Todo ano é a mesma coisa: cinéfilos, fãs e curiosos estão todos juntos observando e comentando cada detalhe do prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood! Fale bem ou mal, mas desde que seja a respeito da disputa pela cobiçada estatueta dourada! Essa parece ser a regra máxima seguida pela organização do Academy Awards, que entre acertos e deslizes entregou uma cerimônia de premiação até mesmo ágil, preocupada em não se estender demais noite adentro e driblando as obviedades já previstas por qualquer um com o mínimo de conhecimento de como todo esse processo funciona.
12 Anos de Escravidão x Gravidade
Muito se falou que estava difícil prever quem ganharia o mas disputado prêmio da noite, o de Melhor Filme. E quem afirmou isso estava correto, mas em parte. Pois se a briga realmente foi acirrada, ela de fato se deu entre apenas dois títulos, e não três, como alguns chegaram a apostar. Gravidade, indicado em 10 categorias, foi o longa mais premiado na noite, vencendo em 7 delas – inclusive Melhor Direção. No entanto, quem levou a melhor foi 12 Anos de Escravidão, aclamado como o Melhor Filme do ano, mas com um total de apenas 3 estatuetas. O terceiro postulante era o thriller Trapaça, que viu suas 10 indicações serem reduzidas à pó ao voltar para casa de mãos abanando.
Se a derrota de Trapaça foi merecida, afinal se trata de um dos filmes mais superestimados do ano, o embate entre Gravidade e 12 Anos de Escravidão não foi dos mais justos. Como o título melhor dirigido e melhor editado não é também o melhor filme? Por outro lado, esse nem chegou a ser indicado a melhor roteiro, e sem uma boa história é possível ser uma obra completa? Talvez essa tenha sido a força do drama histórico sobre a escravatura nos Estados Unidos, premiado ainda como Melhor Roteiro Adaptado e em Atriz Coadjuvante, para a novata revelação Lupita Nyong’o (em seu primeiro trabalho profissional como intérprete). Ou seja, com uma trama eficiente e atuações de destaque fica mais fácil encontrarmos o filme mais competente?
12 Anos de Escravidão foi a aposta mais segura. É um filme relevante, de destacada importância social e histórica, e sua existência deve provocar reflexos extra-fílmicos de forte impacto. No entanto, é convencional, trilha um caminho seguro e já percorrido. Ao contrário de Gravidade, uma obra revolucionária, inovadora e criativa. Caso tivesse ganho, teria sido a primeira vez que uma ficção-científica levaria o prêmio principal (O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei, de 2003, não conta, pois se encaixa no gênero fantasia). Por outro lado, caso Steve McQueen, de 12 Anos de Escravidão, tivesse ganho o prêmio de Melhor Direção, seria também um fato inédito, pois até hoje nenhum realizador negro foi premiado nesta categoria. Ou seja, a Academia deixou passar a chance de fazer história. Duas vezes!
A consagração de Gravidade é muito similar ao desempenho, no ano passado, de As Aventuras de Pi, que foi o mais premiado da noite, ganhando inclusive como Melhor Direção, para Ang Lee, mas viu o troféu principal escapar de suas mãos e ir parar em Argo, consagrado com apenas três estatuetas. A vitória de Alfonso Cuarón, neste ano, revela que o realizador cinematográfico mais visionário continua sendo recompensado, porém quando o assunto é mais abrangente, o conservadorismo dos votantes da Academia segue imperando. Quem sabe no ano que vem isso muda?
Atuações em destaque
Os quatro prêmios de atuações deste ano foram bem previsíveis. Cate Blanchett, que havia ganho praticamente todas as premiações prévias como Melhor Atriz, chegou a temer uma eventual derrota por causa da polêmica envolvendo Woody Allen e Mia Farrow. Isso ficou perceptível no momento exato da sua vitória, quando era visível seu nervosismo. O que, caso acontecesse uma eventual derrota, seria uma tremenda injustiça. As demais concorrentes estava todas em trabalhos excelentes – essa categoria era uma das mais equilibradas do ano – mas a estrela de Blue Jasmine estava em um nível acima, num trabalho excepcional.
