Depois de preparar a lista de melhores filmes brasileiros do século XXI, surgiu na redação do Papo de Cinema outra curiosidade: quais seriam as melhores produções dos nossos vizinhos argentinos, chilenos, uruguaios, colombianos neste período? Além dos membros do site, foram convidados críticos para determinarem os melhores títulos sul-americanos (excetuando os brasileiros) desde 2001. A tarefa não foi fácil: 64 filmes foram citados nas listas individuais antes de chegarmos ao top 10 exibido abaixo.
Muitos diretores foram representados mais de uma vez: Lucrecia Martel teve todos os seus longas-metragens incluídos nos rankings individuais, enquanto Sebastián Lelio, Pablo Larraín e Juan José Campanella tiveram parte importante de sua filmografia mencionada. Argentina e Chile dominam esta seleção, mas é ótimo encontrar títulos colombianos, uruguaios e venezuelanos entre os preferidos. No final, o top 10 se transformou num top 11 em virtude de um empate na última posição.
Votaram para este ranking: Robledo Milani (editor-chefe do Papo de Cinema), Marcelo Müller (editor do Papo de Cinema), Bruno Carmelo (editor do Papo de Cinema), Leonardo Ribeiro (colaborador do Papo de Cinema), Alysson Oliveira (Cineweb), Francisco Carbone (Cineplayers), Chico Fireman (Filmes do Chico), Lucas Salgado (CinePop), Nayara Reynaud (Nervos) e Sarah Lyra (Elviras).
10º (empate): Pelo Malo (2013)
Venezuela, Peru, Argentina. Direção: Mariana Rondón.
Um garotinho venezuelano demonstra sensibilidade artística e a vontade de alisar os cabelos enrolados, o que desperta o medo da mãe conservadora em ter um filho gay. Aos poucos, esta família de classe média-baixa se confronta ao peso das tradições e dos preconceitos sociais.
“O longa combina com sensibilidade temas como homofobia, selvageria urbana, condições sociais e papéis sexuais, transcorrendo de um ao outro sem pressa nem atropelo. Muito de sua força, no entanto, vem dos atores, intérpretes que entendem seus personagens e os defendem com gana”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.
10º (empate): Gloria (2013)
Chile. Direção: Sebastián Lelio.
Gloria (Paulina García) é uma mulher de 58 anos de idade vivendo em Santiago. Os filhos adultos têm vidas independentes, e não precisam mais dos cuidados dela. Ela decide explorar sua liberdade e investir em novos relacionamentos amorosos, alguns deles fracassados.
“Gloria é um filme iluminado que insiste em tratar de forma absolutamente humana todos os envolvidos, em ambos os lados da tela. Aqui não há distrações, apenas a vida exatamente como ela é, literalmente desnuda de artifícios ou adereços que até encantam, mas não se comprometem”. Leia na íntegra a crítica de Robledo Milani.
9º Uma Mulher Fantástica (2017)
Chile. Direção: Sebastián Lelio.
Marina (Daniela Vega) acaba de perder o namorado, vítima de um ataque cardíaco. Esta mulher transexual passa a sofrer o preconceito da família dele, que não deseja vê-la por perto, enquanto realiza seu próprio processo de luto.
“A comovente interpretação de Daniela Vega é a principal força do filme, pilar sobre o qual o cineasta constrói a trama. Tudo acontece em torno da protagonista, dessa mulher que, antes de reivindicar, infelizmente precisa se colocar em certas posições por saber de antemão as ressalvas sociais à sua natureza transexual”. Leia na íntegra a crítica de Marcelo Müller.
8º O Filho da Noiva (2001)
Argentina. Direção: Juan José Campanella.
Ricardo Darín interpreta Rafael, um homem em crise, com dificuldade de estabelecer compromissos com a mulher que ama e de se mostrar presente à mãe sofrendo de mal de Alzheimer.
Este filme foi um dos principais responsáveis pelo reconhecimento internacional de Darín, ao mesmo tempo em que demonstrou ao mundo a grande habilidade do cinema argentino em tratar de comédias dramáticas delicadas sobre temas familiares e de relacionamentos. Norma Aleandro brilha como a mãe doente, neste projeto indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro, e vencedor de oito prêmios da Associação Argentina de Críticos de Cinema.
7º Relatos Selvagens (2014)
Argentina. Direção: Damián Szifron.
Raros filmes formados episódicos conquistam um grande sucesso popular, mas talvez este seja uma das maiores bilheterias entre os filmes escolhidos. Ao longo de curtas histórias, o diretor explora o limite que separa a civilização da barbárie.
