O ano de 2009 foi o último a contar com apenas cinco indicados na categoria mais disputada da premiação. Em 2010 e em 2011, foram 10 os concorrentes (o dobro!), mas desde 2012 as regras foram novamente alteradas, para o sistema que funciona até hoje, que diz ser possível ter até 10 finalistas (e não uma dezena exata). Assim como em 2015 e 2016, em 2019 temos apenas oito concorrentes. E tem para todos os gostos: desde um campeão de bilheteria com mais de US$ 1,3 bilhão arrecadados ao redor do mundo até um título lançado apenas em streaming, inédito nos cinemas da maior parte do planeta. Dois pseudo-musicais, duas produções dirigidas por cineastas negros (um recorde nos 91 anos do Oscar), dois dramas em que a questão racial dita o discurso, dois enredos absolutamente políticos – um sobre a Inglaterra do século XVIII, outro sobre os Estados Unidos do final do século XX – um título falado em língua estrangeira (ou seja, não em inglês) despontando como provável vencedor e a ausência total de um franco-favorito, daqueles que poderiam ser previstos com bastante antecedência, como se viu acontecer nos últimos anos. As mudanças promovidas pela Academia nos últimos anos, para tornar o corpo de votantes mais diverso e inclusivo, parece, enfim, ter gerado bons e surpreendentes efeitos. Quem irá, por fim, levar o ouro para casa? Confira as nossas apostas – e o que temos a dizer sobre cada um dos candidatos desta temporada!
Indicados
Roma, produção de Gabriela Rodriguez, Alfonso Cuarón
Z (1969), Os Emigrantes (1971), A Vida é Bela (1997), O Tigre e o Dragão (2000) e Amor (2012). Exatamente cinco títulos, em 90 anos de Oscar, conseguiram o mesmo feito de Roma: serem indicados duplamente em Melhor Filme e em Melhor Filme Estrangeiro. E se quatro deles foram premiados na segunda categoria, sabe quantos ganharam na primeira? Nenhum! Será que o título dirigido por Alfonso Cuarón alcançará, portanto, essa conquista inédita? Aliás, em todas essas nove décadas, apenas uma produção estrangeira foi premiada na categoria principal, e além dela ser muda (ou seja, não haviam diálogos e, portanto, também não eram necessárias legendas), sua trama era ambientada em Hollywood: o francês O Artista (2011). Mas é chegado o tempo de mudanças e a Academia está atenta a isso. Roma ganhou o Bafta e o Critics Choice, além de ter sido apontado o melhor do ano pelos críticos de Chicago, Denver, Kansas, Las Vegas, Los Angeles, Nova Iorque, Oklahoma, Filadélfia, São Francisco, Seattle, Southeastern, Toronto, Vancouver e Washington. Ou seja, num ano em que tudo parece indefinido, essa é a aposta mais segura de vitória. E merecida! Essa é a primeira indicação ao Oscar de Gabriela Rodriguez, e Alfonso Cuarón concorre na categoria pela segunda vez, após ter perdido por Gravidade (2013).
Infiltrado na Klan, produção de Sean McKittrick, Jason Blum, Raymond Mansfield, Jordan Peele, Spike Lee
Quase trinta anos após sua primeira indicação ao Oscar (Melhor Roteiro Original por Faça a Coisa Certa, 1989), Spike Lee tem, finalmente, chances reais de colocar suas mãos na cobiçada estatueta dourada. Concorrendo neste ano em três categorias – Filme, Direção e Roteiro Adaptado – ele poderia muito bem levar o trio completo para casa. Porém, se suas chances são maiores apenas na última, isso não quer dizer que não mereça também na principal. Afinal, Infiltrado na Klan foi indicado ao Globo de Ouro, Bafta e Critics Choice, além de ter sido escolhido como o melhor do ano no Satellite. Não ganhou, no entanto, nenhuma premiação regional de críticos – e não ter o amparo da categoria conta (muito) contra. Ou seja: se ganhasse, seria um reconhecimento muito bem-vindo. Porém, as chances reais de que isso aconteça são, infelizmente, quase inexistentes. Dos cinco produtores, tanto Sean McKittrick como Jordan Peele concorreram, nessa mesma categoria, por Corra! (2017), enquanto que Jason Blum, além de ter sido indicado com eles, chega neste ano à sua terceira indicação, pois fora indicado antes também por Whiplash: Em Busca da Perfeição (2014). Nenhum deles ganhou, no entanto.
