Enquanto o menino Neymar tentava permanecer de pé furar o bloqueio dos adversários costa-riquenhos na Copa do Mundo, uma galera estava acordada desde às 5h da manhã, mas não para acompanhar o desempenho do escrete canarinho. Era a numerosa e organizada equipe de Minha Vida em Marte, sequência direta de Os Homens São de Marte…E é pra Lá que Eu Vou!, comédia que foi um dos grandes sucessos de bilheteria de 2014. Mônica Martelli, igualmente protagonista e roteirista do longa anterior, transpôs às telonas os dilemas amorosos de Fernanda, garantindo nas salas de exibição o sucesso que a levou a permanecer mais de uma década em cartaz falando de temas universais. Na parte dois, também baseada num monólogo testado previamente nos palcos, a protagonista enfrenta outros desafios, exatamente os que dizem respeito às dores e às delícias da vida matrimonial. Fomos convidados para acompanhar um dia no set montado no Parque Lage, emblemático ponto turístico da capital fluminense, espaço caro ao cinema brasileiro, afinal de contas, ali foram gravados filmes seminais, como Terra em Transe (1967) e Macunaíma (1968). O dia estava ensolarado, o que garantia o bom andamento dos trabalhos e a beleza do cenário.
Logo de cara, chamou a nossa atenção a coordenação do time de filmagem, composto de cerca de 30 pessoas. Não podemos detalhar o conteúdo da cena que estava sendo rodada, principalmente porque ela é um considerável spoiler. Falar demais seria antecipar o que está por vir nas trajetórias de Fernanda e Tom (Marcos Palmeira). Assim que o Brasil fez o segundo gol contra a Costa Rica (e o menino Neymar estava, felizmente, na vertical para balançar as redes adversárias), todos se colocaram em suas marcas, primeiramente, ensaiando uma conversa coloquial, cujos desdobramentos são significativos para a consolidação da vida conjugal da personagem de Martelli. Paulo Gustavo, intérprete de Aníbal, melhor amigo de Fernanda, estava com uma peruca, o que escondia sua indefectível careca. O clima era de descontração e concentração. Tudo muito profissional, mas leve, sob a supervisão de Susana Garcia, irmã de Mônica Martelli, colaboradora contumaz em sua carreira teatral, que desta vez assume a direção da versão cinematográfica . A semelhança física delas é apenas menor que a igualdade impressionante de suas vozes. Detalhes à parte, com ajustes aqui e acolá, a função ocorreu sem percalços. Logo conversamos com o ator Marcos Palmeira.
“Achei muito legal poder participar do segundo filme. O Tom é um cara do bem, preocupado com o meio ambiente. Ele não é um babaca e tampouco a Fernanda é uma mulher chata. Eles acabam se estranhando por um desencontro emocional. Gosto muito do primeiro filme, mas este está mais maduro. As pessoas vão se identificar mais ainda. Você tem um casal junto há oito anos, com uma relação relativamente estável que entra em crise não necessariamente por conta de um culpado. As pessoas vão torcer para dar certo. Estou adorando e bem impressionado com a Susana como diretora. Ela é cheia de referências. Estou super motivado para fazer esse trabalho, um drama familiar com humor. Tem isso de você levar a vida com humor. O filme possui essa leveza. E o Paulo Gustavo é impagável. Brinquei com a Mônica que, se estivermos com saúde, quero fazer o Tom até os 70 anos. O trabalho dela amadureceu. Ela está num momento profissional muito bacana. Conheço Mônica há anos, é uma grande parceira. O filme não é panfletário, não cria um conflito baseado nos gêneros. É uma produção família, quase para crianças (risos). Ela fala sobre a dificuldade de amar nos dias de hoje”.
Conversamos, então, com o astro Paulo Gustavo. Diferentemente dos outros atores, ele não se sente confortável em dar entrevistas gravadas. Mas, isso não significa menos receptividade e simpatia. Tanto que, findo o seu almoço, fez questão de sentar à mesa com os jornalistas presentes, simplesmente para bater papo. E Paulo tem na realidade aquela verve cômica que o fez célebre no teatro, na televisão e no cinema. Difícil ficar sem rir das tiradas constantes, que vão desde a observação da disputa das divas pop por espaço na mídia até a relação de carinho que mantém com Mônica Martelli no cotidiano. Ele disse, aliás, que quando ela se separou, fazia questão de ligar e relembrar as coisas ruins do casamento, para que evitar a caída da amiga na fossa. Claro, tudo isso em meio a risos e a uma cumplicidade visível. Ele celebrou o fato de que em 2019 sua agenda estará lotada. No dia anterior, o Multishow havia confirmado a produção de um novo programa em parceria com Tatá Werneck, ainda sem nome definido. Mas, adiantou, haverá um quadro, no estilo Saia Justa (apresentado por Martelli), em que o debate será feito por ele, sua mãe, Tatá e o pai dela. Além disso, garantiu que Minha Mãe é uma Peça 3 está programado para estrear no fim do ano que vem. Teremos bastante Paulo Gustavo nas telas de agora em diante, algo que o deixa bastante satisfeito de antemão.
