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Opinião :: Séries pra quem tem preguiça de Filmes

Publicado por
Robledo Milani

Não chega a ser necessariamente uma novidade – está mais para uma inversão, na verdade. Até certo tempo, era comum que séries que haviam feito muito sucesso na televisão acabassem sendo levadas para o cinema – Missão: Impossível (1966-1973) e As Panteras (1976-1981) ou mesmo Jornada nas Estrelas (1966-1969) são alguns dos exemplos mais clássicos. No entanto, de um tempo para cá temos percebido o contrário: uma enxurrada de seriados baseados em sucessos da telona. Só para ficarmos entre os mais recentes, podemos citar Expresso do Amanhã (2020), O Nome da Rosa (2020), Quatro Casamentos e um Funeral (2020) e Todas as Mulheres do Mundo (2020) – baseados, respectivamente, em Expresso do Amanhã (2013), O Nome da Rosa (1986), Quatro Casamentos e um Funeral (1994) e Todas as Mulheres do Mundo (1966). E o que esses exemplos tem demonstrado em comum (além, é claro, da fonte de inspiração)? Uma total falta de originalidade. Seriam, portanto, essas novas incursões audiovisuais das mesmas tramas motivadas apenas pela preguiça dos espectadores? Infelizmente, parece ser o caso.

Expresso do Amanhã: Filme vs Série

Mas é uma falta de vontade seletiva, é preciso afirmar. Pois se muita gente reclamou das mais de 3 horas de O Irlandês (2019), esses mesmos comemoram diante de cada nova série lançada que exige maratonas de oito, dez ou mais episódios. Ou seja, o desânimo não se dá por causa do tempo despendido em frente à televisão, mas pelo que é oferecido em retorno: no caso, filmes ou séries. Estamos, portanto, acompanhando um processo curioso, mas igualmente triste: a morte inevitável do cinema tal qual o conhecemos. E não por causa da pandemia do COVID-19, que obrigou salas de exibição de todo o planeta a fecharem temporariamente suas portas – ainda que esse fenômeno tenha acelerado o processo. A referência aqui é em relação ao prazer de sair de casa, ir até um teatro, multiplex ou shopping center e, num destes templos, desfrutar de duas horas em contato com a tela grande. Com comodismo e segurança cada vez mais ditando a ordem do dia, por quê se sujeitar a tudo isso, então?

Claro que não precisamos ser tão radicais. Óbvio que o cinema não irá desaparecer por completo. Ele continuará existindo, mas é provável que sua experiência, nesse novo cenário, se assemelhe mais a como é ir ao teatro hoje. Ao invés de 50 salas, uma cidade de médio porte terá 5, quem sabe até 10. Os ingressos serão mais caros, e as projeções ficarão restritas aos maiores filmes – grandes em termos de orçamento, atores conhecidos e investimentos em imagem e som. Os tais blockbusters, afinal. Todos os demais – produções alternativas, autorais, com menos recursos e mais ousadas criativamente, acabarão rumando aos serviços de streaming e VoD. E o que esse público, que seguirá lotando cinemas no lançamento do novo sucesso da Marvel, por exemplo, irá consumir em casa? As séries baseadas naqueles filmes que eles mesmos ignoraram antes.

A nova versão de Quatro Casamentos e um Funeral

Pois qual é a lógica que há por trás disso? Em apenas duas horas, é quase impossível resumir as quase 500 páginas que Umberto Eco escreveu. Por isso, O Nome da Rosa (1986) de Jean-Jacques Annaud é repleto de elipses, com muitos dos seus eventos sendo apenas sugeridos, quiçá citados. Para o seu melhor entendimento, é necessário que o espectador mergulhe naquele universo e preencha, por si só, as lacunas deixadas em aberto. Faz parte do processo de construção da obra, o diretor confia na inteligência do seu público e esse faz o esforço que lhe é exigido para criar uma versão própria daquele filme. Mais de trinta anos depois, o que estamos percebendo é uma audiência cada vez mais preguiçosa, que não quer se dar ao trabalho de elaborar por si só esses espaços em branco. Eis que surge, então, O Nome da Rosa (2020) de Giacomo Battiato. A inspiração continua a mesma. Porém, com oito horas à sua disposição, ele tem quatro vezes mais tempo para esmiuçar os detalhes que antes eram apenas apontados. E com a trama entregue de bandeja na sua completude, aquele que a assiste resigna-se a uma condição passiva, sem interferência nem reflexão. E por incrível que pareça, ainda se dá por satisfeito.

Os exemplos são inúmeros. Máquina Mortífera (2016-2019), Westworld (2016-2020), Wet Hot American Summer (2015-2017), Bates Motel (2013-2017), Desventuras em Série (2017-2019), Scream (2015-2019), Buffy: A Caça de Vampiros (1997-2003), Cara Gente Branca (2017-2020), Fargo (2014-2020), Shadowhunters (2016-2019), Taken (2017-2018), Limitless (2015-2016), Um Drink no Inferno (2014-2016), Rosemary’s Baby (2014), Minority Report (2015) e muitas outras foram, antes de aterrissarem nas telinhas, longas-metragens com diferentes níveis de impacto na telona. Da mesma forma, essas experimentações seriadas também obtiveram resultados diversos. Enquanto a maioria se ocupou basicamente de apenas reproduzir a mesma história – ou emular igual dinâmica entre os personagens, acreditando que seria o suficiente para garantir sua continuidade – e, com isso, falharam em todas as suas intenções, poucas foram as que conseguiram ir além. Algumas, aliás, se mostraram mais relevantes que os próprios filmes nos quais se basearam. E como conseguiram esse feito? Abandonando o conceito inicial e propondo, de fato, algo novo ao espectador.

O elenco da nova versão de Todas As Mulheres do Mundo

Há muito se fala na crise de criatividade pela qual Hollywood vem atravessando. Se antes a televisão era vista como um subproduto, e apenas astros decadentes se viam reduzidos a esse tipo de trabalho, o audiovisual enquanto entretenimento mudou tanto nos últimos anos que a situação atual é a inversa. Julia Roberts, Nicole Kidman, Will Smith, Brad Pitt, George Clooney, Mark Ruffalo, Chris Hemsworth, Meryl Streep, Al Pacino: é cada vez maior o número de nomes estrelados que vem se dedicando a desenvolver novos projetos para a canais a cabo ou plataformas de streaming. Só que se esse parece ser um caminho inevitável, é sabido também que é preciso deixar a indulgência de lado e investir de forma séria nesse tipo de conteúdo, não apenas estendendo enredos já conhecidos, mas propondo algo original e atraente, que justifique o investimento. Tanto de orçamento, quanto da audiência que irá prestigiá-la. Afinal, trocar de canal é muito mais simples do que alternar entre salas de cinema.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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