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A temporada 2020, que agora, ainda que com um pouco de atraso, se encontra no seu período de premiações, ficará marcada como uma das mais singulares de todos os tempos. E isso, claro, devido em grande parte à pandemia provocada pela Covid-19. Com os cinemas fechados na maior parte do ano, muitos lançamentos foram adiados, estratégias de divulgação tiveram que ser repensadas e diversos títulos, inicialmente programados para a tela grande, acabaram encontrando espaço apenas nas plataformas de streaming e VoD. Isso resultou, portanto, na lista de indicados ao Oscar – o prêmio máximo do cinema norte-americano, entregue pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas – mais incomum dos últimos tempos.

 

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O diretor David Fincher e Gary Oldman no set de Mank

SURPRESAS

O que ninguém esperava mas acabou aparecendo entre os finalistas do 93o Academy Awards? Steven Yeun (Minari), como Melhor Ator, LaKeith Stanfield (Judas e o Messias Negro) e Paul Raci (O Som do Silêncio), ambos como Ator Coadjuvante, e Youn Yuh-jung (Minari), como Atriz Coadjuvante, são os que mais chamam atenção entre as atuações. Gary Oldman (Mank), Vanessa Kirby (Pieces of a Woman) e Andra Day (Estados Unidos vs Billie Holiday), ambas como Atriz, e Glenn Close (Era uma vez um sonho), Olivia Colman (Meu Pai) e Amanda Seyfried (Mank), todas como Atriz Coadjuvante, eram dúvidas que, no entanto, acabaram se confirmando.

Yeun é o primeiro ator asiático (nasceu em Seul, Coréia do Sul) a ser indicado a Melhor Ator. Stanfield fazia campanha para Melhor Ator, e não foi indicado a absolutamente nada, até aparecer no Oscar – como Coadjuvante (aliás, seria Judas e o Messias Negro um filme sem protagonistas? Afinal, os dois personagens principais concorrem como… Coadjuvante). Raci foi indicado ao Bafta, ao Critics Choice e ao Spirit, e ganhou o National Board of Review e o Sociedade Nacional dos Críticos dos EUA – mesmo assim, ficou de fora do Globo de Ouro e do Screen Actors Guild Awards, dois importantes precursores. Com Yuh-jung aconteceu o mesmo – indicada ao Bafta, Critics Choice e Spirit, entrou ainda no SAG e foi premiada no National Board of Review, mas falhou no Globo de Ouro.

Não se imaginava que Mank seria tão abraçado pela Academia – é o filme com o maior número de indicações (10). Só assim para explicar as presenças de Oldman e Seyfried, ambos bem em cena, mas longe de qualquer tipo de excelência. Kirby foi premiada no Festival de Veneza, e tem sido indicada a tudo, mas nunca premiada – sinal de que sua torcida tem se enfraquecido, o que poderia abrir espaço para outras concorrentes. Day só começou a ser notada ao ser premiada no Globo de Ouro (antes, seu nome nunca aparecia como uma forte possibilidade), e Colman – uma intérprete inglesa – sofreu um baque em sua campanha quando ficou de fora do Bafta – o ‘Oscar’ do cinema inglês. Não emplacou em casa, mas acabou marcando presença na premiação do outro lado do Atlântico.

 

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Glenn Close, em cena de Era Uma Vez Um Sonho

EFEITO CONTRÁRIO

Agora, surpreendente mesmo é contarmos com não uma, mas duas atrizes indicadas à Framboesa de Ouro – o ‘Oscar’ dos Piores do Ano – e também ao Oscar, ambas pelo mesmo trabalho. Glenn Close foi indicada como Melhor Atriz Coadjuvante no Oscar e como Pior Atriz Coadjuvante no Framboesa de Ouro, ambas lembranças por sua performance em Era uma vez um sonho. Já Maria Bakalova até pode ser perdoada: concorrente como Melhor Atriz Coadjuvante no Oscar, aparece na Framboesa de Ouro como Pior Dupla, pela cena constrangedora que protagoniza ao lado do ex-prefeito de Nova Iorque Rudy Giuliani (que, aliás, está indicado como Pior Ator Coadjuvante) em Borat: Fita de Cinema Seguinte. Bakalova tem tantas chances de ganhar o Oscar como Close tem de levar a Framboesa para casa.

