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Leia Antes :: Set Visit :: Águas Selvagens – Parte 1

O segundo dia da nossa visita ao set de Águas Selvagens começou com o acompanhamento da montagem de um cenário especial, o bordel da Tríplice Fronteira onde a atriz Leona Cavalli faria sua primeira cena. Enquanto parte da numerosa equipe montava o maquinário para o travelling que percorreria dois pontos do espaço, delineando figuras e episódios importantes à trama, o cineasta argentino Roly Santos demonstrava preocupação com detalhes. Chamou nossa atenção, justamente, esse olhar abrangente, bem como a sua disposição para cuidar de todo elemento que pudesse tornar aquela ilusão mais real. Por exemplo, ele ficou um bom tempo conversando com a figurante escalada para realizar uma dança sensual no pole dance. Roly sugeriu algo acrobático, com a atriz pendurada de cabeça para baixo enquanto a câmera se deslocasse da entrada do bordel às proximidades do balcão em que a personagem de Leona seria importunada por um cliente inconveniente. Todavia, por conta da estrutura do pole dance cenográfico, não foi possível concretizar o movimento ousado, sendo a cena rodada de outra maneira, ou seja, se adaptando às circunstâncias. A equipe trabalhava em ritmo descontraído.

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Foto – Pedro Rodriguez

Assim que os preparativos foram encerrados, o produtor Rubens Gennaro solicitou que nos retirássemos para deixar todos à vontade. Visto constantemente no set, resolvendo questões e acompanhando tudo de perto, Gennaro é um profissional experiente que, entre outras coisas, tem no currículo a produção de Oriundi (2000), último filme da lenda Anthony Quinn. Aproveitamos para questiona-lo sobre como chegara ao projeto do Águas Selvagens. “Tenho uma relação de amizade com umas pessoas de Buenos Aires há alguns anos. Isso começou quando o Anthony Quinn esteve aqui, em Curitiba, para lançar o Oriundi. Veio uma delegação argentina para acertarmos uma coprodução. Um dos roteiristas era o Óscar Tabernise. Inclusive o Quinn disse que faria o filme somente se eu fosse o produtor. Foi uma alegria enorme, claro. Começamos a viabilizar comercialmente, mas infelizmente Quinn faleceu e o projeto não pôde ser concretizado, portanto, por razões óbvias. Mas a amizade com eles ficou. E há três anos firmamos acordo para desenvolver filmes entre Argentina e Brasil. Foi me encaminhado esse que inicialmente se chamaria Água dos Porcos, mas acabamos mudando”.

“Em termos de pessoal, temos aqui, diariamente, umas 80 pessoas no set. No que diz respeito aos empregos gerados, acredito que cheguemos a 150. Esperamos que o filme esteja montado, o mais tardar, em 2019, e vamos fazer circuito de festivais. Mas já existe um ótimo contrato de distribuição no Brasil com a Imagem Filmes. Na Argentina o filme chegará em 200 salas. No Brasil, deve chegar a 300 salas”, completou Gennaro.

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Foto – Pedro Rodriguez

COPRODUÇÃO BRASIL/ARGENTINA
Diferentemente dos países latino-americanos de língua hispânica, que frequentemente trabalham conjuntamente na seara cinematográfica, o Brasil possui relativamente poucos acordos semelhantes. Culpa da língua diferente? Da nossa burocracia geralmente impeditiva? Conversamos com boa parte da equipe sobre as delícias dessa dinâmica tão importante.

“Morei em Porto Alegre, o que é uma dádiva para quem deseja fazer coprodução com Uruguai e Argentina, pela proximidade. Fazer essa coprodução com o Piauí, por exemplo, seria muito difícil. Trabalhei em grupos italianos de teatro, fazendo espetáculos físicos e, muitas vezes, falando uma língua inventada. Não falo sueco, então se for fazer um espetáculo em Estocolmo a comunicação vai ter de acontecer de outra maneira. Fronteira é algo muito relativo. O Rio Grande do Sul já fez parte do Uruguai. Nasci em Montevidéu e me mudei para Porto Alegre. Foi um choque cultural. Depois, fui morar no Rio de Janeiro. Um choque cultural maior ainda. Para mim sempre foi fácil isso da coprodução, pois sempre trabalhei com grupos multiculturais.”, disse Roberto Birindelli. Já Mayana Neiva exaltou, com orgulho, seu sentimento de pertencimento: “Sou entusiasta da América Latina. O Brasil tem uma cultura autofágica, enorme. O país se relaciona muito mais com os Estados Unidos que com o restante da América Latina. Lembro exatamente do momento em que me ‘descobri’ latino-americana, quando fiz o filme Infância Clandestina (2011). Chorava, pois entendi que passamos pela mesma ditadura, temos uma origem histórica muito parecida. Talvez no Sul essa relação seja mais forte, mas, como nordestina, sinto isso como uma alteridade. A coprodução traz uma complementariedade humana. Isso é uma festa. Fora que Argentina e Uruguai têm uma consciência histórica muito maior que a do Brasil. Acho importante tomarmos contato com isso. Assim como esses países celebram a nossa diversidade. É o Brasil que ‘traz’ o negro para cá. Essa troca sempre me emociona”.

