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O 36º Festival de Cinema de Gramado terminou de modo surpreendentemente positivo, realmente premiando os melhores filmes da mostra competitiva, sem a habitual divisão dos kikitos como aconteceu nos últimos anos. Na mostra nacional, dos seis selecionados apenas 3 concentraram os troféus distribuídos, evidenciando a superioridade destes títulos em relação aos demais. E este resultado consagrou dois antigos frequentadores do festival – Murilo Salles e Domingos Oliveira, ambos já premiados em quatro ocasiões – e um novato – Matheus Nachtergaele, que está estreando como diretor. Nome Próprio, de Salles, foi o principal vencedor, levando os kikitos de Melhor Filme, Atriz (Leandra Leal) e Direção de Arte. Mas os grandes vencedores, pela quantidade de estatuetas douradas, foram A Festa da Menina Morta, de Nachtergaele, com 6 kikitos (Ator, para Daniel de Oliveira, Fotografia, Prêmio Especial do Júri, Música, Melhor Filme segundo o Júri Popular e Melhor Filme segundo a Crítica), e Juventude, de Domingos, com 4 kikitos (Direção, Roteiro, Montagem e Prêmio em Qualidade Artística, para as atuações de Domingos Oliveira, Paulo José e Aderbal Freire Filho).

Daniel de Oliveira e Leandra Leal eram as maiores barbadas da premiação, assim como o reconhecimento à Domingos Oliveira, que foi premiado em todas as funções que desempenhou no filme Juventude (dirigindo, atuando e escrevendo). A vitória de Nome Próprio pode ser considerada uma surpresa, ainda mais porque o filme já está em exibição em todo o país, apenas com exceção aqui no Rio Grande do Sul (a previsão é que entre em cartaz no próximo dia 29). A Festa da Menina Morta, o melhor de todos os concorrentes na minha opinião, mereceu a quantidade de kikitos recebida, e não teria sido uma injustiça se tivesse levado o troféu principal. Mas foi um bom resultado. A se lamentar apenas a ausência de prêmios para Netto e o Domador de Cavalos, de Tabajara Ruas, um filme com alguns problemas mas repleto de méritos, como fotografia e música, e Vingança, de Paulo Pons, que possui ótimas atuações do elenco principal. Já o fato do documentário Pachamama, de Eryk Rocha, ter ficado de fora, parece ter sido muito justo, já que durante sua exibição praticamente metade da sala se retirou do cinema.

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Entre os curtas-metragens, uma surpresa: Booker Pittman, de Rodrigo Grota, o favorito da crítica, ganhou do Júri Oficial apenas o Prêmio Especial do Júri, além dos kikitos de Direção de Arte e Música. O grande vencedor foi o paulista Areia, de Caetano Gotardo, com 3 kikitos: Melhor Filme, Atriz, para Malu Galli, e Fotografia. Cada vez que Caetano era chamado ao palco para um novo kikito ele parecia mais surpreso, chegando a ponto de dizer que só torcia mesmo pelos prêmios de fotografia e interpretação feminina. O único curta gaúcho a disputar a mostra nacional, Subsolo, acabou reconhecido numa importante categoria: Melhor Direção, para Jaime Lerner. A animação Dossiê Rê Bordosa saiu com os kikitos de Montagem e Roteiro, enquanto que o kikito de Melhor Ator foi para Augusto Madeira, por suas atuações nos curtas Blackout, de Daniel Rezende, e Noite de Domingo, de Rodrigo Hinrichsen. Augusto provavelmente seja mais reconhecido aqui em Gramado por estrelar um dos comerciais dos patrocinadores que era exibido todos os dias antes dos filmes concorrentes, além de ser uma figura constante na televisão e no teatro (ele está no elenco da peça Ensina-me a Viver, com Gloria Menezes, que passou recentemente por Porto Alegre).

A maior surpresa da noite deve ser o kikito de Melhor Filme Estrangeiro para o mexicano Cochochi, de Israel Cardenas e Laura Guzmán. Filme bastante experimental e inspirado no estilo iraniano de cinema, ganhou também os kikitos de Prêmio de Qualidade Artística e Excelência de Linguagem Técnica. Mas os longas estrangeiros mais premiados deste ano foram o colombiano Perro Come Perro, de Carlos Moreno, e o argentino Por Sus Propios Ojos, de Liliana Paolinelli, ambos com 4 kikitos cada. Perro come Perro levou os prêmios de Direção, Ator, para Marlon Moreno e Oscar Borda, Fotografia e Melhor Filme segundo a Crítica. Já Por Sus Propios Ojos foi premiado como Melhor Atriz, para Ana Carabajal, Roteiro, Prêmio Especial do Júri e Melhor Filme segundo o Júri Popular. Uma bela divisão, indo cada um dos prêmios de Melhor Filme (Júri Oficial, Júri Popular e Crítica) para uma produção diferente. O experimental Mindelo – Atrás de Horizonte, do Cabo Verde, e o envolvente O Mistério da Estrada de Sintra, de Portugal, acabaram esquecidos, num resultado que provocou estranhamento em alguns, mas não chegou a decepcionar como um todo.

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Gramado mostrou, nesta trigésima sexta edição, uma maturidade artística e cultural que há anos parecia ter perdido. O reconhecimento de talentos notoriamente consagrados (Domingos Oliveira, Leandra Leal, Matheus Nachtergaele, Murilo Salles, Daniel de Oliveira, Paulo José) deixa claro uma sintonia entre o festival e o momento cultural em que estamos vivendo. Foram premiados os filmes realmente superiores, mesmo que para isso alguns outros bons trabalhos tenham sido ignorados. Mas festival de cinema é assim mesmo, um debate feroz em que vários quesitos entram em questão, desde fatores sociais, emocionais e até econômicos. Com a premiação deste ano, acredito que Gramado assumiu mais uma vez um lugar de ponta e de respeito dentro do circuito cinematográfico nacional e latino, mostrando que na Serra Gaúcha há sim muito glamour, estrelas e badalação, mas também houve espaço para bons filmes, discussões e trocas de ideias. Um resultado promissor que indica um futuro ainda mais interessante.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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