O que não se pode dizer, no entanto, dos outros três vencedores, todos em desempenho competentes e merecedores de láureas, porém não absolutos. Matthew McConaughey e Jared Leto – Melhor Ator e Melhor Ator Coadjuvante, ambos por Clube de Compras Dallas – apresentam aqui desempenhos viscerais, porém se apoiam muito em transformações físicas e adereços. Lupita Nyong’o, por outro lado, está de cara limpa, numa atuação convincente e de muita entrega, porém bastante limitada pela própria estrutura do longa – ela não deve permanecer muito mais do que 10 minutos em cena durante todo o filme, que tem mais de duas horas de duração.
Leonardo DiCaprio – em sua quarta indicação sem vitória – seria uma aposta mais corajosa para o prêmio de Melhor Ator, enquanto que Michael Fassbender e Barkhad Abdi estão surpreendentes em seus trabalhos como coadjuvantes. Por fim, Julia Roberts está fantástica, numa das melhores atuações de toda a sua carreira, enquanto que Sally Hawkins é a coadjuvante por excelência. Uma pena terem sido eclipsados, mas como apenas um pode ser premiado, é possível dizer que estes Oscars, neste ano, estão em boas mãos.
100% de aproveitamento
Alguns dos concorrentes foram reconhecidos em todas as categorias a que foram indicados. Se A Um Passo do Estrelato foi uma das poucas surpresas da noite ao ganhar como Melhor Documentário, batendo favoritos como O Ato de Matar e A Praça Tahrir, a vitória do italiano A Grande Beleza, como Melhor Filme Estrangeiro, era mais do que esperada – e justa! Mas sucesso, mesmo, foram os desempenhos de O Grande Gatsby e Frozen: Uma Aventura Congelante, vencedores, cada um, nas duas categorias a que concorriam. O remake do clássico de F. Scott Fitzgerald viu o que tinha de melhor – seu visual deslumbrante – ser agraciado com as estatuetas de Direção de Arte e Figurino, fazendo com que a designer Catherine Martin bisasse os mesmos prêmios que já havia ganho 12 anos atrás por Moulin Rouge (2001). Frozen, que neste último final de semana ultrapassou a barreira do US$ 1 bilhão arrecadados nas bilheterias de todo o mundo, conquistou os esperados troféus de Melhor Longa de Animação – o primeiro dos Estúdios Disney nessa categoria – e de Melhor Canção Original, superando artistas pop como Pharrell Williams (na apresentação mais contagiante da noite) e U2 (que concorriam pela segunda vez, e novamente ficaram a ver navios).
Prêmios de consolação
Com a vitória arrasa-quarteirão de Gravidade em quase todas as categorias técnicas, sobraram poucas opções para os demais concorrentes. Como resultado, cinco dos indicados a Melhor Filme ficaram de mãos abanando: O Lobo de Wall Street, Capitão Phillips, Nebraska, Philomena e Trapaça. Ela, indicado em seis categorias, teve que se contentar com o prêmio de Roteiro Original, para o próprio Spike Jonze, que concorria ainda como Filme (é um dos produtores) e Canção Original (é autor da bela “The Moon Song”). Já Clube de Compras Dallas, também com seis indicações, obteve 50% de aproveitamento: além dos prêmios de atuações masculinas, levou o de Melhor Maquiagem e Cabelo, num das apostas mais óbvias da noite (seus outros dois concorrentes eram os descartáveis Vovô Sem Vergonha e O Cavaleiro Solitário).
E a Ellen, hein?
Ellen DeGeneres voltou a ser a mestre de cerimônias do Oscar, tarefa que já havia executado em 2007. Sua performance foi competente, porém um tanto engessada. A impressão foi a de que não lhe permitiram muitos intervalos para brincadeiras e piadas. O texto de abertura foi burocrático, sem nenhuma tirada de maior brilho – que saudades das canções satíricas e debochadas de Billy Crystal! No entanto, o momento do selfie mais retuitado da história – um foto batida pela apresentadora ao lado de Meryl Streep, ao qual se juntaram astros como Julia Roberts, Bradley Cooper, Brad Pitt, Jared Leto, Lupita Nyong’o e Angelina Jolie – foi simplesmente antológico, enquanto que a sequência da pizza, se começou meio sem graça, depois rendeu sequências inspiradas – como Meryl avançando logo em dois pedaços (para ela e para o marido, é claro) e Brad Pitt mandando ver numa boa fatia enquanto segurava uma garrafinha de refrigerante no meio das pernas. Foram passagens aparentemente espontâneas, que ao menos serviram para lembrar a todos na audiência que ali estavam ‘gente como a gente’. Ou quase isso.
Confira a lista completa de vencedores do Oscar 2014!