Set Visit :: Matches

Publicado por
Marcelo Müller

O cenário estava montado numa mansão no Itanhangá, bairro nobre da zona oeste do Rio de Janeiro. Fomos convidados pela Migdal Filmes e pelo Warner Channel para visitar o set de Matches, série cômica focada nos encontros e desencontros de um grupo de amigos, cujas atenções recaem sobre as particularidades das interações através da internet, algumas propiciadas pelo aplicativo que dá nome ao programa. Estrelada por João Baldasserini, Renato Livera, Juliana Silveira e Evelyn Castro, a novidade foi criada por Carolina Castro e Marcelo Andrade. Os dez episódios que compõem a primeira temporada têm previsão de estreia para o segundo semestre deste ano. Aproveitando a brecha do jantar, conversamos no entardecer com o elenco e parte da equipe criativa responsável. E o resultado você confere a partir de agora.

 

QUE RAIOS MATCHES TRARÁ DE NOVO À DISCUSSÃO DOS RELACIONAMENTOS?
Calvito Leal, um dos diretores, acredita que a idiossincrasia de Matches está na fase que vivem os personagens: “Estamos falando de relacionamento num mundo digital. O aplicativo Matches propõe uma grande mudança de paradigmas. Hoje em dia existe uma maneira de conhecer pessoas e se relacionar com elas, inexistente quando nossos personagens eram mais jovens. Para boa parte deles é uma segunda solteirice. São pessoas de trinta e poucos anos entrando nesse mundo de relacionamentos virtuais”. E o potencial cômico (leia-se bolos, decepções e afins) advém, de acordo com Duda Vaisman, o outro diretor, exatamente dessas particularidades: “As coisas só acontecem da forma como são por conta do mundo virtual. Você sabe pouco sobre a pessoa, ou seja, é bem diferente de conhecer alguém num bar. No fundo, você sabe nada e, eventualmente, acaba tendo surpresas. A série usa muito isso para detonar as situações que os personagens vivem”.

Os protagonistas de “Matches” – Foto: Mariana Vianna

Essa pegada atual, também é reforçada nos dizeres dos quatro protagonistas. João Baldasserini, intérprete de Ricardo, aponta a isso: “Acho que a dinâmica é relativamente nova. Vivemos no celular, absortos no mundo virtual. A série meio que humaniza os aplicativos. É uma sacada legal, pois estamos reproduzindo de maneira divertida, por exemplo, isso de você ter um leque variado de opções, de pessoas que se pode conhecer, e a impessoalidade do dispositivo. Há também uma crítica a esse tipo de vivência puramente virtual. Tem a graça, o constrangimento, ou seja, fala disso de uma maneira mais próxima. A série propõe reflexões de modos divertidos”. “De alguma forma, todas as histórias falam de relacionamentos. Mas a série está ligada nesse momento de aplicativos, essa maneira muito contemporânea de encontrar alguém”, afirma Juliana Silveira, que vive a ávida Lara.

“As pessoas têm uma facilidade de encontrar-se e uma dificuldade de relacionar-se. Nisso, a tecnologia entra para mediar questões. A série aponta e sublinha, com a comédia, dificuldades inerentes às relações contemporâneas, mostra as complicações e os valores das experiências”, diz Renato Livera, intérprete de Escovão. Já mais cética em relação aos amores em tempo de internet, Evelyn Castro menciona como destaque da série esse desenho da liquidez dos elos afetivos:  “Li um livro, do Zygmunt Bauman, o Amores Líquidos, que fala disso. As coisas estão muito vazias, uma bola de neve. Precisamos, o tempo inteiro, achar que estamos com alguém, que esse alguém vai suprir as nossas necessidades. E a rotatividade é grande. A novidade do seriado é mostrar as particularidades disso que acontece ‘na nuvem’, as pessoas que são fake, que demonstram coisas conflitantes. Tenho a sensação de que alguns traços desses relacionamentos mediados por aplicativos são fúteis, é tudo muito vazio”.