“Acho maravilhoso. Essa união da América Latina é algo absolutamente necessário, que apenas nos fortalece. Acredito muito nisso da união cultural, social e econômica. Temos uma cultura próxima e pouca consciência quanto a isso. Poder ter pessoas de vários países no filme é totalmente enriquecedor.”, afirmou Leona Cavalli, que tinha acabado de chegar ao set de Águas Selvagens, mas que falou com base na ampla experiência pregressa. “Esse tipo de trabalho só oferece ganhos. Pode ser que o idioma dificulte o estabelecimento de outras coproduções dos países de língua hispânica com o Brasil. O próprio filme atravessa essa questão. A troca que se estabelece é bem grande nesse tipo de trabalho”, completou Juan Manuel Tellategui referindo-se, ainda, à coprodução. O caminho foi celebrado por seu compatriota Daniel Valenzuela: “É uma excelente experiência. Principalmente quando as equipes filmam longe, quando têm de deslocar-se e permanecer um tempo juntas, como neste caso, quase sempre se configura uma família. Há muito trabalho, mas também muito tempo livre. Esperar faz parte do nosso ofício”.

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Foto – Pedro Rodriguez

“Acho maravilhoso isso de coprodução. A Argentina é mestre em roteiros. Essa convivência com atores argentinos, uruguaios, brasileiros é bastante estimulante. Comecei minha vida no cinema fazendo O Beijo da Mulher Aranha (1985), aí tinha aqueles dois atores maravilhosos, o William Hurt e o Raúl Juliá, com o filme sendo falado em inglês. Foi bom demais. Agora tenho novamente a oportunidade de fazer um longa-metragem em outra língua.”, disse Luiz Guilherme relembrando suas experiências anteriores bem-sucedidas. Gennaro arrematou: “É importante que a haja cada vez maios coproduções, primeiro, porque esses países do Mercosul fazem parte de uma mesma região geográfica no globo. Estamos inexoravelmente irmanados. Temos de privilegiar a cultura latino-americana. Possuímos essa abertura para o mercado através dessa janela com Buenos Aires. Respeito muito Rio de Janeiro, Brasília, São Paulo, onde tenho grandes amigos e projetos mil acontecendo, mas o Sul, que se trata também de Brasil, é um lugar importante à coprodução pela proximidade cultural com nossos vizinhos”.

 

O DIRETOR ROLY SANTOS
À frente da empreitada Águas Selvagens, o cineasta argentino Roly Santos é bastante celebrado pelo elenco. “Quero fazer muitos filmes com esse cara e essa produtora. O Roly tem uma câmera muito elegante. O noir poderia ser uma sangueira, sexo, drogas e rock n’ roll, mas aqui é tudo sugerido delicado. Ele ensaia pouco, conversa muito e tem a paciência de construir a cena. Já participei de filmes em que esse trabalho é todo feito pelo preparador de elenco e o diretor não tem tempo, pois está dirigindo câmera. Não aqui. O Roly dirige ator. Isso é uma dádiva.”, afirmou Roberto Birindelli. Já a novata Allana Lopes se desmanchou em elogios para a sensibilidade do argentino: “Gosto muito do Roly, porque ele nos dá uma liberdade em cena, não precisamos ficar presos ao texto. Como minha personagem fala português, procuramos algumas palavras que se adequassem a ambas as línguas, por exemplo. Esse é meu primeiro filme, e sinto carinho e cuidado. Ele realmente dá a direção”.

“Nunca havia trabalhado com o Roly. Ele discute muito a cena com os atores, marca bastante as cenas. Cada intérprete parte de um lugar. Me sinto muito cômodo com o que estou fazendo, me sinto seguro por onde estou caminhando. Tento colaborar com ele, para que essa função seja mais fluida, criando um clima de confiança.”, testemunhou Daniel Valenzuela.“Hoje em dia, mesmo no cinema, é muito comum você ter diretor de cena, mas não de ator. O de cena faz a marcação e deixa você fazer o que quiser dentro daquilo. Gosto quando o diretor me questiona, gosto de questiona-lo. Essa troca há com o Roly. Sugeri várias coisas, algumas aceitas e outras não, mas com ele sempre me orientando de acordo com o todo.”, completou Luiz Guilherme.

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O cineasta Roly Santos – Foto – Pedro Rodriguez

E o próprio Roly, o que estaria achando da experiência até então inédita no Brasil? “Entendi como lidar com os atores com o passar dos anos. Com relação à equipe técnica, sempre foi fácil para mim, pois fui técnico por bastante tempo. Gosto da câmera, da montagem. Com os anos, comecei a ver toda a beleza da interpretação. Aprendi muito. Penso verdadeiramente que os atores são pessoas bem mais centradas que os demais, pois têm a capacidade de interpretar outrem. Nós possuímos uma máscara. Eles jogam com diversas máscaras diariamente e são, seguramente, mais autênticos que nós (não atores). Gosto de trabalhar com eles, cada vez mais. Antes, necessitava de um roteiro ‘de ferro’. Agora, entendo que as interpretações dão vida ao todo. Esta equipe é jovem, mas foi acaso, pois gosto, também, de trabalhar com gente velha (risos). O mais importante aqui é que eles se levantam contentes todas as manhãs, com um sorriso no rosto. Isso não se contra na Argentina. A felicidade com que eles trabalham é bem coisa de brasileiro. Nunca tive antes uma equipe que às 8h estava rindo e feliz e que assim continua às 18h”.

Depois de mais de 24 horas próximos aos atores e técnicos envolvidos com a produção de Águas Selvagens, chegou a hora de nos despedir de todos e partir de volta à base. Restavam alguns dias de filmagens no Paraná e já estavam programadas tomadas adicionais na Tríplice Fronteira. Neste momento, em que o artigo vai ao ar, os trabalhos já foram encerrados. A estreia está prevista para 2020.

(O jornalista visitou ao Paraná a convite da Laz Audiovisual e da Lide Multimídia, a quem aproveitamos para agradecer)  

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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