Assim como para toda a cultura ocidental, os anos 1960 foram um período interessante para o cinema. Enquanto Hollywood explodia em alguns de seus mais retumbantes musicais e superproduções (Amor, Sublime Amor, 1961 e A Noviça Rebelde, 1965), também produzia uma infinidade de filmes de baixo orçamento. Como custavam pouco e arrecadavam muito, esses filmes eram o motor da indústria cinematográfica da época – mesmo hoje em dia, alguns estúdios ainda lançam mão dessa estratégia.
Dentre esses sub-gêneros, um dos mais interessantes era o “spaghetti western”. Foi como Hollywood apelidou os inúmeros faroestes realizados por diretores italianos. Produzidos de forma bastante tosca, esses filmes acabaram entrando para o imaginário da cultura pop com seus famosos “duelos de dez passos” e “pistoleiros mais rápidos do oeste”. Mais do que isso, o “spaghetti western” foi responsável por revelar grandes profissionais do cinema como Sérgio Leone (diretor de Era uma vez na América, 1984) e Ennio Morricone (compositor de trilhas sonoras premiado com Oscar honorário pelo conjunto da obra).
Foi especificamente nesta “categoria” de filmes que Quentin Tarantino estava pensando quando fez Django Livre, longa no qual assina o roteiro (já premiado com um Globo de Ouro) e a direção. A história segue a simplicidade dos faroestes: Dr. Schultz (o sempre fantástico Christoph Waltz) é um caçador de recompensas. Na busca por um grupo de infratores, ele compra e liberta o escravo Django (Jamie Foxx). Este, por sua vez, usa a liberdade para se lançar na busca e libertação de sua esposa, Broomhilda Von Shaft (Kerry Washington), escrava nas terras de um dos maiores fazendeiros do Mississipi (Leonardo DiCaprio).
Quem estranhou a presença de escravos no “velho-oeste” não está errado. Esta foi uma das artimanhas de Tarantino ao compor seu filme: ele não se passa no oeste americano, mas no sul do país, onde a escravidão imperava nessa época. Esta transposição não apenas colore o filme com paisagens e interiores bem mais interessantes que os tradicionais saloons e desertos, como também dá um tom diferenciado à história, ecoando coisas como E o vento levou… (1939) e, para nós, até mesmo o Brasil colônia.
Entretanto, a grande ousadia para por aí. Para quem espera uma trama alinear ou de histórias múltiplas, tão típicas de Tarantino, Django Livre pode resultar decepcionante. Trata-se do filme mais careta do diretor: tem começo, meio e fim, pontos de virada bem marcados, personagens arquetípicos (especialmente as mulheres) e uma motivação moral para a vingança do protagonista, algo que soa quase como justiça social. Bem diferente d’A Noiva (Kill Bill, 2003), por exemplo, que se vingava pelo puro prazer da vingança, ignorando a situação política ou social de seus adversários ou seus pares.
O que não quer dizer que seja um filme ruim. As atuações são todas impecáveis e, graças a Waltz e Samuel L. Jackson (na pele de um escravo doméstico), têm momentos iluminados. O longa atinge o objetivo de divertir, enquanto a entrada do contexto social talvez também leve a pensar. As sequências memoráveis estão lá, com destaque para um massacre pintado a tintas cartunescas. E os diálogos espertinhos e inventivos de Tarantino marcam presença, com destaque para falas como “It’s me, baby”, que devem ser lembradas como referências daqui a alguns anos.
Outro ponto interessante é notar que o diretor e roteirista começa a sair da “caixa” do cinema e fazer referências a outras artes e contextos. O ciclo de óperas O Anel do Nibelungo, de Wagner, por exemplo, é citado diretamente (e, por consequência, as lendas germânicas que a inspiram). A ele, se somam Alexandre Dumas e Mozart, apenas para citar exemplos.
Django Livre é, sem dúvida, um filme marcante e divertido, justificando suas 5 indicações ao Oscar. No entanto, levanta também a preocupação de que o Tarantino inventivo e alucinante que estávamos acostumados a ver possa estar se tornando mais quadradinho e previsível. Como num bom filme, é esperar pra ver.