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Set Visit :: Segundo Take

Publicado por
Marcelo Müller

O cineasta e produtor Belisario Franca, sócio-diretor da Giros Produtora, teve a ideia de realizar uma série de TV para reverenciar o cinema brasileiro, mais especificamente certas cenas da nossa cinematografia. Segundo Take foi o nome adotado pelo programa, previsto para ir ao ar com 13 episódios de 26 minutos cada, no canal Arte 1, ainda sem data de estreia definida. Mas, do que se trata? Diretores renomados foram convidados para recriar passagens emblemáticas de filmes, com liberdade criativa para escolher o material original e o elenco. Os episódios mostrarão, além da cena original e da releitura contemporânea, os bastidores da produção, com depoimento de atores, atrizes e técnicos. E o Papo de Cinema foi convidado para “invadir”, no bom sentido, claro, a filmagem da nova versão de uma cena protagonizada por Tonico Pereira e Anecy Rocha em A Lira do Delírio (1978), do cineasta Walter Lima Jr. Lírio Ferreira foi incumbido desse remake-homenagem, tendo como colaboradores os atores Paulo Tiefenthaler e Úrsula Corona. Quer saber como foi tudo por lá? Então fica ligado na nossa visita ao set de Segundo Take.

 

A ESTRUTURA
A filmagem aconteceu num estúdio localizado no centro do Rio de Janeiro, onde foi montado o cenário para a empreitada. Bar, globo de espelhos e orelhão se destacavam cenicamente. Quando chegamos ao local, Úrsula estava na maquiagem. Já nos cumprimentos, ela disse: “Papo de Cinema? Adoro o trabalho de vocês”, o que, claro, nos deixou bem contentes. Lírio dava instruções à equipe de cerca de 20 pessoas, propiciando que as coisas ficassem bem movimentadas no espaço reduzido. Paulo, por sua vez, estava almoçando. Acabamos interagindo com ele apenas próximo ao fim da diária. A coordenadora de conteúdo da série, Lúcia Tupiassú, conversou longamente conosco sobre o processo curatorial e acerca dos diálogos frequentes entre a produtora e o canal para chegar a nomes relevantes que pudessem levar adiante a proposta. Na companhia da pesquisadora Beatriz Petrini, ela nos ciceroneou pelos momentos iniciais no set, enquanto eram preparados os elementos para o ensaio e, posteriormente, à rodagem. Dois diretores de fotografia estavam a postos. Um deles, especificamente para capturar a cena refeita. O outro, captando os bastidores para o conteúdo adicional dos episódios a serem produzidos.

OS ENSAIOS
A primeira coisa que chamou a nossa atenção foi a insólita inversão de gêneros. Úrsula viveu a personagem equivalente ao de Tonico Pereira, enquanto Paulo encarnou as situações antes interpretadas por Anecy Rocha. A comunicação entre o cineasta e a equipe foi intensa, com um perceptível ganho criativo. As produtoras atentavam ao prazo, enquanto Lírio lapidava seu conceito em cima da obra original, trabalhando sucessivamente as entonações dos atores. Úrsula partiu de uma acentuação da malícia da sua figura, mas logo suavizou o timbre, fazendo-a ganhar novos matizes. Paulo gradativamente burilou sua expressividade, na mesma medida garantindo que a cena ficasse mais multifacetada. Foi enriquecedor acompanhar esse processo criativo conjunto, em que realmente havia retroalimentação de experiências e pontos de vista. O impasse quanto à ausência de um figurante que deveria permanecer debruçado sobre a mesa, fingindo dormir ao largo da discussão, logo acabou, aos risos, com a indicação de um membro da equipe. Todos riram e brincaram com esse intérprete improvisado, num clima de descontração.

