Muitos falaram sobre a previsibilidade da premiação neste ano, mas na verdade não foi bem assim. Primeiro porque ao longo dos últimos meses (ao menos quatro, senão mais) a disputava estava acirrada entre Boyhood: Da Infância à Juventude e Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância). O segundo acabou levando a melhor e até o prefiro por empatia e acerca de todas as suas qualidades, mas não dá para desmerecer o longa de Richard Linklater em nenhum momento. Ainda mais que saiu apenas com um (merecido) prêmio de atriz coadjuvante para a engajada Patricia Arquette. Por sinal, o público em geral se dividiu também, e não apenas entre estes competidores, que muitos taxaram de chatos, lentos, irritantes. Ao menos, eles mexem com a percepção das coisas, o que já é um enorme ganho.
Ambos são filmes que dialogam com a própria história do cinema. E até sobre Boyhood, ele consegue ir um pouco além. O trabalho de doze semanas que envolveu suas filmagens, uma a cada ano, remete a um retrato da situação política e social dos EUA em mais de uma década. Já Birdman, apesar de olhar para dentro de Hollywood e cutucar a fama, pode parecer mais pontual e restrito a um nicho, o que na mente dos votantes da Academia é sempre o que pesa: o factual perante a aparente “imortalidade” de algumas obras.
Não considero injusto e nem poderia, ainda mais que meu favorito absoluto não era nenhum dos dois longas, e sim O Grande Hotel Budapeste. Mas isto é apenas gosto pessoal e não levei todo o contexto em conta. Ainda assim, seria interessante supor como seria caso Boyhood tivesse levado os três principais prêmios que Birdman ganhou (Filme, Direção e Roteiro Original). Teria sido injusto? Talvez. O fato é que são duas obras poderosas, mesmo com sua independência dos grandes estúdios, que só os lançaram. O fato por si só já chama mais atenção. São dois longas realizados por cineastas que realmente amam o que fazem. independente do lucro gerado. Se havia segundas intenções envolvidas, como levar prêmios mesmo e causar comoção, isto é outra história.
Não houve neste ano aquela injustiça do tipo Shakespeare Apaixonado (1998) ganhar o troféu principal da noite ou Crash: No Limite (2005) ter se sobreposto a O Segredo de Brokeback Mountain (2005) por puro preconceito da Academia. Ou, o caso ainda mais clássico: Cidadão Kane (1941), longa que fica na memória até hoje, não ter levado o prêmio de Melhor Filme, sendo hoje considerado um dos clássicos absolutos da história do cinema não só pela força da história, mas também pela linguagem inovadora da época e que inspirou milhares de produções posteriores. O Oscar não é a maior premiação do cinema (apenas) no quesito qualidade, e sim indústria. E se volta meia Cannes e Berlim (que lidam muito mais neste quesito) também fazem das suas, como julgar a Academia que, num momento de lucidez, resolveu voltar seus olhos para produções realmente relevantes? Afinal, há quatro anos O Discurso do Rei (2010) levou o grande prêmio da noite. Mas alguém lembra dele?
O prêmio da Academia pode ser criticado por muitos, mas tem sua importância por influenciar o público no que ele deve assistir. Afinal, salas lotam nesta época do ano por conta de filmes que, normalmente, não atrairiam grande público. Por si só, já é um grande ganho Boyhood, Birdman e os outros indicados “menores” terem tido sua parcela de ingressos vendidos. Aliás, só os discursos sobre igualdade entre mulheres, racismo e bullying foram grandes prêmios numa noite de apresentação morna como a deste ano.
O tempo vai dizer quais destes filmes realmente vão entrar para a história do cinema, mas fato é que o Oscar poderia seguir esta linha sempre. Ou alguém dúvida que, após este “raro deslumbre”, no ano que vem o papa prêmios vai ser um longa totalmente fora deste eixo? Se contarmos com o histórico da premiação, certamente só daqui algum tempo teremos novamente uma nova leva tão interessante quanto a de 2015. Por ora, resta comemorar que os membros da Academia conseguiram pesar bem o que estava em jogo no ano.
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