Um pouco antes do reinício dos trabalhos, já à tarde, foi a vez de bater um papo com Mônica Martelli sobre Minha Vida em Marte.
“A Fernanda agora é uma mulher em crise no relacionamento, vivendo todas aquelas coisas que o casamento duradouro pode trazer: a intolerância, a diminuição da libido, a falta de cuidado mútuo. Ela tenta resgatar os pontos bons. Quando casamos, não queremos nos separar. Mas, apesar de gostar de viver amores, a Fernanda não atura tudo em nome de um projeto de família feliz. Então, ela rompe. A qualidade da relação não está boa para os dois. Essa personagem é totalmente inspirada na minha vida. Ao casar, idealizamos uma vida com alguém. Ao separar, além da dor do rompimento, há a perda de uma vida que você imaginou ter. O Aníbal, melhor amigo da Fernanda, é um pilar que a fortalece, a encoraja. No filme, acabamos falando de amizade de uma forma bem bacana. A Fernanda tem medo de perder a capacidade de amar. Quando me separei, questionava isso na terapia. Você não se interessa por alguém a cada esquina. Estou naquele momento de ficar feliz comigo e isso é muito importante”.
E como será que a Fernanda se porta nesses novos tempos, em que as demandas por igualdade de gênero são maiores do que, por exemplo, quando a peça foi escrita?
“Fernanda é feminista desde o primeiro filme, no sentido de não aguentar tudo em função de uma relação. Sou filha de uma feminista da primeira demanda. Minha mãe foi a primeira mulher vereadora de Macaé, cidade fluminense onde nasci. Para você ter uma ideia, na câmara não tinha, sequer, banheiro feminino. Minha mãe ia para as sessões e colocava um penico em cima da mesa para reivindicar o banheiro feminino. As pessoas confundem muito o querer amar com ser feminista. Feminismo é uma postura diária. Não sou mais feminista hoje por estar solteira. A vontade de viver uma relação é universal. Estamos num momento rico no que tange à igualdade de gênero. Houve uma tomada de consciência. Não tem mais volta. As mudanças demoram a acontecer. E o feminismo é um processo, ou seja, não termina, estaremos sempre na luta. Fomos silenciadas durante séculos. Agora estamos conseguindo ser ouvidas. Tenho muitas amigas que mantém casamentos falidos em função do projeto família feliz. Na nossa sociedade patriarcal, é muito entranhada essa ideia da responsabilidade da mulher pela manutenção familiar. E tem outra coisa. A solteira é desvalorizada socialmente dentro dessa estrutura machista”.
Por fim, conversamos rapidamente com Fiorella Mattheis, cuja personagem não podemos detalhar, exatamente para evitar a antecipação de detalhes importantes. “É maravilhoso estar com esse pessoal. Inicialmente o roteiro não previa minha participação. Ele mencionava a necessidade da presença de uma mulher bonita, parecida com a Angelina Jolie. Sou muito amiga do Paulo Gustavo. Estava na casa dele quando surgiu a ideia de sugerir uma mudança na cena para que eu participasse. Adorei. É um prazer enorme. Hoje não é dia de trabalho. Vim me divertir com meus amigos no filme incrível que eles estão fazendo. Por ser muito amiga também da Mônica, acompanhei de perto o processo de criação do longa. Estar com Mônica e Paulo é acompanhar cenas sendo feitas, até quando a gente sai para jantar e beber vinho”.
O sol estava a pino nessa sexta-feira que começou tensa para os torcedores do Brasil. Os gols de Coutinho e Neymar deram sobrevida à esperança do Hexa, mas, no que concerne ao cinema brasileiro, a expectativa quanto ao surgimento de uma nova diversão cheia de boas tiradas com Minha Vida em Marte foi totalmente alimentada pelos talentos envolvidos e o clima que, felizmente, tivemos a oportunidade de acompanhar.
(Agradecimento especial à Agência Febre, assessoria que nos convidou ao set de filmagem)
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