É sintomática a atual migração (felizmente temporária) de grandes personalidades do cinema à televisão, sobretudo nos Estados Unidos, em movimento inverso ao de anos passados, quando artistas de bons trabalhos televisivos eram seduzidos pelo glamour cinematográfico. Se no mercado estadunidense está cada vez mais difícil a captação de financiamento para projetos de telona fugidios do convencional, dotados de linguagem um tanto mais ousada, a TV (principalmente a fechada) parece porto seguro a esse tipo de proposta.
Ideia original do diretor Neil Jordan (Entrevista com o Vampiro, Traídos pelo Desejo, Café da Manhã em Plutão, entre outros) para cinema, Os Borgias acabou como série do Showtime, canal americano por assinatura. Contando com o know how de Michael Hirst, responsável por The Tudors, outro êxito sobre requintada família de eras remotas, Jordan colocou em prática sua visão da lasciva e devassa linhagem renascentista dos Borgia. O grande Jeremy Irons foi escalado como o patriarca Rodrigo Borgia, homem de fomes insaciáveis por poder e voluptuosas curvas femininas, alçado ao papado em 1492.
Os Borgias se atém à corrupção desse clã que tomou de assalto o Vaticano, tornando a Santa Sé quase empreendimento doméstico. A luxúria é elemento constante, as cenas de sexo são abundantes, e o pecado é base da argamassa que une a maioria das ações e comportamentos. Aos interessados no recorte histórico, Os Borgias é, ainda, boa pedida, pois passa ao largo do didático, e, a despeito de suas liberdades, mostra a contento os panoramas aristocrático e geopolítico europeus do período. O refinamento não fica apenas no campo da pesquisa, é visto também nos figurinos e nos elementos da direção de arte.
É “chover no molhado” exaltar as recentes produções da televisão americana. A qualidade não é nova, e a migração de talentos da tela grande para a pequena, mencionada anteriormente, nada mais é que reflexo de uma situação de mercado. Os Borgias aproveita tal abertura. É digno exemplar do filão que ajuda a alimentar o interesse por passagens históricas com narrativa envolvente e sedutora. Não é a melhor série de todos os tempos (xô superlativo!), mas pode-se classificá-la como das mais interessantes da recente safra. A segunda temporada estreou há pouco mais de um mês nos EUA.
As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo. Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.