Sérgio Mallandro é uma das personalidades mais excêntricas do entretenimento brasileiro. Dono de bordões inesquecíveis, é apresentador, foi príncipe da Xuxa num grande sucesso de bilheteria do nosso cinema, e, de certa forma, tem sido uma figurinha carimbada por décadas. Há quem se questione: onde começa o sujeito e termina o personagem? Será que Sérgio é mesmo esse puro suco do caos notabilizado por pegadinhas, zoeira, ié iés e glu glus? Bom, fato é que ele está prestes a ganhar um novo filme para chamar de seu, cuja trama é baseada em episódios hilários e inusitados de sua própria vida, claro, com uma boa pitada de ficção para dar aquela valorizada. Mallandro: O Errado que Deu Certo é esse longa-metragem baseado no stand up que levou milhares de pessoas aos teatros Brasil afora. É descrito pela equipe como um filme satírico que mostra o protagonista, o próprio Sérgio Mallandro, num momento crítico de sua vida, quando a grana fica curta e ele precisa se transformar em motorista de aplicativo – mas nem isso dá certo, pois sempre acaba sendo reconhecido pelos passageiros que têm medo de estarem numa pegadinha. Ao receber a oportunidade de voltar à TV, numa emissora pequena, ele perde seus “poderes” e não consegue dizer os seus famosos bordões. E agora, quem poderá defendê-lo?
O Papo de Cinema foi convidado pela produção de Mallandro: O Errado que Deu Certo para fazer uma visita ao set num dia especial, no qual seria filmada a participação de ninguém menos do que Arthur Antunes Coimbra, mais conhecido como Zico, um dos maiores futebolistas de todos os tempos. E lá formos ciceroneados pela experiente produtora Glaucia Camargos, ela que assina filmes como Jorge: Um Brasileiro (1989), Vagas para Moças de Fino Trato (1993), Policarpo Quaresma: Herói do Brasil (1997) e, mais recentemente, Uma Pitada de Sorte (2022) – a quem precisamos agradecer pela carinhosa acolhida enquanto estivemos acompanhando os trabalhos. A cena que testemunhamos sendo feita era pura diversão: Sérgio Mallandro recebendo em seu novo programa de TV o craque Zico e com ele fazendo uma disputa de pênaltis, mas na pele de seu personagem-goleiro, o inesquecível Mallandrovisky. Não podemos entregar o que acontece, mas digamos que as coisas não acabam muito bem para o ex-camisa 10 do Flamengo e da seleção brasileira, o que causa um constrangimento e aumenta a pressão sobre o apresentador. Um pouco antes do “ação”, conversamos com Zico para saber sobre mais essa experiência nos cinemas – lembrando que ele já foi até protagonista de longa, em Uma Aventura de Zico (1999).
“É um convite gostoso, de uma pessoa de quem gosto muito. De fã me tornei amigo do Serginho, temos algumas histórias juntos. É um cara divertido, sempre bem-humorado. Vivemos um episódio juntos num avião, em meio a uma turbulência, algo que ele até conta no show, mas claro, dando aquela valorizada (risos). Na hora que o bicho estava pegando, ele fez até promessa que acabou não cumprindo (risos). Estávamos numa ponte aérea e durante uns cinco ou dez minutos o avião balançava que não foi mole, muita trovoada e chuva”. Perguntado como se sentia nesse ambiente de cinema, em que as cenas são repetidas muitas vezes e no qual a espera é uma companheira constante de trabalho, o craque disse: “Você sabe que o pior no cinema é interpretar você mesmo. Quando você interpreta outra pessoa dá para fazer escrachado, mas ao viver você mesmo a coisa é diferente (risos)”. Foram precisas algumas tomadas até que o diretor Marco Antônio de Carvalho (com quem, infelizmente, não conseguimos conversar nessa ocasião) se desse por satisfeito, o que denota uma preocupação com as minúcias, como o tempo das respostas da plateia repleta de figurantes e até com o comportamento dos efeitos especiais (sim, nesse momento foram utilizados alguns deles). Acompanhamos esse processo desgastante, mas absolutamente fascinante, de transformar ideias em cenas, de construir através do audiovisual algo que descamba rapidamente do amistoso ao incômodo. Zico e Mallandro estavam afinados, voltando aos pênaltis para ajustar as coisas, imbuídos dessa vontade de fazer dar muito certo.
