Desde cedo o cinema se viu ameaçado, levado a ter preocupações com seu futuro. O surgimento da TV levou muitos a dizer: “ninguém mais vai pagar para ver algo nas salas, acabou o cinema”. Discursos apocalípticos semelhantes vieram a reboque da popularização dos videocassetes e dos demais equipamentos de home vídeo, voltando com força total após o surgimento do revolucionário streaming. A pandemia da COVID-19, que obrigou o confinamento de parte significativa da população, foi um duro golpe aos exibidores. Sem público, muitos deles fecharam suas portas por meses a fio e precisaram recorrer a vaquinhas on-line, campanhas de financiamento coletivo, entre outras formas de compensar as perdas enormes – o setor ainda tenta repor essas perdas. Verdade seja dita, a pandemia acelerou a intimidade de uma parcela enorme dos espectadores com o streaming e colocou em xeque a importância das salas de cinema dentro do senso comum. Os teatros conseguiram recuperar seus públicos pré-pandêmicos. Nem de longe o mesmo aconteceu com os cinemas, negócios que precisam rebolar para atrair consumidores. Algumas salas têm mesclado a badalação natural a novos filmes e o relançamento de clássicos e/ou mostras de cineastas consagrados como estratégia visando um possível reaquecimento. Será que o futuro das telonas está no passado, nos filmes de antes?
NOSSO LAR E OLDBOY DE NOVO NAS TELONAS
Pode parecer apressado apontar como tendência a exibição de filmes não inéditos no cinema, mas o mercado está realmente atento a essa possibilidade por diversos motivos e intenções. Nosso Lar (2010), um dos principais fenômenos de bilheteria brasileira no século 21, está prestes a retornar às telonas como parte da campanha do lançamento da sua continuação (prevista para chegar em 2024). É a mesma estratégia da gigante Disney/Fox para a divulgação do aguardado Avatar: O Caminho da Água (2022): relançar o filme original a fim de, numa tacada só, ganhar uns trocos e ainda renovar o interesse da plateia pela marca. No entanto, mais do que uma convenção comercial, os relançamentos de Nosso Lar e Avatar (2009) configuram uma nova oportunidade para ver/rever esses filmes nas telonas. Parece algo calculado para uma geração de pessoas com um pouco mais de 35 anos, acostumadas a consumir cinema nas telonas e que evidentemente sentem falta dessa experiência coletiva. Será que a lógica do funcionamento das salas de cinema tenderá a privilegiar essa demanda nostálgica em detrimento dos blockbusters geralmente devorados por uma massa, em princípio, pouco preocupada com a imersão, aquela que facilmente trocaria o escurinho do cinema pela conveniência de assistir aos filmes em casa?
Surfando um pouco nessa onda da nostalgia como alternativa lucrativa está o relançamento nos cinemas de Oldboy (2023), parte mais popular da chamada Trilogia da Vingança do cineasta Park Chan-Wook – ele serviu como um dos precursores da expansão global do cinema sul-coreano. Aliás, as plateias atuais têm bem mais afinidade com as histórias vindas da Coreia do Sul. Vale lembrar que Parasita (2019) venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes, na França, e o Oscar de Melhor Filme. Então, trazer de volta Oldboy às telonas vai além da celebração dos 20 anos de estreia dessa obra seminal, pois se trata de uma aposta para lucrar com o saudosismo, mas também uma tentativa de cooptar os jovens que admiram agora a cultura pop sul-coreana. De toda forma, parece que as telonas pós-pandêmicas estão realmente mais convidativas aos filmes não inéditos, talvez pela compreensão de que a principal fatia do público disposto a comprar ingressos e sair de casa se acostumou anteriormente a isso – claro, a lógica do consumo passa pelo costume. Então, seria urgente angariar uma plateia jovem e fazer com que ela se acostume rapidamente com as telonas antes que as telinhas as satisfaçam totalmente. É nesse sentido que vale destacar o que vem acontecendo nos últimos meses no Grupo Estação, um exibidor carioca.
MOSTRAS E RETROSPECTIVAS
Uma boa amostragem desse momento de testar alternativas (baseadas em programas antigos) é a quantidade de mostras e retrospectivas que o Grupo Estação vem fazendo no Rio de Janeiro. Liderada pelo cineasta e produtor carioca Cavi Borges, uma equipe de jovens curadores tem proporcionado ao público várias sessões disputadas de clássicos incontornáveis, obras obscuras cultuadas em círculos específicos, entre outros programas de filmes não inéditos que têm atraído animadoras quantidades de gente. O Estação já presenteou os cinéfilos fluminenses com mostras sobre Federico Fellini, Charles Chaplin, Pedro Almodóvar, além de consagrar a segunda-feira aos chamados Classiquíssimos, filmes de diferentes cinematografias e com abordagens distintas que têm feito bastante sucesso. Essas sessões especiais têm conseguido o que parece fundamental às salas de cinema não virarem artigo de fetiche vintage no futuro: renovação da plateia com adeptos cada vez mais jovens. Cavi Borges tem chamado essa onda de ocupação de “novíssima cinefilia” e não deixa de ser renovador acompanhar as salas lotadas até em noites chuvosas – ocasião que geralmente espanta os cariocas – para ver filmes facilmente disponíveis em outros meios. Animador isso de cinéfilos muito jovens que priorizam a experiência da telona.
Então, é necessário refazer a pergunta: será que o futuro das nossas queridas telonas está no passado? Provavelmente é cedo demais para afirmar isso sem correr um risco enorme de errar no diagnóstico e/ou na previsão. Fato é que a exibição de clássicos (ou de qualquer filme não inédito, que tenha passado antes pelo circuito comercial) pode ser uma boa alternativa diante do discurso dos streamings de oferecer rapidamente e a custo baixo o acesso às novidades. Uma rede de cinema brasileira fez uma temporada enorme de “clássicos” em suas salas anos antes da pandemia, em dias específicos e com preços menores do que os registrados nos ingressos comuns. Lembro com alegria e saudosismo a oportunidade de assistir pela primeira vez em tela grande a filmes como Laranja Mecânica (1971), O Poderoso Chefão (1972), Grease: Nos Tempos da Brilhantina (1978), Os Bons Companheiros (1990), entre outros. Será que é economicamente viável e rentável a ocupação paralela das salas de cinema com uma parte de filmes novos e outra de antigos? Precisamos contemplar saudosos, mas também garantir que novas gerações tomem gosto pela experiência única da imersão na sala escura e da comunhão coletiva na liturgia do filme projetado na telona à frente. Claro, essa discussão também passa pelo acesso aos filmes, pelo preço salgado dos ingressos, mas o passado parece ser uma boa saída para o nosso futuro.
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