Pantera Negra, produção de Kevin Feige
O mais bem-sucedido junto ao público dentre todos os concorrentes, Pantera Negra é também o filme que todos amam amar, e do qual (quase) ninguém fala mal. Revolucionário, moderno, contemporâneo e totalmente sintonizado com os tempos atuais, é, também, o primeiro filme baseado em super-heróis de histórias em quadrinhos a ser indicado nessa categoria, algo que nem mesmo os muito elogiados Batman: O Cavaleiro das Trevas (2008) e Mulher-Maravilha (2017), por exemplo, conseguiram. Além disso, ganhou o prêmio de Melhor Elenco no Sindicato dos Atores de Hollywood, o que significa o quanto astros e estrelas estão torcendo por esse projeto – e essa é a categoria com o maior número de representantes entre os votantes da Academia. Premiado como o melhor filme do ano pela Associação de Críticos de Cinema Afro-Americanos, pelo Círculo de Críticos Negros de Cinema e no Black Reel Awards, falhou em conseguir o mesmo apoio, no entanto, entre as demais associações críticas, conseguindo no máximo diversas indicações (como ao Critics Choice) e alguns prêmios técnicos, como Melhor Blockbuster (críticos de Los Angeles online) ou Melhor Filme no MTV Movie Awards. Ou seja, já quebrou diversas barreiras, e, pelo jeito, muitos pensam que foi longe demais, até. Essa é a primeira indicação ao Oscar do produtor Kevin Feige.
A Favorita, produção de Ceci Dempsey, Ed Guiney, Lee Magiday, Yorgos Lanthimos
Grande vencedor do Bafta (em número de estatuetas) e um dos campeões de indicações deste ano – concorre em 10 categorias – A Favorita não encontrou nos Estados Unidos a mesma repercussão que gerou no Reino Unido. Eleito o melhor do ano apenas pelos críticos da Florida, Iowa, Kansas, New Mexico, Phoenix e Houston, foi lembrado por praticamente todas as listas, sempre como um dos destaques da temporada, mas poucas vezes como o título mais importante de 2018. Talvez seja “europeu demais” para o gosto norte-americano comum, ou feminino demais – os personagens masculinos são meros coadjuvantes de uma trama lideradas por três fortes mulheres – para o padrão hollywoodiano, mas, com certeza, é um candidato que não pode ser menosprezado. Dos quatro produtores, apenas Ed Guiney já havia sido indicado antes, por O Quarto de Jack (2016).
Nasce uma Estrela, produção de Bill Gerber, Bradley Cooper, Lynette Howell Taylor
Indicado ao Globo de Ouro (Filme Drama), Critics Choice e Bafta, Nasce uma Estrela foi premiado como Melhor Filme de Estreia pelos críticos de Atlanta e como melhor filme do ano pelos críticos de Dallas-Fort Worth e Georgia. E em mais nenhum lugar foi reconhecido como a melhor produção cinematográfica do ano. O que se pode presumir disso é que, sim, muita gente ficou surpresa por Bradley Cooper ter sido bem-sucedido em sua estreia como realizador, e além do filme ter angariado ótimas críticas – melhor do que qualquer uma das quatro versões anteriores (!) – foi também um incrível sucesso de bilheteria (mais de US$ 423 milhões ao redor do mundo). Um conto de fadas tipicamente hollywoodiano, que merece ser saudado com entusiasmo. Porém, está longe de ser um projeto digno de toda essa atenção. As oito indicações conquistas já estão de ótimo tamanho – e só o fato de não ter conseguido figurar entre os finalistas de Melhor Direção já aponta a fragilidade de sua candidatura. É bom, portanto. Mas faltou ir além. Dos três produtores indicados, curiosamente apenas Bradley Cooper já havia sido indicado nessa categoria – ele concorreu por Sniper Americano (2014), mas perdeu.
Bohemian Rhapsody, produção de Graham King
Todo mundo ficou de queixo caído quando Bohemian Rhapsody foi anunciado como o Melhor Filme (de Drama!) do ano no Globo de Ouro – afinal, era o último na bolsa de apostas! Produção problemática, que teve até o diretor Bryan Singer sendo demitido no meio das filmagens, resultou em um incrível sucesso de público (mais de US$ 850 milhões arrecadados) e somou cinco indicações ao Oscar – e é apontado como o favorito em ao menos três delas (Ator, Edição de Som e Mixagem de Som). Mesmo assim, na própria casa – trata-se de um título inglês – conseguiu ser indicado apenas a Melhor Filme Britânico (ficando de fora da principal, como Melhor Filme) no Bafta, e mesmo assim perdeu. Além disso, não foi sequer indicado a Melhor Filme em absolutamente nenhuma associação crítica por todo o país (e existem dezenas delas), nem mesmo ao Critics Choice! Graham King, o produtor, no entanto, está em sua quarta indicação nesta categoria, já tendo sido premiado por Os Infiltrados (2006). É um veterano da indústria, e sabe muito bem o que faz – e só o fato de ter chegado até aqui com esse projeto já demonstra bem o alcance das suas empreitadas.