CONVERSANDO COM MALLANDRO
É muito comum que nas visitas a sets de filmagens haja pouquíssimo tempo para conversar com a equipe, especialmente com o elenco que está sempre entre maquiagem, descanso, ensaio e à disposição da técnica. Também é frequente que nesses dias de visita almocemos com os artistas para adiantar o papo. E não foi diferente no set de Mallandro: O Errado que Deu Certo, Almoçamos ao lado de Sergio Mallandro para aumentar o tempo da conversa (que saberíamos ser enxuto depois, pois todos dependiam da disponibilidade dele). E, entre uma garfada e outra, trocamos uma ideia sobre a gênese desse projeto que tem contornos metalinguísticos. “Esse filme é baseado nas histórias que conto no meu show. Conversei com a Glaucia Camargos e com o Pedro Antônio, diretor e filho dela, que é muito meu amigo, pensando em como seria transformar isso em filme. Começamos a escrever juntos, aí depois vieram outros roteiristas. Era para ter filmado antes, mas aí veio a pandemia e complicou tudo. Posso dizer que estou amarradão, pois tem cada história aí, bicho (risos). Muitas coisas aconteceram comigo e tem a parte da ficção. Mas, a maioria dos causos aconteceram realmente comigo, inclusive nos momentos mais difíceis da minha vida”. E, para quem tem curiosidade a respeito de como é Sérgio Mallandro longe dos holofotes, nos bastidores, aí vai: o mesmo com o qual nos acostumamos ao longo das últimas décadas. Claro, no contato com a imprensa, mesmo longe das câmeras, há certa dose de performance, mas aquela energia positiva exuberante é mantida.
Chega até ser um pouco estranho quando Mallandro baixa um pouco o tom da voz, falando sem exagerar nos trejeitos, mas isso dura bem pouco. É quase como se ele se policiasse para sempre manter em primeiro plano esse personagem, o puro suco do caos, da alegria e da aleatoriedade. Porém, a dúvida permanece: num filme sobre Sérgio Mallandro, quantas camadas precisamos ultrapassar até chegar à essência? “Na verdade, sou o que sou na vida real. Claro que não fico falando ié ié e glu glu direto, mas uso essas gírias no dia a dia. Sou um cara positivo, exatamente como apresento na TV, nos filmes, enfim. Não me considero um personagem, mas uma pessoa que entrou na vida das pessoas do jeito que sou. Me considero um contador de histórias. Tanto que faço meu stand up há alguns anos e, mesmo antes de ir aos palcos, eu acabava fazendo isso na praia com meus amigos, de chegar contando histórias naturalmente”, disse o protagonista à reportagem do Papo de Cinema. Essa fusão entre persona pública e personalidade real é algo parecido ao que acontecia com o comediante norte-americano Andy Kaufman, o que de certa forma incita as pessoas a tratarem sempre Sérgio como Mallandro: “Ando na rua e ouço as pessoas gritando glu glu e ié ié, até mesmo em velório, é uma loucura. Já aconteceu de eu estar num elevador, alguém aparecer, apertar todos os botões e sair correndo dizendo ‘pegadinha do Mallandro’ (risos). E eu estava indo no médico (risos). Peguei COVID, estava na cama do hospital, e veio um enfermeiro todo sério e disse ‘Sr. Sérgio Cavalcante, teremos de intubá-lo…pegadinha do Malladro (risos). Acredita que ele me disse isso naquela situação, bicho? Minha vida é assim”.
Depois do almoço, voltamos ao set para conferir a continuidade do desafio entre Zico, a grande lenda do Flamengo, e Mallandrovisky, goleiro atrapalhado de cabelos coloridos. Agradecemos novamente à produtora Gláucia Camargos, que nos recebeu tão carinhosamente no set, e à equipe da Palavra Assessoria, por ter acompanhado a reportagem do Papo de Cinema nesse dia.
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