – Associação de Correspondentes de Imprensa Estrangeira pretendia ser uma versão nacional do Globo de Ouro, mas teve duração curta, de apenas uma década (2004-2013). O Prêmio Qualidade Brasil vem dos anos 1970, mas só após o ano 2000 e que ganhou maior expressão, ao exercer sua análise tanto no cinema, como no teatro e na televisão. Desde 2013 decidiu se focar apenas no exercício teatral, abandonando as outras manifestações. Por fim, é importante não esquecer a APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, que desde 1973 elege os melhores em diversas áreas artistas (música, literatura, dança… e também cinema).
Nenhuma dessas aqui citadas, sejam regionais ou nacionais, em atividade ou já extintas, possui o alcance do Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro. Ao contrário do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro (o único outro com diversas categorias de premiação), suas escolhas são feitas por profissionais da crítica, e não da indústria. Se no início eram apenas 11 categorias e não mais do que uma dezena de votantes, atualmente são escolhidos os melhores em 24 categorias distintas, e o processo de seleção – feito em duas fases, primeiro os indicados, depois os vitoriosos – se dá através da consulta de um colegiado que, no seu total, abrange mais de uma centena de críticos de cinema de todas as regiões do Brasil, de Norte ao Sul, do Sudeste ao Nordeste, sem esquecer do Centro-Oeste, é claro.
O melhor filme da primeira edição do Prêmio Guarani foi Terra Estrangeira, premiado ainda como Direção, Roteiro e Fotografia. Carlota Joaquina: Princesa do Brazil ganhou como Melhor Ator (Marco Nanini), Atriz (Marieta Severo) e Figurino, enquanto que O Quatrilho foi escolhido como Melhor Trilha Sonora – e os três, não por acaso, concorreram na categoria principal. Nos anos seguintes, títulos consagrados pelo público e pela crítica, tanto no Brasil quanto no exterior, como O Que é Isso, Companheiro? (1997), Central do Brasil (1998), Cidade de Deus (2002), Tropa de Elite (2007), Jogo de Cena (2008), O Palhaço (2011), O Som ao Redor (2013), Que Horas Ela Volta? (2015) e Arábia (2018) foram apontados como os melhores dos seus respectivos anos. Além disso, O Prêmio Guarani escolhe ainda a Melhor Animação, os melhores curtas de Ficção e de Documentário, Roteiros Original e Adaptado, Revelação Feminina e Masculina, Efeitos Visuais e Maquiagem, Figurino e Trilha Sonora. Nenhum outro esforço em todo o país se dedica a um olhar tão minucioso da nossa produção.
Em 2020, a 25a edição do Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro terá vez, para apontar os melhores exibidos no país, tanto nos cinemas, como nos festivais e em plataformas de streaming, durante o ano anterior. O processo, que é extenso e toma em torno de três meses de atividades, já está acontecendo. A primeira fase, com a definição dos cinco finalistas de cada uma das 24 categorias, se encontra em andamento, com mais de 40 críticos envolvidos. A segunda fase, marcada para os meses de Maio e Junho, envolverá mais do que o dobro de profissionais da área, todos atualmente na ativa. Os premiados devem ser anunciados no final do mês de Junho, ainda no primeiro semestre. Mais de 200 filmes estão sendo analisados, entre longas e curtas. Esse é o tamanho da produção brasileira em apenas um ano. E o Prêmio Guarani assume, com orgulho, a tarefa de promover os melhores de cada temporada. Assim tem sido por mais de duas décadas. E que da mesma forma continue, mostrando que há muito a ser descoberto – e celebrado – nas telas brasileiras.
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