INDICADOS
Este ano temos um bom time de postulantes ao Oscar de Melhor Filme. Se contarmos os filmes que injustamente ficaram fora da disputa, concluiremos que 2014 foi bastante produtivo para o cinema de língua inglesa. Mas, dos oito concorrentes, verdade seja dita, apenas dois têm reais chances de vitória no domingo: Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) e Boyhood: Da Infância à Juventude. Qualquer resultado que não um deles levar para casa a mais cobiçada das estatuetas seria uma grande zebra, algo sem muito respaldo inclusive nas premiações que servem de termômetro à festa do próximo dia 22. No começo da corrida, o filme de Richard Linklater disparou, aparentemente quase sem oponentes à altura, mas nos últimos tempos a realização de Alejandro González Iñarritu recuperou terreno, e mais, passou à condição de favorito. E se O Grande Hotel Budapeste surpreender? E quem há de limar completamente do páreo Clint Eastwood e seu sucesso Sniper Americano? A sorte está lançada, façam suas apostas.
É favorito porque vem empilhando prêmios significativos (como o principal dos sindicatos dos Atores e dos Produtores, o de Melhor Elenco no Critic Choice Award, entre outros). Torço pelo filme de Alejandro González Iñarritu pela maneira como ele reflete sobre arte e celebridades, abordando os desvãos da vida, as oportunidades aproveitadas e as perdidas com boa dose de melancolia e um sarcasmo mordaz. A câmera que não para, que passeia pelas coxias, pelo palco, e atravessa as janelas para ganhar a rua, numa montagem invisível com cara de plano-sequência, cola em personagens desesperados, seja para voltar aos holofotes, ganhar respeito, obter um pouco de amor, realizar desejos, entre outras necessidades mais ou menos mundanas. Nesse percurso, há uma irônica abordagem das engrenagens do mundo do entretenimento, elas que moem seus agentes para deles se alimentar. O que se vê parece ora delírio, ora realidade. É um filme diante do qual, a despeito do simples gosto/não gosto, não se pode ficar neutro. Já é muita coisa.
O longa, pode-se dizer, está vivo na briga. Venceu o Globo de Ouro de Melhor Comédia ou Musical, o Critics Choice Award na mesma categoria, e recebeu muitas outras láureas. Wes Anderson atingiu com esse filme a consagração do seu estilo bastante singular, justiça feita a uma carreira de produções igualmente elogiadas e relativamente bem recebidas pelo público. A posição do longa na corrida pelo Oscar de Melhor Filme é virtualmente intermediária, mas é bom não descartá-lo como possível surpresa, afinal de contas num sistema em que a influência dos concorrentes conta tão ou, infelizmente, às vezes até mais que as qualidades artísticas, as boas relações de Anderson podem fazer a diferença, sobretudo se houver mesmo a prevista polarização de votos entre Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) e Boyhood: Da Infância à Juventude. Particularmente, não acredito que o filme mereça tal reconhecimento, mas sei de muita gente que certamente comemoraria bastante sua vitória.
O longa ganhou o BAFTA, o Globo de Ouro, o British Independent Film Award (Melhor Filme Independente Estrangeiro), e por aí vai. Mas o que chama atenção na recepção do file de Richard Linklater é mesmo a alta aprovação da crítica especializada. No Rotten Tomatoes ele conta com 98% de aprovação e no Metacritic com incríveis 100%, ou seja, é praticamente uma unanimidade. Há quem exalte muito o método insólito de produção, os 12 anos necessários para acompanhar literalmente o crescimento do protagonista. Mas Boyhood: Da Infância à Juventude é bem mais que uma curiosidade, e o crivo da crítica está aí para reforçar isso, a relevância de uma narrativa que busca não apenas inventariar as diversas passagens da vida de um garoto, de sua família, ou dos que o cercam, mas também evidenciar o que há de comum nessas experiências, reforçando assim a identificação da obra com o público (incluindo aí os profissionais da crítica).
Com um custo de produção estimado em US$ 58.8 milhões, Sniper Americano registrou impressionante faturamento, sobretudo nos Estados Unidos. Até agora, arrecadou quase US$ 310 milhões apenas no território estadunidense, praticamente 80% de sua bilheteria total, que, contando com os demais territórios, já beira os US$ 400 milhões. Muita gente viu isso como um indício de que o mais novo filme de Clint Eastwood fala diretamente aos anseios patrióticos norte-americanos, principalmente a uma ala mais conservadora. O cineasta tem sido acusado de muita coisa, entre elas de exaltar o heroísmo da guerra, de fazer uma espécie de pornografia bélica baseado na biografia do atirador de elite Chris Kyle. Contudo, há ali, na exposição das idas e vindas desse soldado ao território inimigo, justamente o contrário, ou seja, uma crítica ao belicismo, à forma como a máquina de guerra apequena o homem até que ele vire apenas um sobrenome na farda e um número de eficiência.
