Set Visit :: A Sogra Perfeita

Publicado por
Bruno Carmelo

Um sobrado comum no norte de São Paulo é o cenário principal de A Sogra Perfeita (2020), nova comédia dirigida por Cris d’Amato (Os Parças 2, 2019) e estrelada por Cacau Protásio (Os Farofeiros, 2018, Vai que Cola: O Filme, 2015). Um rápido passeio pelo imóvel revelava a mistura de cenário e bastidores. Dentro de um dos quartos da casa, maquiadores preparam a atriz, enquanto a diretora conversava com os operadores de câmera e a equipe de fotografia fazia os últimos ajustes na luz e no enquadramento.

O Papo de Cinema visitou um dos últimos dias da gravação da comédia sobre Neide (Protásio), uma mãe zelosa, porém incomodada com a presença constante do filho adulto (Luís Navarro) dentro de casa. Esta proprietária de um salão de cabeleireiro não entende o trabalho de Fábio Júnior como game tester e decide que, para ter mais independência em seus romances dentro de casa, precisa encontrar uma esposa para o filho. Entra em cena a ingênua Ciléia (Polliana Aleixo), funcionária do salão Neide’s.

Na cena que pudemos acompanhar, Neide inventa a existência de uma barata dentro do quarto do filho para fazer com que a futura nora bagunce o lugar, mexendo nos preciosos gibis e bonecos do jovem geek, de modo a prejudicar o relacionamento – apesar de incentivar o namoro, logo esta mãe ciumenta suspeita que Ciléia não seja tão boa assim para o filho. Esta armada a farsa dentro da farsa: Neide finge estar morrendo de medo do inseto, a jovem finge ajudar, e obviamente, os planos não saem como esperado.

Cacau Protásio e Luís Navarro. Foto: Fábio Braga

A Sogra Perfeita se construía em torno um set de filmagem descontraído e amigável, ao contrário da habitual tensão entre dezenas de pessoas gerenciando dezenas de questão que vão desde os horários até a preparação de equipamentos, passando pelas refeições da equipe. Cris d’Amato, certamente uma das cineastas mais simpáticas com a imprensa, e mais comunicativas com toda a equipe, circulava entre diversos setores (som, luz, maquiagem, elenco) conversando, escutando sugestões e fazendo novos apontamentos.

Havia espaço para uma piada aqui ou acolá, para elogios da equipe que ria bastante com a atuação de Cacau Protásio (“Ela é uma gênia”, afirmava a assistente de direção), além de improvisos tanto dos atores quanto da direção, que decidia refazer uma ou outra cena com a câmera na mão, buscando mais dinamismo. Aproveitamos para conversar com a diretora, a atriz principal e Luís Navarro sobre esta experiência:

Neide, a batalhadora

“Alguns jovens têm filho com 15, 16 anos, e não entendem que vai ser para o resto da vida”, brinca Cris d’Amato. “Eles não entendem que a situação só piora quando eles crescem! Primeiro vem a educação, depois, a preocupação. Neide teve um filho aos 15 anos, é uma mãe dedicada do Paulo Ricardo e do Fábio Júnior. Ela é divorciada, mas mantém boa relação com o ex-marido. Neide está prestes a fazer 45 anos de idade e tem um filho game tester, algo que ela não entende. Muitas mães não entendem que a Internet seja tão presente, que o filho não saia de casa nem para pegar um sol! Ela até pergunta: ‘Você não vai nem para um baile charme, nem para um pagode?’.”

Cacau Protásio acredita que a personagem tem sua parcela de culpa nessa situação: “Os filhos estão formados, e o outro é um advogado, já está encaminhado. Só falta o Fábio Júnior. Ela pensa que Fábio Júnior não sai porque é preguiçoso, mas é ela quem mima o filho e faz a coisa errada. Na verdade, nem sei se é errado, porque eu não sou mãe e não tenho tanta propriedade para falar sobre isso. Mas no meu olhar de filha, acho que ela fez errado: deu privilégios demais e ele estacionou ali, debaixo da saia dela”.

