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Oscar 2021 :: Diversidade e talento de mãos dadas

Publicado por
Robledo Milani

Muito se falou, após a cerimônia de entrega do Oscar 2021, sobre as alegadas “injustiças” que teriam sido cometidas nesse ano. Como assim, Mank teve dez indicações e só ganhou em duas categorias? Mas se Chadwick Boseman era o favorito, como que o Anthony Hopkins foi premiado como melhor ator? Glenn Close perdeu de novo, pela oitava vez? Bom, assim como essas, muitas foram as reclamações dos cinéfilos mais acirrados na torcida pelos seus preferidos. No entanto, com um grupo cada vez maior e mais diverso de votantes – atualmente são quase 10 mil membros espalhados por todo o mundo – está cada vez mais difícil afirmar que “a Academia faz isso ou aquilo”. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood não é uma coisa única – felizmente. Justamente por isso, o que se percebeu diante dos premiados dessa vez, foi uma bem sucedida combinação entre uma necessária multiplicidade de olhares e uma imprescindível valorização do que, em última instância, de fato importa: o talento em frente – e atrás – das câmeras.

 

Frances McDormand e Chloe Zhao, premiadas como Melhor Filme por “Nomadland”

 

Pra começar, é importante reconhecer que o Oscar de décadas atrás, com títulos como O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2003), Titanic (1997) ou Ben-Hur (1959) – os recordistas históricos, todos premiados com 11 estatuetas – não mais existe. Nos últimos dez anos, o vencedor do prêmio de Melhor Filme mais bem-sucedido foi O Artista (2011), com… 5 vitórias. De lá pra cá, todos ganharam 4, 3 ou apenas 2 estatuetas (como foi o caso de Spotlight: Segredos Revelados, 2015). Ok, nesse meio tempo tivemos La La Land: Cantando Estações (2016), premiado com 6 Oscars, mas… esse não levou na categoria principal, estão lembrados (perdeu para Moonlight: Sob a Luz do Luar, 2016, que ganhou 3 Oscars)? Então, qualquer um mais atento já sabia de antemão que, apesar de Mank ser dono do recorde de 10 indicações neste ano, seria difícil ele ganhar em todas essas disputas. Da mesma forma o favorito Nomadland, indicado em 6 categorias, também não levaria todas. No final, ganhou apenas mais duas: Direção (Chloe Zhao, a segunda mulher em 93 anos a alcançar tal feito, uma injustiça histórica que começa a ser corrigida, o que já é motivo de comemoração) e Atriz. E tá de ótimo tamanho (ok, poderia ter ganho também como Melhor Fotografia, mas é só uma questão de gosto pessoal, mesmo).

 

Oscar 2021 :: Nomadland é o grande vencedor do ano! Confira a lista completa de premiados!

 

Mank é um filme mais admirado, respeitado, do que amado, que motive defesas apaixonadas. Muitas das suas indicações foram técnicas, e estes eram quesitos inquestionáveis: talvez não fosse ‘o melhor’, mas com certeza estava entre os cinco destaques do ano. Nomadland, por outro lado, fala com propriedade de um problema de alta ressonância na sociedade atual, uma questão que não pode ser ignorada. Ao escolher esse como o melhor filme da temporada, a Academia não apenas privilegia o cinema, mas também o debate social que o longa propõe. Dois coelhos numa só tacada. Por outro lado, teve biscoito pra todo mundo (ou quase). Dos oito concorrentes a Melhor Filme, apenas um não ganhou nem ao menos numa categoria – justamente Os 7 de Chicago, uma obra competente, mas a mais ‘tradicional’, por assim dizer, dentre todos os finalistas. Pecou, portanto, por não ousar. E num ano em que se privilegiou os que saíram do lugar-comum, seria mesmo incongruente enaltecer um projeto tão atento à cartilha.

 

Regina King (no palco) foi a primeira apresentadora da festa

 

A diversidade se mostrou forte nas categorias de atuação. Por alguns momentos, chegou-se a pensar que, pela primeira vez na história, teríamos quatro intérpretes não-brancos como vitoriosos. Mas ainda não foi dessa vez. Youn Yuh-Jung se tornou a primeira atriz asiática a ser premiada no Oscar, ao ganhar como Coadjuvante, por Minari: Em Busca da Felicidade (o cambojano Haing S. Ngor, por Os Gritos do Silêncio, 1984, foi o primeiro ator). No entanto, não se trata de nenhuma novata, mas de uma consagrada intérprete com uma carreira de mais de 50 anos, cujos filmes foram exibidos nos principais festivais de cinema do mundo e que em seu país de origem – a Coreia do Sul – já ganhou todos os prêmios e reconhecimentos possíveis. Por outro lado, Daniel Kaluuya, de Judas e o Messias Negro, foi o sexto homem negro a ser agraciado como Melhor Ator Coadjuvante. E isso também não é uma surpresa. Afinal, dos cinco concorrentes, ele era o único que não estava em sua primeira indicação (havia sido indicado antes por Corra!, 2018, como protagonista). Ou seja, mesmo com 32 anos, era o único não-novato na disputa.

