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Há poucas semanas, Martin Scorsese assinou contrato para que a Apple fosse a principal financiadora de seu próximo filme, Killers of the Flower Moon. Ainda pequenino, o streaming Apple+ tem planos ambiciosos e já conta no acervo com a série The Morning Show (2019), estrelada por Jennifer Aniston, Reese Witherspoon e Steve Carell, e a ainda inédita minissérie dirigida por Sofia Coppola, ainda sem título definido. Entretanto, mais que este acerto em si, chama a atenção o fato de que trata-se do segundo filme seguido de Scorsese cuja produção cabe a uma plataforma de streaming. O anterior foi O Irlandês (2019), pela Netflix.

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Robert De Niro, Al Pacino e Ray Romano em “O Irlandês”

 

Há diferenças entre os acordos, é bom ressaltar. Com Killers of the Flower Moon, a proposta é realizar um lançamento tradicional nos cinemas e, após a devida janela de exibição, disponibilizá-lo no Apple+. Com O Irlandês, como se sabe, algumas salas o exibiram uma semana antes da estreia na Netflix e ponto final. Posturas distintas entre as duas plataformas, sendo que, ao menos neste caso, o modus operandi da Apple+ se assemelha ao usual do Amazon Prime Video. Mas, no fim das contas, o que faz com que um diretor consagrado como Martin Scorsese se alie às plataformas de streaming para realizar novos filmes? A resposta, como de hábito, chama-se dinheiro. E uma boa estratégia de mercado, é claro.

Desde 2013, quando lançou House of Cards, a Netflix sabe bem que o futuro do seu negócio não depende única e exclusivamente das constantes negociações por catálogos de estúdios e produtoras. Era preciso criar algo seu, que lhe garanta autonomia para os anos vindouros e evite a subserviência aos custos e vontades dos demais players do mercado. Foi assim que investiu bilhões de dólares, ano após ano, na produção de filmes e séries voltados a todo tipo de público, feitos nos mais variados países. Tratava-se, acima de tudo, de visão de mercado em uma época em que o streaming estava, ainda, longe de se consolidar.

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Kevin Spacey como Francis Underwood em “House of Cards”

 

É claro que a ideia de não exibir filmes no cinema não agradou a todos. Steven Spielberg já defendeu que a Netflix seja impedida de concorrer ao Oscar, com suas produções sendo classificadas como telefilme e disputando o Emmy. O Festival de Cannes baniu a empresa de sua mostra competitiva em 2018, também em defesa das salas. Beasts of No Nation (2015), exibido no Festival de Veneza, sofreu forte boicote na Academia ao ponto de Idris Elba, por muitos considerado favorito na categoria de ator coadjuvante, sequer ser indicado. Por mais que o tempo tenha feito tais tensões amainarem, elas ainda existem – Cannes, por exemplo, segue com a restrição até hoje. Mas não se trata, apenas, da defesa de um modo de se assistir filmes. Há, novamente, o dinheiro envolvido.

Para atrair talentos de todo tipo, a Netflix teve não só que dar autonomia como, também, abrir o bolso. Em parte porque, ao rodar um filme que não será exibido nos cinemas, grandes astros perdem a possivelmente polpuda (e instável) fatia do percentual de bilheteria a eles assegurado. Assim sendo, para ter Will Smith em Bright (2017) foi necessário pagar acima de seu cachê usual. O mesmo vale para Ryan Reynolds em Esquadrão 6 (2019), The Rock e Gal Gadot no vindouro Red Notice (2021) e por aí vai. Se você quer ter um astro fora dos cinemas, é preciso pagar por isto. Assim é Hollywood.

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Will Smith em “Bright”

 

No caso de Scorsese, há algumas variações. Uma delas é que seus filmes costumam ser caros e, não necessariamente, garantia de bilheteria – também por isso, muitas vezes seus projetos levam anos até conseguir financiamento, vide Silêncio (2016) e o próprio Killers of the Flower Moon. O diretor admitiu que fechou contrato com a Netflix porque foi a única empresa disposta a pagar os US$ 159 milhões previstos no orçamento, devido à (cara) tecnologia necessária para rejuvenescer o elenco de O Irlandês. Com Killers…, a situação se repete: seu novo filme, com Leonardo DiCaprio e Robert De Niro como salvaguarda financeira, terá o custo estimado de US$ 200 milhões. Não é pouco, ainda mais para um cineasta de 78 anos.

Diante de tal realidade, não é por acaso que cineastas de renome como os irmãos Coen, Alfonso Cuarón, Paul Greengrass, David Fincher, Bong Joon Ho, Noah Baumbach, Fernando Meirelles e tantos outros têm, cada vez mais, recorrido à Netflix e outras plataformas de streaming. Em um cenário onde os grandes estúdios quase sempre apenas têm olhos para filmes-evento em que possam lucrar muito, o streaming tornou-se um caminho para filmes que passam longe de explosões e super-heróis. Para as plataformas, ter tais nomes em seu acervo é não apenas um atestado de credibilidade como, também, chamariz para um público que preza cinema em detrimento de espetáculo audiovisual, apenas para citar a brilhante análise feita por… Martin Scorsese!

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Por tudo o que representa para o Cinema, Scorsese é a joia da coroa para o streaming e, para tê-lo, vale (muito) abrir a carteira. Para o cineasta, trata-se da chance de fazer o filme que quer da forma que deseja, mesmo que tenha 3h30 de duração. Na verdade, o diretor tem apenas um medo: “Nos últimos 20 e poucos anos, fiz filmes vistos na TV e, em relação a tamanho de tela, no cinema. Nunca para um telefone, não sei como fazer. Se você quiser ver um dos meus filmes, ou a maioria dos filmes, por favor, não use um celular. Um iPad, um grande iPad, talvez.”

Há limites para a modernidade, ao menos para quem preza pela excelência.

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Jornalista e crítico de cinema. Fundador e editor-chefe do AdoroCinema por 19 anos, integrante da Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) e ACCRJ (Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro), autor de textos nos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros", "Documentário Brasileiro - 100 Filmes Essenciais", "Animação Brasileira - 100 Filmes Essenciais" e "Curta Brasileiro - 100 Filmes Essenciais". Situado em Lisboa, é editor em Portugal do Papo de Cinema.
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