Juliana Silveira e Evelyn Castro nas filmagens de “Matches” – Foto: Mariana Vianna

ATORES E ATRIZES, NÃO NECESSARIAMENTE COMEDIANTES
Um aspecto que chama a atenção, de cara, é a escolha de um elenco não necessariamente egresso da comédia, embora o gênero seja predominante em Matches. “Tínhamos um texto forte e queríamos trabalhar com atores que não fossem comediantes. Para fazer esse tipo de humor, que tem contexto e narrativa, acreditamos na necessidade de bons atores”, afirma Calvito.“E a gente queria que eles não tivessem a mesma métrica, que não fossem da mesma escola. Fizemos um trabalho na pré-produção de trazer uma ‘música’ comum a todos, mas queríamos que o ponto de partida de cada um fosse diferente, pois isso gera o antagonismo, as pausas diversas”, arremata Duda.

Aliás, a dinâmica de complementariedade entre Calvito e Duda ficou evidente nos instantes em que permanecemos no set de Matches. Eles tomavam medidas, conceituais e efetivas, sempre se consultando e, não raro, acabavam se entendendo sem uma explícita troca verbal. O elenco foi unânime quando questionado sobre isso, exaltando a qualidade dessa parceria para o resultado. Da mesma forma, se colocou a criadora Carolina Castro, showrunner da série: “Só imaginamos eles para a direção. Ambos captaram o espírito da coisa. Bem ou mal, estamos nessa faixa dos personagens, alguns vivendo intensamente o mundo digital, outros não. Deu samba, rolou uma sinergia boa. Os dois entenderam perfeitamente a ideia e trouxeram vida ao projeto. Deu match (risos). Foi isso, exatamente”.  

Os diretores Calvito Leal e Duda Vaisman – Foto: Mariana Vianna

OS PERSONAGENS
Na visita ao set de Matches, conseguimos acompanhar a rodagem de uma cena envolvendo Juliana Silveira e Evelyn Castro, na qual sobressaiu o cuidado diretivo com a continuidade emocional. Nos bastidores rolavam também conversas com uma profissional do departamento de figurino, algo conjuntamente administrado por Calvito e Duda. Mas, e os protagonistas da série? Quem são? Do que se alimentam? Com a palavra os próprios intérpretes.

RICARDO – “O Ricardo é um personagem bem interessante, descrito como nerd. Mas não o vejo exatamente como nerd. É um cara mais conservador, que foi casado por 13 anos com uma mulher, aliás, com quem perdeu a virgindade. Com a separação, ele vai morar na casa de um amigo, o Escovão, que é o oposto dele, o que permite o surgimento do humor, especialmente depois que ele adere aos aplicativos de relacionamento”, diz João.

LARA“A Lara é uma mulher de 39 anos, recém-separada, independente. A vejo como alguém querendo viver uma emoção. Sua vida estava muito organizada até a separação, bem acomodada.  Então, é importante ela acordar para a vida. Ela quer um parceiro, antes estava numa situação de quase irmandade com o ex”, afirma Juliana.

ESCOVÃO – “Ouso dizer, na minha humilde percepção desse personagem, que ele é um retrato muito atual do que as pessoas gostariam de ser, principalmente os homens que sofrem um pouco com a questão do machismo. O Escovão tem uma característica muito bonita: ele não é rotulado. Resumidamente, ele é reflexo de um novo pensamento, principalmente acerca da heteronormatividade. Ele reproduz algo muito mais aberto e livre”, pondera Renato.

MILA “Ela é mente aberta, mas sinto que quer ter alguém. A Mila se engana um pouco ao dizer que é autossuficiente. Ela acha que manda na vida na Lara, mas a tem como exemplo. A Mila tem uma grande carcaça de durona. É uma feminista que luta por suas coisas, mas que acaba se aproximando do Escovão, ou seja, sendo pega de calças curtas. Ela tem muita personalidade, até porque precisou se virar”, arremata Evelyn.