 

Anthony Hopkins divulgou no dia seguinte um vídeo de agradecimento

 

As corridas para Melhor Ator e Atriz foram mais disputadas, e quebraram o bolão de muita gente. Chadwick Boseman e Viola Davis (ambos por A Voz Suprema do Blues), os dois escolhidos no SAG Awards, eram os favoritos? Ou seriam Riz Ahmed (O Som do Silêncio) e Carey Mulligan (Bela Vingança), ambos premiados no Spirit? Difícil afirmar com precisão. É certo que Boseman, além de ter ganho os principais prêmios precursores, também contava com o fato ‘homenagem’ a seu favor – falecido em agosto do ano passado, seria uma excelente oportunidade para lhe prestar esse reconhecimento. Mas era, de fato, uma honraria devida? Quando vivo, nunca fez um filme que gritasse “Oscar”. As maiores conquistas que alcançou em vida foram prêmios como “Melhor Luta” no Teen Choice Awards, “Melhor Elenco” no Screen Actors Guild, “Melhor Herói” no MTV Movie Awards ou “Estrela de Cinema Favorita”, no People Choice Awards, todos por Pantera Negra (2018). Já Anthony Hopkins, um consagrado ator com mais de 60 anos de carreira, tem em Meu Pai uma das suas atuações mais complexas, talvez mais até mesmo do que a vista em O Silêncio dos Inocentes (1991), pelo qual ganhou seu primeiro Oscar. Frances McDormand, que levou a estatueta pela terceira vez, estava em Nomadland, o filme do ano. Sem falar que ambos – Hopkins e McDormand – haviam sido premiados também no Bafta (o ‘Oscar’ da Inglaterra). Ou seja, venceu quem realmente tinha mérito para tanto.

 

Especial Oscar 2021 :: Todos os indicados, os vencedores, as categorias e os filmes concorrentes!

 

Ah, importante não esquecer de Glenn Close. Com 8 indicações e nenhuma vitória, é a atriz que mais vezes foi indicada ao Oscar sem nunca ter ganho (está empatada com Peter O’Toole, mas ele, ao menos, recebeu um honorário). No entanto, em ao menos 4 vezes ela era a melhor – poderia ter ganho por O Mundo Segundo Garp (1982) – perdeu para Jessica Lange, por Tootsie (1982) – por Atração Fatal (1987) – perdeu para Cher, por Feitiço da Lua (1987) – por Ligações Perigosas (1988) – perdeu para Jodie Foster, por Acusados (1988) – ou por A Esposa (2017) – perdeu para Olivia Colman, por A Favorita (2018). Se houvesse justiça, portanto, já teria, no mínimo, umas quatro estatuetas em casa. Mas nunca uma por Era Uma Vez Um Sonho (2020), um dos piores títulos de toda a sua filmografia – e pelo qual também foi indicada, e de forma mais justa, como Pior Atriz Coadjuvante nas Framboesas de Ouro. Poderia, é claro, ter ganho como compensação por todos os tiros errados anteriores. Mas melhor seguir dançando do que carregar essa vergonha adiante.

 

Youn Yuh-Jung, Daniel Kaluuya e Frances McDormand, vencedores do Oscar 2021

 

Se houve, enfim, uma real injustiça no Oscar 2021, foram nas duas categorias que quase ninguém costuma prestar atenção: os documentários. Professor Polvo, vencedor como Melhor Doc Longa, é emocionante e muito bonito, mas está longe de ser inventivo e original como Agente Duplo, ou socialmente relevante como Crip Camp: Revolução pela Inclusão. Mas isso nem de perto é tão ruim quanto a escolha de Colette como Melhor Doc Curta, vencendo títulos muito superiores, como Do Not Split – imprescindível tanto como cinema como peça de denúncia – A Concerto is a Conversation – absolutamente envolvente e singelo em sua simplicidade – ou Uma Canção para Latasha – talvez o que melhor combine muitas das qualidades citadas antes, como construção dramática e importância social. Mas no meio de tanta fantasia, quem se importa, enfim, com algumas doses de realidade? Assim, a festa do Oscar seguiu por mais um ano, ainda que em meio a tantos tropeços – foi a pior audiência da história – e complicações inesperadas – a pandemia do Covid-19 certamente não facilitou as coisas. E como rei morto é rei posto, ao mesmo tempo em que há o alívio de que mais uma temporada chegou ao fim, surge a curiosidade por tudo que está por vir nos próximos meses. E que vença o melhor (ao menos)!

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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