 

AS FILMAGENS
Depois de filmar alguns ensaios, que serviram basicamente para acertar a modulação dos tons, a rodagem começou para valer, em partes, com a câmera, primeiro, colada em Úrsula. Foram necessárias algumas tomadas até que o cineasta se satisfizesse. Logo depois, a mesma dinâmica, porém focada em Paulo. O processo foi longo, durando uma tarde inteira, bastante marcado pelo apuro estético de Lírio. Detalhes foram registrados com a mesma atenção dispensada aos atores. Diferentemente da cena original, nessa releitura há um componente poético, oriundo da disposição espacial. Os personagens interagem totalmente por telefone, mesmo estando num só cenário, ainda que em lados opostos. Lírio é um diretor atento, que discute o conceito com os atores, permitindo a inclusão de elementos, embora demonstre total segurança quanto à sua concepção cênica. Ao passo em que ficava ligado no relógio, afinal de contas havia limite para o expediente acabar no centro do Rio de Janeiro, Lírio retrabalhava a fim de melhorar a afinação. Enquanto era preparado o último take, conversamos com as estrelas do programa.

LÍRIO FERREIRA
“Escolhi A Lira do Delírio para rimar com meu nome (risos). Na verdade, queria prestar uma homenagem a esse filme maravilhoso que fala de liberdade e ousadia, que mexe com vários gêneros ao mesmo tempo. É um filme muito importante na minha vida, uma obra de libertação e virada. Nada mais juto do que fazer uma homenagem a essa grande realização do Walter Lima Jr. Escolhi a Úrsula por causa desses olhinhos apertadinhos dela, lindos (apontando para a atriz). Ela tem um ponto de intersecção muito bacana com a Anecy. As duas têm a felicidade nos olhos. Sempre rolou a vontade de trabalhar com ela. Esse episódio é o primeiro da parceria, virão coisas futuras. Com o Paulo também sempre tive vontade de colaborar e esse convite nos permitiu isso. E ele, igualmente, tem essa ligação com o Tonico, pois ambos são da mesma tribo, de malandragens semelhantes”.

 

ÚRSULA CORONA
“Eu e o Lírio nos namoramos profissionalmente há algum tempo. Porém, casar as agendas nem sempre é fácil. No momento, estou morando meio em Lisboa, meio cá, portanto fico bem dividida. Estava em Portugal fazendo Fado Tropical, filme com o Cavi Borges (produtor e cineasta). Vim especialmente para esse trabalho na Segundo Take. Aliás, admirei muito o Cavi, porque ele tem uma identidade diferente, é culto e está ligado em cineastas de diversas gerações. É um cara com uma bagagem muito interessante, sabe? Voltando á função daqui, o Paulo é um cara que admiro há um bom tempo e o Lírio faz parte da história do cinema brasileiro. Ele nos trouxe um exercício muito interessante como atores, com isso de mudamos, porque interpreto o papel que foi do Tonico. Essa alteração aconteceu agora, não estava prevista. Achei genial, porque desconstrói. É um excelente aprendizado. Não revi o filme, porque queria me guiar apenas pelo texto. Já admirava a Anecy de outros carnavais, acho incrível ela no A Grande Cidade (1965), do Cacá Diegues. É uma atriz que me inspirou, especialmente se levarmos em consideração a época, em que as pessoas tinham uma temperatura de interpretação mais densa. Ela possuía uma leveza que sempre foi um ponto de estudo para mim”.

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PAULO TIEFENTHALER
“Isso de trocar os personagens, comigo vivendo o papel da Anecy, foi estranho por dez segundos. Depois, achei ótimo. Qual é a graça de fazer a mesma cena? Foi importante pegar o texto e encenar de outra maneira. Achei bom isso de ter uma proposta completamente diferente. Não precisamos imitar, podemos criar. No set é como uma banda e nós somos os instrumentos. Temos de chegar à afinação, com o maestro conduzindo tudo, buscado acertar o tom. Nunca tinha contracenando com a Úrsula, aliás, nos conhecemos há cinco horas (risos). O Lírio eu manjava de corredores de festivais e festas. Este trabalho está sendo um momento muito festivo. Sinto-me feliz do Lírio ter se lembrado de mim. E, tem mais: sou fã do Tonico, que conheci na época do Sítio do Picapau Amarelo, que é posterior a A Lira do Delírio. Só depois fui ter contato com a obra do Walter, inclusive cheguei a ser aluno dele. E este filme é libertador, feito com amigos, sem muito dinheiro. É daquele tipo que a gente assiste e dá vontade de sair filmando”.  

 

(Agradecimento à Giros Produtora e à Primeiro Plano, que nos convidaram para visitar o set)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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