Pegue Stanley Kubrick, um dos maiores diretores de cinema de todos os tempos, metódico, crítico, extremamente combativo, e tente inseri-lo na produção contemporânea. Pince ainda Luis Buñuel, possuidor daquela verve anárquica que aflorava do surrealismo, dos ataques frontais à burguesia patética, entre tantos outros expedientes, e imagine um lançamento seu no “multiplex mais próximo de você”. Não contente, tente ainda encaixar a profílica produção de Billy Wilder no panorama atual, projete ele tentando tirar do papel alguma comédia inteligente em larga escala, sem gente “peidando” na cara dos outros, ou qualquer escatologia deste naipe. É difícil, né?
Vejo muita gente por aí reclamando do cinema atual, da falta de grandes nomes que resgatem o nível cinematográfico que não existe mais. A ciranda do tempo traz mudanças, e não creio que mesmos os gênios de outrora “sobreviveriam” artisticamente com dignidade no panorama que se apresenta, e muito menos no que se avizinha. Vivemos em meio a crises, cultural e sociológica principalmente, não apenas de criatividade ou visão cinemática. Sei, ainda existem diretores fantásticos que conseguem verdadeiras proezas neste cenário de guerra, mas mesmo eles não escapam de gastar generosas doses de energia e tempo (com as quais poderiam produzir mais) na luta constante pelo reconhecimento / entendimento de seus trabalhos.
Aproximo-me dos apocalípticos ao apontar que o mundo contemporâneo (e isto não é um exercício de nostalgia) representa terra bem menos fértil para que os talentos sejam considerados e suas capacidades regadas pelo sumo que vem do público. Quem sabe estejamos mesmo na era da inércia, onde pensar em demasia é quase crime inafiançável. O público de antes, um pouco mais acostumado à grande literatura, às músicas de qualidade e às imperdíveis sessões de cinema, hoje se contenta em demasia com narrativas vampiresco-açucaradas, eguinhas-pocotós e em comer pipoca (“que filme era mesmo?”). Cada época tem sua “cara”, e o grosso da produção cultural é apenas um reflexo político, estético ou mesmo ético desta face. É certo que o aparecimento de “gênios” era menos bissexto anteriormente, mas, a meu ver, o grande problema é a atual configuração das coisas, que mata no berço, ou no primário, nossos futuros homens e mulheres extra-ordinários.
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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