Nunca o previsível foi tão surpreendente. Assim pode ser descrito o resultado da premiação do 85th Academy Awards, o popular Oscar. Isso porque o principal vencedor da noite, Argo, de Ben Affleck, era uma aposta certa entre todos os que acompanharam, ainda que minimamente, a última temporada. Mesmo assim, o filme quebrou um hiato de 23 anos – a última vez em que uma obra ganhou o maior prêmio da noite sem que seu diretor tivesse sido indicado em sua própria categoria foi em 1990, com Conduzindo Miss Daisy. E, nestes 85 anos de Oscar, o mesmo fato só aconteceu outras duas vezes – em 1929 e em 1932! Ou seja, se em 95% das vezes o premiado como Melhor Filme tem seu realizador concorrendo à Melhor Direção, percebe-se o quão rara foi a vitória do longa de Affleck, que falhou em ganhar sua estatueta enquanto cineasta.
Mas, então, por que Argo era o favorito? Vários motivos levaram a esta preferência. Apesar de Affleck ter sido esnobado no Oscar, o seu filme conseguiu ser lembrado em outras sete categorias. Saudado com entusiasmo pela crítica, recebeu os maiores reconhecimentos prévios deste ano. Argo ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme em Drama, o BAFTA, o Critics Choice Award, o Directors Guild (Melhor Diretor), o Producers Guild (Melhor Produtor) e o Screen Actors Guild (Melhor Elenco), além dos prêmios dos críticos da Florida, de San Diego e de Southeastern. Foi também um grande sucesso de público, com mais de US$ 200 milhões arrecadados nas bilheterias de todo o mundo (para um orçamento de menos de um quarto deste valor). Aplaudido pelos espectadores, recebido com entusiasmo pela crítica, aclamado pela indústria. Como não ganhar? Além de Melhor Filme, foi consagrado também com os Oscars de Melhor Roteiro Adaptado, para Chris Terrio, e de Melhor Edição, para Willian Goldenberg (ambos ganhando o primeiro Academy Award de suas carreiras). O filme ganhou exatamente nas três categorias – das sete a que foi indicado – em que despontava como favorito.
No entanto, Argo não foi o longa mais premiado deste ano. Essa honraria coube ao emocionante As Aventuras de Pi, de Ang Lee, que das 11 indicações recebidas faturou quatro estatuetas. Além dos prêmios em Fotografia, Trilha Sonora e Efeitos Visuais (aos quais era o favorito), ganhou surpreendentemente também o Oscar de Melhor Direção, tirando das mãos de Steven Spielberg, que por Lincoln despontava como o mais provável ganhador. Esta, aliás, foi uma das grandes surpresas da noite. Lee conquistou seu segundo Oscar como realizador – o anterior foi por O Segredo de Brokeback Mountain, em 2006, mas este, na verdade, é o terceiro prêmio conquistado pelo cineasta taiwanês – antes ele ganhou também como Melhor Filme Estrangeiro por O Tigre e o Dragão, em 2000. Com a vitória deste ano, Lee se consagra como um dos realizadores não americanos mais bem sucedidos da história de Hollywood.
Se Spielberg, mesmo com tudo a seu favor para garantir seu terceiro Oscar como Diretor, viu suas chances se evaporarem, o mesmo não pode ser dito da sua obra, Lincoln, que ganhou dois Oscars: Melhor Ator, para Daniel Day-Lewis, e Direção de Arte. Foi um resultado tímido perante as 12 indicações recebidas, mas ainda assim foi melhor do que sair de mãos abanando – mérito que coube, felizmente, ao superestimado sucesso independente Indomável Sonhadora, de Behn Zeitlin, que apesar de muito aplaudido pela crítica viu nenhuma das suas quatro indicações se concretizarem em um resultado positivo.
Day-Lewis, por outro lado, fez história: se tornou o primeiro intérprete masculino a ganhar três Oscars na categoria principal. Das cinco indicações que já recebeu (com a deste ano), havia ganho ainda por Meu Pé Esquerdo (1989) e por Sangue Negro (2007). À frente de Day-Lewis está apenas a imbatível Katharine Hepburn (1907-2003), premiada quatro vezes como atriz principal. E, também com três vitórias, encontram-se Jack Nicholson, Meryl Streep, Ingrid Bergman (1915-1982) e Walter Brennan (1894-1974) – porém todos estes ganharam ao menos uma vez como Coadjuvante.