 

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Viola Davis, o diretor George C. Wolfe e Chadwick Boseman, no set de A Voz Suprema do Blues

PROTAGONISMO NEGRO

Esse tem sido apontado por muitos como o “ano da diversidade” no Oscar. No entanto, três títulos de forte protagonismo negro – e indicados em várias premiações prévias – acabaram de fora. Destacamento Blood (vencedor do National Board of Review e indicado ao Critics Choice), Uma Noite em Miami (indicado ao Critics Choice e ao Producers Guild of America) e A Voz Suprema do Blues (premiado pelo Círculo de Críticos Negros e indicado ao PGA e ao Spirit) acabaram sendo deixados de lado, assim como seus realizadores (Spike Lee, Regina King e George C. Wolfe, respetivamente). No lugar desses, apenas Judas e o Messias Negro conseguiu ser finalista, mesmo que até então o único destaque similar que havia recebido era a indicação ao PGA (ficou de fora do Globo de Ouro, Critics Choice, Bafta, National Board e Spirit).

Temos duas mulheres concorrendo à Direção pela primeira vez na história, e também é novidade que uma delas seja asiática (Chloe Zhao, de Nomadland). Mas onde estão os cineastas negros, como os apontados acima – Lee e Wolfe – mais Shaka King (Judas e o Messias Negro), Lee Daniels (Estados Unidos vs. Billie Holiday), Eugene Ashe (O Amor de Sylvie) e Nate Parker (American Skin)? E, mais ainda, as realizadoras negras? Além de King, teríamos Channing Godfrey Peoples (Miss Juneteenth), Ekwa Msangi (Farewell Amor), Stella Meghie (A Fotografia) ou Radha Blank (The Forty-Year-Old Version), por exemplo.

Um bom recorde, no entanto, é o feito alcançado por Viola Davis – indicada a Melhor Atriz por A Voz Suprema do Blues. Com essa, ela soma sua quarta indicação ao Oscar (tem uma vitória, como coadjuvante, por Um Limite Entre Nós, 2016). Nunca antes uma atriz negra havia alcançado tantas indicações (as únicas outras atrizes negras com múltiplas indicações são Octavia Spencer, com 3, e Whoopi Goldberg, com 2). Davis é também a primeira intérprete negra a ser indicada mais de uma vez na categoria principal, como protagonista.

 

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Delroy Lindo, em cena de Destacamento Blood

DECEPÇÕES

Alguns nomes bastante comentados na última temporada acabaram de fora da seleção final. Onde está o respeito às veteranas Sophia Loren (Rosa e Momo) e Ellen Burstyn (Pieces of a Woman), aliás? Rosamund Pike (Eu Me Importo) chegou a ganhar o Globo de Ouro (Atriz em Comédia ou Musical), mas nem isso foi suficiente para colocá-la entre as cinco indicadas. Michelle Pfeiffer (French Exit), indicada ao Globo de Ouro, e Amy Adams (Era uma vez um sonho), indicada ao SAG, eram outras possibilidades entre as protagonistas. Já no campo das coadjuvantes, a situação fica ainda mais confusa. Dominique Fishback (Judas e o Messias Negro), indicada ao Bafta, Helena Zengel (Relatos do Mundo), indicada ao Globo de Ouro, ao Critics Choice e ao SAG, e Jodie Foster (The Mauritanian), premiada no Globo de Ouro, são ausências notáveis.

Entre os homens há outras faltas imperdoáveis. Onde está Delroy Lindo (Destacamento Blood), escolhido Melhor Ator do ano pela Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema dos EUA e pelas associações regionais de críticos de Boston, Detroit, Havaí, Indiana, Nova Iorque, Carolina do Norte e Filadélfia? Mads Mikkelsen (Druk: Mais Uma Rodada), indicado ao Bafta e premiado no European Film Awards, e Tahar Rahim (The Mauritanian), indicado ao Globo de Ouro e ao Bafta, também mereciam um lugar especial entre os finalistas. Entre os coadjuvantes masculinos, as ausências mais sentidas foram as de Jared Leto (Os Pequenos Vestígios), indicado ao Globo de Ouro e ao SAG, Bill Murray (On The Rocks), indicado ao Globo de Ouro e ao Critics Choice) e Chadwick Boseman (Destacamento Blood), indicado ao SAG e ao Critics Choice.

