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Opinião :: Será que Babenco tem chances de voltar ao Oscar?

Publicado por
Robledo Milani

A Academia Brasileira de Cinema escolheu, na última quarta-feira, 18 de novembro, o título que assumirá a posição de representante nacional na disputa por uma das cinco vagas da categoria de Melhor Filme Internacional na edição de 2021 do Oscar. E o selecionado foi o documentário Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou (2018), de Bárbara Paz. Uma escolha, no mínimo, inusitada, ao menos à primeira vista – tanto pelo gênero, quanto pelo histórico da diretora. Afinal, foram raras as produções não-ficcionais indicadas nessa categoria em anos anteriores. Da mesma forma, este é o primeiro longa assinado por Paz, e também não é comum apostarem em uma realizadora novata. Mas, assim que um olhar mais dedicado se debruça sobre a questão, é possível entender as motivações por trás dessa escolha. Afinal, trata-se de um belíssimo trabalho da atriz, agora também cineasta. Porém, terá chances reais de conseguir a tão sonhada nominação? Pouco provável. E isso diz mais sobre a premiação e menos sobre a obra.

Barbara Paz, diretora de Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

O público em geral talvez não se recorde, mas Hector Babenco foi o primeiro cineasta brasileiro a ser, de fato, indicado ao Oscar em sua categoria específica, a de Melhor Direção (Fernando Meirelles foi o único outro a alcançar o mesmo feito, em 2004, por Cidade de Deus). Ele concorreu em 1986 – ou seja, há mais de três décadas – por seu trabalho em O Beijo da Mulher-Aranha (1985), que recebeu um total de quatro indicações ao maior prêmio do cinema mundial – tendo, inclusive, concorrido como Melhor Filme – e foi premiado como Melhor Ator (William Hurt). Bárbara Paz não se faz de rogada, e exibe em seu documentário todo o trecho da festa do Oscar que contou com a presença do ex-marido (sim, ela é viúva do cineasta), desde a leitura do nome dele pela apresentadora Barbra Streisand até o anúncio do vencedor (um improvável Sydney Pollack, que derrubou, além do brasileiro, lendas como John Huston e Akira Kurosawa, também indicados naquela ocasião – ou seja, Babenco estava em ótima companhia).

Serviria essa lembrança, portanto, como sinal aos votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood de que, ao apostarem no representante brasileiro, estariam, também, enaltecendo um “dos seus”? Essa parece, aliás, uma corrente de pensamento que deve ter pesado na escolha da comissão nacional. A diretora e roteirista Viviane Ferreira, o cineasta André Ristum, a produtora Clélia Bessa, o produtor Leonardo Monteiro de Barros, o diretor de fotografia Lula Carvalho, a produtora Renata de Almeida Magalhães e o diretor Toni Venturi foram os responsáveis por optarem por Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou em demérito de outros 18 inscritos. Ou seja, quase duas dezenas de títulos se apresentaram para essa disputa. Não teriam os demais melhores chances, caso tivessem sido escolhidos?

Difícil afirmar. Na verdade, nenhum dos possíveis selecionados parecem se encaixar no que se convencionou chamar de “perfil do Oscar” – por mais essa essa mesma noção esteja passando por um processo de desconstrução nos últimos anos. Assim como Babenco, que foi premiado como Melhor Documentário na mostra Venezia Classici do Festival de Veneza 2019 (há mais de um ano, portanto), longas como A Febre (premiado nos festivais de Chicago, Lisboa, Locarno, Mar del Plata, Pingyao, Portland e Thessaloniki), Aos Olhos de Ernesto (premiado nos festivais de Miami e Punta del Este), Pacarrete (premiado nos festivais de Bogotá, Los Angeles, Macon e New Jersey) e Casa de Antiguidades (premiado no festival de Chicago e selecionado para Cannes, Torino, Bergen e San Sebastian) também tinham o que pode ser aferido como repercussão internacional. Mas isso seria suficiente?

Cena de Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

Outros concorrentes poderiam revelar uma preferência mais impositiva, buscando temáticas ainda consideradas polêmicas por grande parte da sociedade – e que poderiam ressaltar o caráter independente da Academia Brasileira de Cinema, uma vez que entrariam em rota direta de colisão com a agenda conservadora e ultrapassada do governo nacional. Marighella (selecionado para o Festival de Berlim) aborda a Ditadura Militar (entre outras questões), Alice Júnior (exibido em Berlim, San Sebastian e premiado em Brasília e Festival do Rio) e Valentina (premiado em Los Angeles e na Mostra de SP) tem como protagonistas atrizes trans, Três Verões (premiado em Havana e Málaga) fala sobre a corrupção nas classes mais abastadas da população e M-8: Quando a Morte Socorre a Vida e Macabro escancaram casos de racismo. São todos filmes de alta comunicação com o público, e talvez permitissem um diálogo com uma parcela maior da audiência.

Restam ainda produções não desprovidas de interesse. Cidade Pássaro e Todos os Mortos foram exibidos no Festival de Berlim, Narciso em Férias passou pelo Festival de Veneza e Sertânia, muito provavelmente, seja o melhor filme nacional do ano. Outros parecem ser apostas mais populares, como Minha Mãe é uma Peça 3 (maior bilheteria do cinema brasileiro de todos os tempos) e A Divisão (thriller sobre a polícia no Rio de Janeiro e baseado numa série de televisão). Por fim, temos ainda Jovens Polacas, que ninguém viu (e há motivos para isso), e Pureza, que permanece inédito nos cinemas (e mesmo nos festivais) e, portanto, pouco se pode afirmar a respeito. A maioria, como se vê, com muitos méritos. Mas o que busca, afinal, o Oscar? Uma identidade nacional, para oferecer um caráter mais global à premiação, ou uma linguagem universal, que consiga se comunicar de forma efetiva com o público norte-americano? Uma boa mistura dos dois parece ser o caminho certo. Afinal, foi exatamente o que sul-coreano Parasita (2019) fez.

Barbara Paz, premiada no Festival de Veneza por Babenco – Alguém Tem Que Ouvir o Coração e Dizer: Parou

Se formos olhar apenas pela suposta qualidade dos inscritos, tendo como baliza a o impacto gerado junto à crítica especializada, Babenco aparece em pé de igualdade com alguns dos mais destacados, como Pacarrete, A Febre e Aos Olhos de Ernesto, por exemplo. E se soa estranho o fato de ser um documentário, neste mesmo 2020 não tivemos a indicação de Honeyland, um doc vindo da Macedônia? Então, quem pode afirmar que o raio não irá cair duas vezes no mesmo lugar (além da sabedoria popular?). Enfim, a impressão que fica, portanto, é que talvez o filme de Bárbara Paz não fosse a opção mais óbvia – e o seu anúncio como escolhido, de fato, deixou muita gente surpresa. Mas é, sem dúvida alguma, um representante digno. Se vai ou não figurar entre os cinco finalistas, portanto, é uma responsabilidade maior da campanha a ser trabalhada (tudo é uma questão de marketing, afinal) e de sua capacidade de atrair a atenção dos votantes. Se for assistido com cuidado, suas chances poderão aumentar consideravelmente. E quem sabe, em abril de 2021, não iremos presenciar Babenco mais uma vez na festa do Oscar?

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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