Mas por que a mãe quer tanto que o filho sai de casa? Para a atriz, esta é uma questão de autonomia: “Neide quer sair, passear, namorar. Ela tem muito fogo, e nisso se inclui o Oliveira (Marcelo Laham), um caso mal resolvido. Ela quer ter o trabalho dela, o dinheiro dela, fazendo o que ela quiser, incluindo os namoradinhos. Mas nenhum homem vai entrar naquela casa se o Fábio Júnior sair: eles podem vir, namorar, mas quando der a hora, elas vão embora. Neide não quer acordar com ninguém. Ela paga as contas dela e faz da vida o que quiser. Nós tivemos que passar por longo período machista, mas eu acredito que nós temos o direito de tudo, desde que não se prejudique ninguém”.

Dentro do salão Neide’s. Fábio Braga

Quem é Fábio Júnior? (Não esse, o outro)

Quanto ao filho de Neide, batizado em função de sua paixão pelos galãs da música brasileira, Fábio Júnior representa uma nova geração de jovens que não pretendem sair de casa tão cedo. Luís Navarro explica: “É uma família negra empoderada. O cara ganha dinheiro trabalhando em casa, sendo um game tester, algo que eu mesmo não sabia o que significava. Ele testa jogos, enquanto a mãe acredita que ele fica vagabundeando no quarto o dia todo. Mas ele ganha dinheiro com isso, e existem pessoas que têm bom retorno financeiro trabalhando com jogos. Ele adora ver comédias românticas e ficar perto da mãe. Ao mesmo tempo, é cheio de manias: ele dá mais valor à mãe, aos bonecos e ao computador do que a sair de casa e procurar uma esposa. Ele não tem essa pretensão”.

Apesar do evidente amor da mãe, existe um evidente conflito de gerações, segundo Cacau Protásio: “As mães de hoje ainda estão um pouco mais antenadas, mas por exemplo, com a minha mãe, se eu ficasse em casa o dia inteiro na frente do computador, ela me chamaria de vagabunda. Eu teria que sentar e explicar. A Neide entende mais ou menos. Ela já sentou para dar uma olhada, mas não compreende tanto”.

O “pretagonismo”

A diretora e o elenco sublinham o orgulho de preparar uma comédia sobre uma família negra longe dos clichês habituais. “Estava na hora de fazer um filme com uma mulher negra, protagonista, que não tem os padrões de corpo ideal, mas é muito gostosa, e também quebrar os códigos da comédia romântica, ou os clichês da vida em comunidades… Este é um filme plural, onde a protagonista é uma mulher linda e negra”, explica Cris d’Amato.

“Este é um projeto escrito, dirigido e protagonizado por mulheres”, sublinha Navarro. “Estou envolvido neste ‘pretagonismo’, da família negra empoderada. Vale ressaltar a questão do salão da Neide: ela veio do Rio de Janeiro numa situação financeira complicada, mas lutou e concretizou o sonho dela. Histórias como essa valem ser contadas. É uma comédia, e por trás de tudo, existe um contexto muito belo a ser transmitido. Eu mesmo interpreto um nerd negro, porque nerds negros existem!”.

Família reunida. Foto: Fábio Braga

Geração coruja

Por este motivo, os atores conseguiram se sentir mais próximos de seus personagens: “Mesmo sem ser mãe, consigo me identificar com a Neide”, explica Cacau Protásio, “ainda que a minha mãe seja o contrário: ela não queria que eu e minha irmã saíssemos de casa, e tinha ciúme dos nossos maridos. Mas convivo muito com sogras, tias e irmã, então vejo um pouquinho desse comportamento em todas elas”. Navarro concorda:

“Até hoje, quando visito a minha mãe, ela quer fazer um leitinho para mim! A comida de mãe nunca é a mesma que a nossa. Sou mais aventureiro por ser artista, mas o Fábio Júnior não quer sair. Com essa onda de violência, a ideia é ficar dentro de casa mesmo. Os anos 1990 estão voltando, inclusive na moda. A tendência é ficar dentro de casa, com a família. Eu fui criado num condomínio, na Zona Leste, então era perigoso brincar na rua. Meus pais já me trancavam dentro de casa, e eu jogava muito videogame, desde o Sega Saturno, o Mega Drive…”.