O filme foi indicado a todos os grandes prêmios que você possa imaginar, mas, de significativo, levou apenas o de Melhor Roteiro Adaptado no Writers Guild Awards, concedido pelo Sindicato dos Roteiristas da América. O longa dirigido por Morten Tyldum acabou eclipsado por concorrentes mais fortes, embora faça bonito entre os oito. Sua trama conta parte da trajetória de Alan Turing, personagem cuja importância ele ajuda a resgatar. Por isso só o filme já valeria, por auxiliar nessa reparação histórica, trazendo à tona, sobretudo, a importância de Turing para o abreviamento da Segunda Guerra Mundial, e a consequente salvaguarda de inúmeras vidas, além de sua decisiva atuação como criador do que hoje conhecemos como computador. O Jogo da Imitação tem aquele jeitão de produção britânica clássica, o mesmo tipo que valeu há alguns anos o Oscar principal a O Discurso do Rei (2010).
É o primeiro filme dirigido pelo até então apenas roteirista Damien Chazelle. Chega à disputa com a credencial de vencedor de dois dos principais prêmios no Festival de Sundance, o de Melhor Filme, de acordo com o público, e o de Melhor Diretor, além da boa média nos quesitos aceitação crítica e recepção de público. No centro da trama, a relação tempestuosa entre o garoto obcecado por ser um grande baterista e seu professor, maestro sádico de métodos nada ortodoxos que não hesita em torturar física e psicologicamente seus pupilos para obter a harmonia ideal. Embora o filme não tenha lá muitas chances de vencer, sua lembrança entre os indicados pode ser considerada uma recompensa, sobretudo aos excelentes trabalhos do diretor e dos atores Miles Teller e J.K. Simmons, este franco favorito ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante.
O longa preenche este ano a cota para cinebiografia melosa e edificante que o Oscar privilegia sempre que pode. Acompanhamos Stephen Hawking desde a juventude, passando pela descoberta da doença degenerativa que paralisa grande parte de seu corpo, chegando até a consagração acadêmica. Baseado no livro de Jane Hawking, esposa do físico, o filme é muito mais um retrato do relacionamento deles, da perseverança dela para fazer as coisas darem certo, do que propriamente sobre Stephen Hawking. Tudo é muito edulcorado, tratado com tanto cuidado para evitar qualquer controvérsia que acaba soando nocivamente calculado. A Teoria de Tudo não é um mau filme, mas é injustificada sua presença entre os postulantes ao Oscar, a não ser, como dito no início, como representante de um tipo de cinema, baseado em ideais de superação, não raro lacrimosos, que é historicamente prestigiado pela Academia, sabe-se lá por quê.
Sua vitória seria a mais inusitada da noite. É um filme que fez pouco barulho por onde passou, dividindo tanto crítica quanto público. Alguns consideram sua nominação muito mais fruto da importância temática do que propriamente de méritos necessariamente cinematográficos. Selma: Uma Luta pela Igualdade reconstitui ficcionalmente as históricas marchas realizadas por Martin Luther King Jr e outros manifestantes pacifistas em 1965, entre a cidade de Selma, no interior do Alabama, e a capital do estado, Montgomery, em busca de direitos eleitorais iguais para a comunidade afro-americana. Divergências à parte, pelo andar da carruagem, o filme de Ava DuVernay deve ser mesmo apenas um figurante de luxo na festa do dia 22.
É uma pena, pois o filme de Dan Gilroy merecia, ao menos, figurar entre os indicados. Como bem sabemos, o Oscar não leva em consideração apenas a qualidade, mas também as campanhas de marketing. Talvez tenha faltado a O Abutre mais agressividade nos bastidores, ou seja, vender-se como um filme bom e relevante, o que de fato é. Não basta ser, tem que parecer. Apenas isso ajuda a entender um pouco sua ausência, em benefício de outros menos qualificados. Assim como Foxcatcher: Uma História que Chocou o Mundo, aliás, outro esquecido, O Abutre possui uma visão amarga e contundente, é incisivo ao mostrar o veneno da espetacularização e da meritocracia como pilares. Não é lá muito conveniente para a Academia bancar uma visão de mundo assim, cheia de desesperança, que mostra alguns efeitos colaterais de nossa atual constituição social. Pensando assim, dá pra entender a ausência.
Confira a lista completa de indicados e as chances de cada um no nosso Especial Oscar 2015