 

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Mads Mikkelsen e Thomas Vinterberg no set de Druk: Mais Uma Rodada

ESNOBADAS

Nas demais categorias, muitas indicações consideradas certas também acabaram falhando. Mank pode ser o campeão de indicações, mas não ter conseguido as de Roteiro Original e Montagem – duas qualificações necessárias para a grande maioria dos vencedores de Melhor Filme – enfraqueceram bastante sua campanha. Pela situação atual, tem todo o jeito de ser aquele longa que é indicado a tudo e premiado em nada, como volta e meia acontece. Os 7 de Chicago é outro que também ficou enfraquecido por não figurar em Melhor Direção, mesma categoria em que falharam O Som do Silêncio, Meu Pai e Judas e o Messias Negro. Estariam todos virtualmente de fora da competição? É possível, mas até o dia 25 de abril muita água vai passar ainda por baixo dessa ponte.

A indicação de Thomas Vinterberg (Druk: Mais Uma Rodada) em Melhor Direção é recém a terceira vez, desde que a Academia aumentou o número de indicados a Melhor Filme de 5 para até 10 (em 2021 são 8), que temos um concorrente em Direção cujo longa não está em Melhor Filme (antes dele, apenas Bennett Miller, por Foxcatcher, 2014, e Pawel Pawlikowski, por Guerra Fria, 2018). Na categoria principal, títulos que poderiam ter aparecido são Soul, Relatos do Mundo, Borat: Fita de Cinema Seguinte e The Mauritanian.

Nas duas categorias de Roteiro, A Voz Suprema do Blues, Relatos do Mundo e Estou Pensando em Acabar com Tudo foram os mais sentidos em Adaptado, enquanto que, além do já citado Mank, outras boas apostas entre os Originais eram Soul, Destacamento Blood e Druk: Mais Uma Rodada. Um filme que foi lançado repleto de expectativa, Tenet poderia ter ido além das duas indicações recebidas (Design de Produção e Efeitos Visuais), e marcado presença ainda em Trilha Sonora, Fotografia e Montagem. Era de se esperar que A História Pessoal de David Copperfield surgisse entre os finalistas de Figurino, enquanto que é razoável o questionamento sobre como foi possível Minari, A Voz Suprema do Blues e Uma Noite em Miami terem ficado de fora de Montagem? E como foi possível que superproduções como Aves de Rapina e Bloodshot tenham sido superadas pelo quase independente Problemas Monstruosos em Efeitos Visuais?

 

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Pedro Almodóvar a Tilda Swinton no set de The Human Voice

RADAR

Acima a diva Sophia Loren foi citada como uma das esquecidas na categoria de Melhor Atriz, mas ela também poderia ter aparecido no emocionante curta-metragem documental O Que Sophia Loren Faria? – ou seja, pelo jeito sua esnobada foi dupla! Outro nome de peso que foi ignorado neste ano foi o do espanhol Pedro Almodóvar, pré-finalista com o curta de ficção The Human Voice – estrelado por Tilda Swinton – mas que acabou sendo deixado de lado. Por fim, é importante destacar que títulos badalados, como Boys State, As Mortes de Dick Johnson e Welcome to Chechnya acabaram preteridos por outros menos comentados, como Professor Polvo e o chileno Agente Duplo entre os Documentários em Longa-metragem, assim como o guatemalteco La Llorona, o mexicano Ya No Estoy Aqui e o francês Nós Duas foram passados para trás pelo tunisiano O Homem que Vendeu Sua Pele ou por Better Days, o candidato de Hong Kong, ambos que estavam bastante distantes do radar.

Como se vê, a 93a edição do Oscar tem de tudo, menos apostas (muito) seguras. Pensando nisso, nos próximos dias o Papo de Cinema irá se debruçar em artigos especiais com as 23 categorias desse ano, analisando todos os concorrentes, apontando favoritos, azarões e esquecidos, tudo para deixar você afiado para o bolão, ok?

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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