A diretora brinca ao dizer que passa por uma situação semelhante dentro de casa: “Eu tenho um filho de 26 anos e falo para ele: ‘Você não quer casar não?’. Ele me responde: ‘Mas mãe, aqui é tão bom!’. Eu vou precisar fazer igual à personagem da Cacau Protásio! Não é possível. Quando eu tinha 26 anos, tudo o que eu queria era a minha independência. Nesta geração, os pais estão quase expulsando os filhos de 40 anos de casa, porque morar com os pais representa estabilidade, qualidade de vida. Por outro lado, você não amadurece, porque não faz compras, não limpa a sua casa. Está muito difícil. A Neide tem toda a razão!”.

Trabalho em grupo

Um dos elementos mais interessantes da visita ao set foi perceber a liberdade que a diretora dá a seus atores, para brincarem com o texto de maneira diferente a cada nova tomada. Os atores concordam que este é um dos prazeres de trabalhar com Cris d’Amato: “Fazer comédia é isso: ser livre”, explica Cacau Protásio. “Esse é o meu segundo filme com a Cris, e ela sempre deixa a gente muito livre para fazer como quiser. É óbvio que ela tem um olhar de diretora, e quando ela não concorda, ela chama a gente para conversar. Ela dá sugestões, diz onde a gente poderia mudar. Mas existe bastante liberdade”.

Navarro completa: “No começo, por não ter tanta familiaridade com comédia, eu decidi seguir o texto à risca, mas depois vi que ninguém mais fazia assim, e me soltei. O roteiro é um guia, vale mais trazer a sua verdade naquele momento de improvisação. Assim fica muito mais engraçado. A Cris é uma mãe no set: se precisar dar bronca, ela dá, mas quando faz bem, ela reconhece e elogia”. A diretora devolve os elogios à sua atriz principal: “A Cacau é uma atriz muito histriônica, com apelo popular que vejo em poucas mulheres – a Samantha Schmutz é outro caso. Ela se encaixa perfeitamente no papel”.

Cacau Protásio como Neide. Foto: Fábio Braga

Uma pessoa acelerada

Tendo dirigido quatro filmes e uma série de televisão nos últimos dois anos, Cris d’Amato se tornou uma das cineastas mais requisitadas para comédias populares. Ela explica seu modo de trabalho:

“Descobri que eu gosto de um ritmo intenso. Gosto de cortes rápidos, imagens rápidas. Mas comecei a repensar isso. Será que eu sou muito apressada internamente, e acabo colocando isso um pouco nos filmes? Talvez essa seja uma marca minha. Acabei de fazer um filme de Natal com o Lobianco, onde os cortes são um pouco mais lentos, a gente assiste um pouco mais às cenas. Mas este tipo de comédia de A Sogra Perfeita é ritmado. Existe um pagode na minha orelha, como um surdo ditando o ritmo. Isso vem menos na hora de fazer do que quando eu edito. É verdade que eu chego ao set preparada, tudo está minuciosamente decupado. Não sei se a comédia, na minha cabeça, exige esse ritmo. Existe uma diferença entre oferecer ao espectador uma imagem para assistir, com tempo, e uma sequência de coisas para ver. Fico vendo filmes e séries, mas ironicamente, quase não vejo comédia. A exceção é Modern Family, que eu amo. Para mim, esta é a melhor série de comédia que existe, um verdadeiro exemplo de roteiro. Em 22 minutos, você desenvolve uma ação que passa por três famílias. Eu choro de rir com essa série. Acredito que meus filmes tenham o mesmo ritmo”.

A Sogra Perfeita estreia nos cinemas em 2020.

 

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.

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