Foto: Mariana Vianna

O QUE LEVOU OS ATORES E ATRIZES A ACEITAREM SEUS PAPEIS?
Os quatro protagonistas de Matches têm perfis diferentes, inclusive profissionalmente falando. João Baldasserini fez bastante teatro antes de ingressar na televisão e no cinema. Nas telonas, foi do filme autoral, vide Linha de Passe (2008), ao controverso Polícia Federal: A Lei é Para Todos (2017). Na televisão, Renato Livera integrou os elencos da série Um Contra Todos (2016-) e da novela Os Dez Mandamentos (2015). No cinema, participou de diversos curtas-metragens. Já Juliana Silveira, que nunca havia feito uma série de TV, começou sua carreira como assistente de palco de Angélica, mas, ao assumir a trajetória de atriz, conseguiu êxitos como a protagonista da nona temporada de Malhação, exibida em 2002, além de ter encabeçado o elenco de Floribella (2005-2006). Sua carreira nas telinhas é vasta. Por fim, mas não menos importante, Evelyn Castro, atualmente um dos destaques da trupe do Porta dos Fundos, alterna projetos de humor e musicais – ela é cantora e participou, inclusive, do Fama, extinto programa da Rede Globo. Mas, afinal, o que fez cada um deles aceitar a empreitada de Matches?

“Quando recebi o roteiro, gostei muito, de cara. Achei a comédia bem escrita, fora a atualidade do tema, sites de relacionamentos, aplicativos e afins. O que me pegou foi a dinâmica, a ideia da sitcom e a dramaturgia criativa. Os personagens são muito bem construídos. Nesse momento da minha carreira estou trabalhando mais com comédia, gostando, me sentido à vontade. Até acho curioso, pois não me vejo como comediante”, afirma João. “Nunca tinha feito séries. Como toda pessoa que gosta delas, nutria a vontade de fazer. Calhou de surgir essa oportunidade, realizei o teste, passei e estamos aqui. Mas não faço muitos planos em relação à carreira. Trabalhar numa série, e em cinema, algo ainda inédito para mim, estava na minha listinha”, comenta Juliana.

“A sinopse aponta a uma situação engraçada. Meu personagem vive num universo particular. A comédia tem essas características que atraem muito um ator, porque é dinâmica. Quando vi o perfil do Escovão, inclusive o fato dele ser um malandro, pensei que isso era bom e ruim ao mesmo tempo, porque oferece um risco. Mas, o que me levou a aceitar foi o fato de viver um cara que não é apenas um malandro, pois é espontâneo. Ele vive o que está presente. Fomos até subtraindo essa malandragem dele. Todavia, tais características me encantaram e me levaram a fazer o teste”, pondera Renato. Já Evelyn destaca a possibilidade de variar o foco: “Personagens novos me atraem, e a Mila é completamente diferente do que venho fazendo. Também contou o elenco, que achei incrível, e os diretores, que me deixaram super à vontade. Encaro isso como um exercício de criatividade. A primeira coisa que me interessou foi a oportunidade de mudar de registro e abordar um meio que não é necessariamente o meu”.

Um dos encontros do personagem de João Baldasserini – Foto: Mariana Vianna

EXPERIÊNCIAS COM APLICATIVO DE RELACIONAMENTO E/OU ENCONTRO ÀS ESCURAS
Está tudo muito bom, tudo muito bem, mas Matches fala de aplicativos de relacionamento, de interações permitidas por meios digitais. E tudo mundo, ou quase, tem uma (ou várias) história para contar de encontros amorosos que não saíram como o esperado, daquela expectativa frustrada, seja imediatamente ou aos 45 minutos do segundo tempo, da decepção de conhecer alguém que não é bem como o descrito online. Enfim, então, abelhudos como somos, perguntamos ao elenco e aos criadores sobre os seus episódios relacionados com encontros às escuras ou principiados virtualmente. Tivemos uma divisão entre:

