INDICADOS
Há quem credite à montagem apenas uma função técnica. Já outros, incluindo aí grandes cineastas, creem que esse processo, além de artístico, é o que verdadeiramente confere singularidade ao cinema, pois o diferencia das demais artes. A justaposição de imagens distintas a fim de criar sentido, de estabelecer ritmo, entre vários fins, sem dúvida é essencial a êxitos e a fracassos. Então, não chega a ser uma surpresa, aliás, pelo contrário, é quase uma convenção, que os cinco indicados ao Oscar de Melhor Montagem de 2017 sejam profissionais de longas-metragens nominados à categoria Melhor Filme. Lembrando que em 2016 a vitoriosa foi Margaret Sixel, pelo ótimo trabalho em Mad Max: Estrada da Fúria (2016), ou seja, mesmo sendo uma tendência, a relação nem sempre garante o possível vencedor.
Entre os postulantes à estatueta deste ano temos os nunca antes lembrados Jake Roberts, por A Qualquer Custo (2017) e Joi McMillon e Nat Sanders, dupla responsável pela bela edição de Moonlight: Sob a Luz do Luar (2017). Aliás, é necessário apontar um dado importante. McMillon é a primeira montadora negra indicada ao prêmio da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas. Joe Walker, reconhecido por A Chegada (2016), já tinha concorrido anteriormente por 12 Anos de Escravidão (2013); Jonh Gilbert, montador de Até o Último Homem (2017), disputou em 2002 por O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (2001). Fechando a lista, temos Tom Cross, que venceu o Oscar 2015 de Melhor Montagem por Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014), concorrente desta vez por La La Land: Cantando Estações (2017). Um timaço.
Aqui o principal fator que determina o favoritismo é, mesmo, a força do filme no Oscar. Tom Cross já levou a estatueta anteriormente por Whiplash: Em Busca da Perfeição, ou seja, pleiteia um bicampeonato que lhe colocaria ainda mais destacado em Hollywood. Aliás, muitos acreditam que a montagem de Whiplash seja superior. Isso decorre, principalmente, do fato de que no longa-metragem anterior o procedimento “aparecia” mais, sendo um elemento facilmente reconhecível para o bom andamento do drama protagonizado pelo jovem que busca tornar-se um grande músico. Mas, verdade seja dita, a fluidez com a qual transcorre o romance musical de Sebastian (Ryan Gosling) e Mia (Emma Stone), isso sem contar as inteligentes transições, é boa parte responsável pelo novo êxito do cineasta Damien Chazelle.
A dupla que assina a montagem do longa-metragem de Barry Jenkins bem que poderia vencer os prognósticos e, por conseguinte, o Oscar. O celebrado virtuosismo do diretor não seria tão valorizado e, muitas vezes, amplificado, sem a expertise de Joi McMillon e Nat Sanders. Méritos existem de sobra. A torcida é justificada, também, pelo próprio filme, afinal de contas, Moonlight: Sob a Luz do Luar é o melhor dentre os concorrentes à estatueta principal. Para fechar, seria, no mínimo, emblemático ver um triunfo não só de Joi McMillon, por ser negra e mulher numa função essencialmente branca e masculina, mas da própria mensagem que a produção carrega, o olhar às minorias, aos que se sentem à margem, sobretudo nos tempos nefastos em que vivemos, de governo desgovernado no Brasil e de uma figura execrável como Donald Trump à frente da nação mais poderosa do mundo.
Filmes de guerra são, em muitos aspectos, dependentes de boas montagens, sobretudo quando possuem várias cenas de batalha, como no longa-metragem dirigido por Mel Gibson. John Gilbert (não confundir com o ator homônimo) não é exatamente um iniciante. Ganhou o Satellite Award pela edição de O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel, por conta da qual também foi indicado ao Oscar e ao BAFTA, três significativos carimbos de reconhecimento. Não é culpa sua que Até o Último Homem seja excessivo, tanto no que diz respeito à gratuidade da violência quanto no que tange à mitificação do herói norte-americano. Mas, é sua responsabilidade a faculdade dinâmica do filme, algo que, de certa maneira, amortece a mão pesada de Gibson, conferindo ao resultado um tom infelizmente suplantado por traços que sufocam a sua qualidade. Portanto, não estranhe se John Gilbert vencer desta vez.
Ele não é um nome conhecido em Hollywood, o que explica, em parte, seu esquecimento entre os melhores montadores do ano. Mas, o holandês Job ter Burg bem que merecia figurar na lista final pelo trabalho preciso em Elle. Colaborando com seu compatriota Paul Verhoeven pela segunda vez – a primeira foi em A Espiã (2006) –, Job ter Burg apresenta, neste filme elogiado, uma edição elegante, que traduz em termos rítmicos a força da encenação de Verhoeven. Todavia, a inteligência de seu desempenho não se mede apenas pela forma como ele se coaduna com o da direção, mas admite uma análise autônoma, baseada na força que se desprende da engenhosa justaposição dos planos, da precisão dos cortes, em suma, do itinerário estilístico de uma montagem que atua para dar ainda mais voz, sobretudo, aos subtextos que fazem o filme transcender a superfície, tornando-se maior.