Em minha última passagem pelo Festival de Cinema de Gramado, após sessão do filme O Mar de Mário, de Reginaldo Gontijo e Luiz F. Suffiati – exemplar difícil de deglutir sobre o cineasta Mário Peixoto – iniciei conversa com alguns críticos sobre a omissão de questionamentos importantes que ocorre na obra, como, por exemplo, os que contestam a autenticidade de opiniões emitidas por cineastas de renome acerca de Limite, o mítico (e único) filme de Peixoto. Minha surpresa foi constatar que críticos renomados não sabiam de tais desconfianças, nem mesmo daquela que objeta a autoria do famoso texto atribuído ao russo Sergei Eisenstein, e que, ao mesmo tempo, sustenta tal resenha como peça marqueteira criada pelo próprio Peixoto. Sabia que tinha lido em algum lugar sobre a questão, mas não lembrava onde, para poder voltar à fonte. Fui à internet e descobri o deflagrador de tal reviravolta histórica.
Em 1991, o então jornalista da Folha de São Paulo, Leão Serva, ganhou capa do caderno Ilustrada com matéria alusiva aos 60 anos de Limite, ao mesmo
Entre outras lorotas disseminadas por Peixoto, e apuradas por Leão, estão sua idade – ele dizia ter dirigido Limite com 15 anos, o que se descobriu uma inverdade, e a euforia de Orson Welles ao ver seu filme – outra mentira, já que testemunhos da sessão, que ainda contou com Vinícius de Moraes, dão conta que Welles chegou a dormir durante a projeção sob efeito de álcool.
Não se trata aqui de colaborar para qualquer mácula à figura já falecida de Peixoto, longe disto, mas há de se por as coisas em sua devida ordem. Ele mesmo dizia não poder provar a existência de tal artigo, por conta da destruição dos arquivos da revista Tatler, suposto veículo em 1932 da primeira publicação do mesmo. Quem sabe os diretores de O Mar de Mário, cujo desenvolvimento é bastante permeado justamente pelo registro do diretor lendo orgulhosamente a suposta declaração de amor de Eisenstein a seu filme, preferiram tomar o partido do artista, jogando para baixo do tapete qualquer questionamento às suas verdades. Decisão canhestra e chapa-branca que, por si só, enfraquece ideologicamente o documentário.
Parece mesmo que, orgulhoso da suposta estesia de Welles e Eisenstein diante de uma obra-prima do cinema brasileiro (e ninguém aqui falou que Limite não o é), o nacional decurso histórico relegou ao limbo algumas evidências que negariam completamente tais reações. Afinal de contas, como dito em O Homem que Matou O Facínora, de John Ford, “Quando a lenda é maior que o fato, imprima a lenda”. No caso de Mário Peixoto, parece que a lenda foi impressa em tintas mais vívidas, e a cor da verdade foi se deteriorando com o tempo.