 O grupo “sou casado(a) e não sei do que você está falando”
“Sou casada há 15 anos e mãe de três, então nunca vivenciei isso. E, curioso, essa mescla era essencial na sala de roteiro. Éramos 50% de casados, que não participam desse jogo com aplicativos, ou seja, donos de um olhar externo, quase científico, e 50% de gente que vivencia isso diariamente”, diz a showrunner Carolina Castro. “Sou recém-separado, mas não sei do que você está falando (risos)”, afirma apressadamente o diretor Calvito, esbanjando bom humor. Seu colega, Duda, se permite pensar como seria utilizar o app Macthes: “Sou casado há vinte anos. Vejo-me muito no personagem do João, projetando como me comportaria se, por exemplo, ficasse novamente solteiro. Ele não é uma concha, mas está há 13 anos fora do jogo, pois terminou recentemente um casamento. Chegou num momento em que o jogo é diferente”. Juliana Silveira também menciona a vida de casada, mas compartilha algumas histórias curiosas: “Nunca usei (aplicativos de relacionamento). A última vez em que estava solteira eu tinha de 29 para 30 anos, quando conheci meu marido. A gente paquerava por e-mail (risos). Hipoteticamente, se eu ficasse solteira, acredito que não usaria os aplicativos. Nunca gostei muito do virtual. Mas, sobre encontros, até meu marido virar efetivamente meu marido, levei um bolo dele. Marcamos e ele não apareceu, isso na primeira vez (risos). Simplesmente esqueceu. Já fui esquecida em aeroporto, também. Estava com outro namorado, marcamos de viajar e ele não foi. Acabei indo sozinha. Nem tenho mais raiva dele (risos). Já entrei em roubada do santo não bater, de pedir para a pessoa ir embora e ela não ficar muito feliz”. ­

 O grupo “nada contra, mas isso de app de pegação não é para mim”
“Nunca fui adepto dos aplicativos de pegação. Experimentei durante dois dias, fiquei um pouco angustiado e sai sem dar match (risos). Muito antes dos aplicativos, fui usuário do bate-papo do UOL. Já me meti em roubada uma vez. Marquei encontro, em São Paulo. Tinha 19 anos. Ao chegar, descobri que a pessoa tinha 56 anos, contrariando o que tinha dito. Marquei também um encontro pelo Orkut e me deparei com uma pessoa totalmente diferente. Meu irmão se casou com alguém que ele conheceu virtualmente, então não sou nada contra isso”, compartilha Renato. Evelyn igualmente se disse uma não adepta, mas também conta algumas furadas em encontros às escuras: “Confesso que não sou muito disso de aplicativos de relacionamento. Minhas amigas me sacaneiam muito, dizendo que sou careta. Sou, na verdade, envergonhadíssima. Acredito que ninguém é verdadeiro na internet. Tem a coisa de eu ser uma artista, não sou aquilo que as pessoas veem na TV. Até brinco, faço xixi e cocô, como todo mundo (risos). Já aconteceu de encontrar alguém e a pessoa não conseguir nem falar direito, sentindo-se intimidada por eu ser atriz. Fiquei parada, olhando (risos). Dentro de mim tinha um letreiro piscando ‘corra, corra’ (risos). A pessoa ficou igual a uma criança na minha frente (risos)”, finaliza Evelyn.   

Juliana Silveira e Evelyn Castro – Foto: Mariana Vianna

 O grupo (literalmente de um homem só) do “já entrei e me diverti”
“Já entrei em aplicativo de relacionamento, mas a garota do outro lado duvidava que era eu (risos). Ela disse que eu não precisava estar lá. Mas, como não? (risos). E já cheguei a me encontrar com alguns contatos de aplicativo, claro. Hoje estou namorando, tranquilo, mas já tive essa fase. Foi divertido. De qualquer forma, é preciso tomar cuidado com isso, para que as pessoas não percam o cara a cara”, afirma João, salvando a pátria dos adeptos dos apps.

 

TODO CARNAVAL TEM SEU FIM
Com a noite caindo e os trabalhos sendo retomados, ficamos um pouco mais no set de Matches e acompanhamos a numerosa equipe, sempre cordata conosco, disposta nos múltiplos cômodos da propriedade luxuosa que mais parecia um labirinto. O resultado de tanto esforço, veremos no segundo semestre no Warner Channel, ao qual aproveitamos para agradecer pelo convite. Nosso muito obrigado também à produtora Midigal Filmes e à Agência Febre, assessoria que nos ciceroneou e permitiu-nos o acesso aos entrevistados e ao cenário.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.