“O filme firma o diretor argentino com um nome de peso dentre a safra de novos realizadores do país. Além do mérito raro de operar com naturalidade e competência em várias áreas – a transição de roteirista a diretor e montador lhe parece natural – Szifón chama ainda atenção pelo seu estilo de filmar”. Leia na íntegra a crítica de Willian Silveira.
6º O Abraço da Serpente (2015)
Colômbia, Venezuela, Argentina. Direção: Ciro Guerra.
Dois cientistas passam décadas no coração da Amazônia pesquisando uma espécie rara de planta com poderes curativos. Ao longo deste processo, constroem um relacionamento com Karamakate, xamã pertencente a uma comunidade indígena dizimada.
“É impressionante o que Torres e Bolívar realizam como protagonistas desta história. Ambos são estreantes e carregam o filme nas costas, convencendo totalmente como dois diferentes extremos de uma mesma pessoa”. Leia na íntegra a crítica de Rodrigo de Oliveira.
5º No (2012)
Chile. Direção: Pablo Larraín.
Quando a popularidade de Augusto Pinochet entra em declínio, a população é convocada para um referendo visando legitimar a permanência do ditador no poder. Mesmo enfrentando represálias, o publicitário René Saavedra (Gael García Bernal) embarca na campanha que pode trazer a democracia de volta ao Chile.
“Pablo Larraín é hábil em juntar materiais de arquivo com novas gravações, fazendo de seu longa-metragem quase um documentário. O acerto da fotografia televisiva oitentista fez com que as cenas da época entrassem no filme sem nenhum estranhamento”. Leia na íntegra a crítica de Rodrigo de Oliveira.
4º O Clube (2015)
Chile. Direção: Pablo Larraín.
Padres, freiras e outras figuras religiosas vivem dentro de um casarão separado da sociedade. Em comum, eles participaram de atos de pedofilia, agressão a menores e outras formas de crimes acobertados pela igreja. Quando um novo hóspede de passado obscuro se instala na casa, os colegas correm o risco de ter seus segredos expostos.
“Espécie de Homens e Deuses (2010) ao contrário, O Clube é o mais próximo de um tribunal humano para os crimes cometidos em nome de Deus. Porta do inferno, La Boca é o projeto moderno dantesco do diretor chileno, em que as irrecuperáveis almas rebaixadas não congelam, mas boiam nas águas frias do Pacífico”. Leia na íntegra a crítica de Willian Silveira.
3º O Segredo dos Seus Olhos (2009)
Argentina. Direção: Juan José Campanella.
Um agente da justiça decide escrever um romance inspirado no crime que nunca conseguiu solucionar. Ao investigar o verdadeiro responsável pelo estupro e morte de uma mulher, Benjamín (Ricardo Darín) busca um encerramento para a sua própria história.
“A proximidade de seus personagens com o mundo real é uma marca do diretor, que acerta novamente em uma trama recheada de suspense, com ótimos momentos de humor e uma grande levada dramática. Misturar tudo isso poderia ser difícil, mas não para o cineasta argentino”. Leia na íntegra a crítica de Rodrigo de Oliveira.
2º Whisky (2004)
Uruguai, Argentina. Direção: Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll.
Jacobo (Andrés Pazos) leva uma vida pacata no Uruguai, onde gerencia uma pequena fábrica de meias. Quando o irmão empresário, que mora no Brasil, anuncia uma visita à terra natal, Jacobo decide criar uma falsa imagem de sucesso para impressioná-lo, o que inclui o casamento fictício com sua funcionária Marta (Mirella Pascual).
O Uruguai possui uma cinematografia de poucos títulos, mas tem demonstrado a capacidade de brincar não apenas com o status discreto do país no continente, mas também com as relações de classe no país. Com esta excelente comédia dramática, os diretores venceram o prêmio da crítica em Cannes, além do Goya e dos festivais de Havana, Guadalajara, Gramado e Huelva.
1º O Pântano (2001)
Argentina. Direção: Lucrecia Martel.
Durante as férias, duas mulheres e suas famílias burguesas se encontram num sítio isolado próximo um pântano. A convivência forçada entre os adultos alcoolizados e os adolescentes hormonais provoca uma série de conflitos dentro da casa.
O vencedor desta eleição, com folga, coube à obra-prima de Lucrecia Martel, que a posicionou internacionalmente entre as novas autoras mais ambiciosas do cinema contemporâneo. Não por acaso, todos os seus filmes foram votados pelos críticos, e A Menina Santa (2004) ficou muito perto da vaga no top 10. Premiado em Berlim, Sundance, Toulouse e Havana, o filme demonstra o talento da cineasta em lidar com conflitos humanos de maneira tão naturalista quanto perversa. A sexualidade, o dinheiro, os conflitos entre empregados e empregadores funcionam como uma bomba-relógio que explode numa conclusão hipnótica.
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