Outra vitória impactante foi a de Christoph Waltz como Melhor Ator Coadjuvante, por Django Livre. Esta é recém sua segunda indicação, e também segunda vitória – ganhou antes por Bastardos Inglórios (2009), outra obra dirigida por Quentin Tarantino. E o cineasta também conquistou sua segunda estatueta, e na mesma categoria – Melhor Roteiro Original – que ganhara em 1995, por Pulp Fiction – Tempo de Violência. Entre as atrizes, tanto Jennifer Lawrence (Melhor Atriz por O Lado Bom da Vida) quanto Anne Hathaway (Melhor Atriz Coadjuvante por Os Miseráveis) estavam em suas segundas indicações, e com essa conquistaram suas primeiras vitórias. A bem sucedida adaptação do musical da Broadway ganhou ainda como Melhor Som e Maquiagem, finalizando com três vitórias – um dos melhores resultados da noite.
Outra surpresa foi o empate na categoria de Melhor Edição de Som, que reconheceu os trabalhos de A Hora Mais Escura e de 007 – Operação Skyfall. A mais recente aventura do agente secreto James Bond – que foi homenageado pelos 50 anos da franquia durante a cerimônia com um clipe dos melhores momentos da série e com um número musical da icônica Shirley Bassey, interpretando a mítica “Goldfinger” – levou também o prêmio de Melhor Canção Original, reconhecendo a bela “Skyfall”, escrita e interpretada pelo ícone pop Adele – protagonista de um dos melhores momentos da noite, ao interpretar ao vivo a música premiada.
Amor, de Michael Haneke, que surpreendeu a todos durante o anúncio dos indicados ao ter sido lembrado em cinco categorias, teve que se contentar apenas com o prêmio de Melhor Filme Estrangeiro, reconhecimento óbvio e previsível. O mesmo se repetiu entre os longas de Documentário (Searching for Sugar Man, de Malik Bendjelloul) e Animação (Valente, de Mark Andrews e Brenda Chapman). Entre os curtas (animação, ficção e documentário), também não houve nada inesperado, repetindo nos resultados o que já vinha sendo apontado pelos especialistas de cada gênero.
O Oscar 2013 perdeu uma importante oportunidade de ser marcante. Caso tivesse premiado As Aventuras de Pi como melhor filme – um resultado que iria de encontro com a crítica (88% de aprovação), com a indústria (recebeu 11 indicações) e com o público (quase US$ 600 milhões arrecadados em todo o mundo, o mais bem sucedido de todos os indicados deste ano) – não só a obra de Ang Lee teria recebido o reconhecimento merecido, como também a própria premiação teria se reafirmado como uma escolha independente e justa, e não mera seguidora de tendências. O mesmo poderia ter acontecido caso tivessem saído vitoriosos Emmanuelle Riva (como Melhor Atriz, por Amor), Robert De Niro (como Melhor Ator Coadjuvante, por O Lado Bom da Vida), Frankenweenie (como Melhor Longa de Animação) ou O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (como Melhor Maquiagem).
Mas como procurar por justiça quando os resultados tendem por uma unanimidade – que, como já dizia Nelson Rodrigues, é sempre burra? E assim, pulverizando todos os seus prêmios entre 12 longas-metragens, o Oscar 2013 atirou para todos os lados na tentativa de agradar ao maior número possível de interessados, satisfazendo de verdade poucos.
- As Aventuras de Pi (04): Direção, Trilha Sonora, Fotografia e Efeitos Visuais
- Argo (03): Filme, Roteiro Adaptado e Edição
- Os Miseráveis (03): Atriz Coadjuvante, Som e Maquiagem
- Lincoln (02): Ator e Direção de Arte
- Django Livre (02): Ator Coadjuvante e Roteiro Original
- 007 – Operação Skyfall (02): Canção Original e Edição de Som
- O Lado Bom da Vida (01): Atriz
- Amor (01): Filme Estrangeiro
- A Hora Mais Escura (01): Edição de Som
- Anna Karenina (01): Figurino
- Valente (01): Longa de Animação
- Searching for Sugar Man (01): Documentário
- Inocente (01): Curta – Documentário
- Curvew (01): Curta – Ficção
- Paperman (01): Curta – Animação
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