É curiosa a seleção de documentários em longa-metragem destacados pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood neste ano. Talvez nem tanto por apenas um dos títulos ter sido produzido nos Estados Unidos, mas pelo colegiado ter escolhido dois de temática bastante similar – a guerra na Síria – e outros dois muito distintos entre si: um sobre um criador de abelhas na Macedônia do Norte e outro sobre os conflituosos bastidores da política brasileira em anos recentes! Quem diria, não é mesmo? E se a torcida pelo filme brazuca é intensa, é bom destacar que não é de hoje que produções brasileiras são lembradas nessa categoria: afinal, é a quarta vez que disputamos essa estatueta! A primeira foi com Raoni (1978), co-produção entre Brasil, França e Bélgica, narrada por Marlon Brando (nos EUA), Jacques Perrin (na França) e Paulo César Pereio (no Brasil), premiada no Festival de Gramado e dirigida pelo belga Jean-Pierre Dutilleux e pelo brasileiro Luiz Carlos Saldanha. Mais de trinta anos depois, o Brasil estava de volta na disputa com Lixo Extraordinário (2010), da inglesa Lucy Walker e co-dirigido pelos brasileiros Karen Harley e João Jardim, que se debruçava sobre a obra do artista plástico brasileiro Vik Muniz. Outro nome cem por cento verde e amarelo é o do fotógrafo Sebastião Salgado, cuja trajetória foi resgatada em O Sal da Terra (2014), do alemão Wim Wenders e do brasileiro Juliano Ribeiro Salgado (filho do biografado, por sinal). Em nenhuma das ocasiões, no entanto, o ouro acabou vindo para cá. Será que dessa vez teremos melhor sorte? Confira as nossas apostas na categoria de Melhor Documentário em Longa-metragem!
Indicados
Indústria Americana
Há um nome por trás dos bastidores do doc de Steven Bognar e Julia Reichert que é suficiente para encerrar as discussões sobre quem será o provável premiado nesta categoria: Barack Obama! Afinal, trata-se do primeiro longa-metragem lançado pela Higher Ground Productions, produtora criada por ninguém menos do que Obama e sua esposa, Michelle. Com estes dois apoiadores de peso, como Hollywood conseguirá deixar de premiá-lo? Indicado também ao Bafta, ao Film Independent Spirit e eleito um dos melhores lançamentos do ano pelo National Board of Review, foi premiado no Festival de Sundance, pela Associação Internacional de Documentários (Melhor Direção), no Gotham e no Critics Choice Documentary Awards (Melhor Doc Político e Melhor Direção). Além de ter sido lembrado por dezenas de associações de críticos por todo o país. Por fim, trata-se do único dos cinco indicados a abordar um tema tipicamente norte-americano. O que mais falta para o ouro já ser dele?
Honeyland
Dos cinco indicados nesta categoria, apenas um é também finalista em outra disputa no Oscar. E é justamente Honeyland, que concorre ainda a Melhor Filme Internacional. Como lá suas chances são mínimas – afinal, todo mundo sabe que o premiado será o sul-coreano Parasita – resta apenas esse espaço para uma possível vitória. E será que há alguma chance de isso acontecer? Pois bem, ela existe, sim. Premiado na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, no ano passado, ganhou ainda o Critics Choice Documentary Awards (Melhor Tema para Doc e Doc de Estreia), o Festival DocAviv, o DocsBarcelona, a Associação Internacional de Documentários (Melhor Fotografia e o Prêmio Especial Pare Lorentz) e no Festival de Sundance (Melhor Fotografia, Grande Prêmio do Júri e Prêmio Especial do Júri), além de ter sido escolhido o melhor pelos críticos de Nova Iorque e pela Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema dos Estados Unidos. Melhor não se espantar, portanto, se o pacato cuidador de abelhas da Macedônia do Norte acabar transformando o mel com o qual lida diariamente em ouro puro!
SEM CHANCES
Democracia em Vertigem
Depois de três indicações, todas advindas de parcerias com outros países, seria um ótimo afago no nosso ego sermos premiados justamente por aquele cem por cento nacional. Porém, é bem pouco provável que isso aconteça, infelizmente. E não tem nada a ver com os ataques do presidente Jair Bolsonaro e dos seus asseclas do (des)governo nacional. Acontece que essa produção da Netflix, inédita nos cinemas, realmente repercutiu muito pouco no exterior. Selecionada para o Festival de Sundance e indicada em mais de uma categoria nas premiações do Critics Choice Documentary Awards, Associação Internacional de Documentários e no Gotham, não conquistou a vitória em nenhuma dessas disputas. Claro que isso tem muito pouco a ver com a qualidade do filme dirigido por Petra Costa – afinal, somente o fato de ter conquistado essa indicação já foi um feito e tanto. E como a esperança é a última que morre, que tal seguirmos torcendo, mesmo contra todas as expectativas?
Apollo 11
A grande ausência nessa categoria foi a do filme dirigido por Todd Douglas Miller que resgata um dos momentos mais importantes da história norte-americana: a missão liderada por Neil Armstrong e pelos pilotos Buzz Aldrin e Michael Collins que levou o homem a pisar na lua pela primeira vez. O que teria levado os membros da Academia a ignorar uma obra que fala tão diretamente com os anseios e exemplos de todo um país? E com qualidade, afinal. Pois além de estar indicado ao Bafta e ao Film Independent Spirit, já ganhou quase 50 troféus nessa temporada de premiações, tendo sido reconhecido pelos críticos de Atlanta, Austin, Boston, Central Ohio, Chicago, Dallas-Fort Worth, Detroit, Florida, Georgia, Havaí, Houston, Iowa, Kansas, Las Vegas, Los Angeles, Nevada, Nova Iorque, Carolina do Norte, North Texas, Philadelphia, Phoenix, São Francisco, Southeastern, St. Louis, Utah e Washington, premiado no National Board of Review, Festival de Sundance, Critics Choice Documentary Awards e até no Sindicato dos Produtores. Ou seja, é indiscutivelmente a produção do tipo mais aplaudida do ano. Por tudo isso, tal esquecimento chega a ser não só absurdo, mas também ultrajante.
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