Não raro são apontados os inúmeros artifícios literários que o escritor Philip Roth dispôs para retratar a sociedade americana, tais como o humor ácido e o tom parodístico. Elementos facilmente encontráveis nos filmes do cineasta Noah Baumbach. Quando O Complexo de Portnoy foi lançado, no final da década de 60, sua recepção foi tão contrastante que enquanto assombrava os lares de americanos conservadores, na Austrália sua comercialização simplesmente foi proibida. Atitudes como essas só contribuem para ratificar um fenômeno que cedo ou tarde retorna como agressão ao âmago da sociedade: a auto-reflexão. Hoje, mais de trinta anos depois, o livro de Roth figura na lista dos 100 melhores romances em língua inglesa da Time Magazine, mas tal qual uma criança que nunca cresce, a fragilidade com que o sistema social encara o seu reflexo está distante de ser revista no mesmo patamar.
Uma característica relevante do escritor vem imbuída nesse discurso e que acaba relegada ou esquecida, tendo acreditar, por simular equivocadamente não ser digna de lembrança frente ao potente teor sexual e cômico da narrativa. Trata-se da relação de culpa estabelecida entre as gerações. Em outras palavras, seria a transmissão problemática das heranças oriundas da liberalização sexual e dos movimentos de ideologia política e pacifista. Seriam esses esforços em busca da construção de uma nova identidade cultural que se vinculasse aos modelos e crenças vigentes. Porém, trariam consigo, em algum momento, seus ecos intempestivos. O pior talvez não seja o despreparo perante a chegada de respostas, porque há de se respeitar as leis de causa e conseqüência, mas sim o longo tempo – e a total indiferença enquanto isso – levado para reconhecê-las.
Quem assiste à Margot e o Casamento (Margot at the Wedding, 2007) e A Lula e a Baleia (The Squid and the Whale, 2005), ambos filmes dirigidos pelo americano Noah Baumbach, pode compreender com maior clareza o que me proponho a destacar. Não bastasse a coincidência de Baumbach haver nascido no mesmo ano da publicação do romance de Roth, é possível sentirmos latentemente nas obras em questão a proposta de desenvolver o legado revolucionário dos anos 60. Assunto visível na constituição dos personagens dos filmes e, provavelmente, também na vida do diretor.
A Lula e a Baleia (acima) é o quinto dos seis filme de Noah Baumbach e certamente o melhor recebido por crítica e público. Quando levantamos hipóteses do porquê, entre outros fatores relevantes – como densidade narrativa e aprimoramento da forma – uma delas aponta para a destreza e o domínio para aprofundar o assunto do qual fala. Ou seja, a proximidade do diretor para com os temas da negligência afetiva e da incompetência paterna e materna fazem com que o assunto ganhe em naturalidade, característica essencial em qualquer abordagem artística. Em Margot e o Casamento, o foco narrativo do presente somente pode ser explicado pela chegada do passado das irmãos Margot e Pauline. A união do exposto com o revelado gera no espectador mais do que a compreensão da vida das irmãs, mas reflete-se profundamente na compreensão das atitudes, questionamentos e ações de seus filhos.
Se no filme de 2007 o casamento é apenas um pretexto para que sejam levantadas e discutidas questões que redesenham a juventude dos adultos inconstantes, em A Lula e a Baleia a iniciativa é muito mais clara, e tão densa que mesmo prescindindo distanciamento entende-se a sugestão do reflexo que os pais (Bernard e Joan) proporcionam a Walt e Frank, seus filhos. Impossível deixar de imaginar que o diretor fala estritamente daquilo que conhece ou vivenciou.
Alex Portnoy, aos trinta anos, sublinhava um discurso não centrado na culpa, mas no(s) culpado(s). Da mesma forma podemos rastrear comportamento semelhante nas duas obras de Baumbach. Em Margot e o Casamento (acima), nas cenas iniciais, primeiro observamos Claude trancar-se no isolamento do banheiro para gritar. A cena instala-se num ponto chave da narrativa, pois até aí desconhecemos completamente os personagens e a atitude nada comum do garoto produz o interesse pela excentricidade. Ao passo que a história vai se revelando, também se revelam o caráter dos adultos e a forma como os mesmos foram constituídos. Em uma ordem bastante perspicaz, o diretor primeiro revela ao público de onde se origina a instabilidade emocional do garoto e, posteriormente, vai adicionando sinais de uma primitiva auto-reflexão de Claude. Em A Lula e a Baleia, devido a arquitetura psicológica dos indivíduos, esses sinais são ainda mais evidentes. Basta lembrarmos de como Walt, que se espelhava no pai supostamente talentoso, acaba vencendo o concurso de música do colégio ao plagiar uma composição do grupo Pink Floyd.
Pais e mães, representados aqui por Bernard e Joan e Margot e Pauline, deparam-se com o resultado direto de uma geração que construiu e subverteu seus próprios limites. Representam o marco maior do rompimento de uma sociedade que se saturou. Como toda experiência, pode-se apensar prever os resultados, contudo jamais assegurá-los.
Philip Roth e Noah Baumbach trabalharam metaforicamente juntos em um projeto que rastreia e assinala resultados convergentes. Mais do que isso, Noah penetra com uma sensibilidade apuradíssima no meandro dessas vidas que andam lado a lado entre o abismo de um passado de culpas, desatenção e instabilidade e um futuro melancolicamente promissor, incentivado pela harmonia das novas possibilidades.