Vice, produção de Dede Gardner, Jeremy Kleiner, Adam McKay, Kevin J. Messick
Indicado ao Globo de Ouro como Melhor Filme de Comédia ou Musical (!), Vice concorreu também ao Critics Choice e às premiações dos críticos de Dallas-Fort Worth, Houston, Las Vegas, North Texas, Phoenix, Southeastern e St. Louis, além do prêmio do Sindicado dos Produtores (o que sempre possui muita relevância nesse caso). Não ganhou em absolutamente nenhuma dessas ocasiões, e ainda falhou em estar presente em algumas outras premiações, como o Bafta ou o National Board of Review, por exemplo, além do Sindicato dos Críticos de Cinema dos EUA. O que se entende que, independentemente das qualidades do projeto, trata-se de um longa absolutamente de nicho, que fala a um público bem específico. O tom de humor satírico, perseguido pela narrativa, também não agradou a todos, gerando mais casos do “ame ou odeie”. Dentre os produtores, se tanto Adam McKay quanto Kevin J. Messick estão indicados nessa categoria pela primeira vez, a outra dupla é bastante premiada: Dede Gardner e Jeremy Kleiner são donos de dois Oscars, por 12 Anos de Escravidão (2013) e por Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016), sendo que ela está concorrendo pela sexta vez, enquanto que ele está na quinta indicação!
Green Book: O Guia, produção de Jim Burke, Charles B. Wessler, Brian Hayes Currie, Peter Farrelly, Nick Vallelonga
O longa dirigido por Peter Farrelly, surpreendentemente, é uma ameaça real e pode, sim, levar o Oscar para casa. E há dois (fortes) motivos que apontam para esse cenário: suas vitórias no Producers Guild Awards (o Sindicato dos Produtores), no National Board of Review e no Globo de Ouro (como Melhor Filme em Comédia ou Musical), além de ter sido premiado pelos críticos de Nevada, Phoenix e de North Texas. Há, porém, outros (enormes) indícios que apontam para uma realidade completamente adversa, em que esse é o mais fraco dos candidatos: ficou de fora das listas de todas as principais premiações críticas, não sendo sequer indicado em Los Angeles ou Nova Iorque, por exemplo. No Bafta e no Critics Choice, foi lembrado, mas também não levou. E, para piorar o cenário, seu realizador sequer conseguiu figurar entre os cinco finalistas a Melhor Direção – e, em 90 anos de Oscar, em apenas 4 ocasiões o Melhor Filme do ano não teve seu diretor indicado (Asas, 1927; Grande Hotel, 1932; Conduzindo Miss Daisy, 1989; e Argo, 2012). Ou seja, é muito raro que uma conjuntura assim aconteça – e quase improvável que se repita. Para completar o desastre, tanto Farrelly quanto o roteirista Nick Vallelonga enfrentam acusações de assédio sexual (o primeiro) e de promover discurso racista (o segundo). É muita polêmica para pouco filme, vamos combinar. Sobre os cinco produtores, apenas Jim Burke havia sido indicado antes nessa categoria (por Os Descendentes, 2011), e perdeu. Os demais são todos estreantes.
Guerra Fria, produção de Malgorzata Bela, Piotr Dzieciol, Ewa Puszczynska, Tanya Seghatchian
Dos cinco indicados a Melhor Direção, Guerra Fria é o único que não concorre a Melhor Filme. E a pergunta é óbvia: como pode um dos longas mais bem dirigidos do ano não ser, também, um dos melhores da temporada? Se a questão parece óbvia, somente o preconceito dos votantes da Academia quanto aos títulos estrangeiros é que pode justificar essa ausência – a categoria de Melhor Filme é a única na qual todos os membros da entidade votam na fase inicial de definição dos finalistas. Grande vencedor do European Film Awards (com cinco vitórias, inclusive Filme do Ano), foi premiado como Melhor Direção no Festival de Cannes e eleito o Melhor Longa Europeu no Goya, na Espanha. Ganhou também o prêmio de Melhor Estrangeiro no National Board of Review e na premiação dos críticos de Nova Iorque, além de ter concorrido nessa categoria ao Bafta e ao Critics Choice. E basta assistir ao poema visual do diretor Pawel Pawlikowski para reconhecer nesse um dos trabalhos mais completos da temporada, que, assim como Roma, merecia não apenas o destaque dos Estrangeiros, mas também uma vaga na categoria mais disputada da premiação.
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