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No mundo todo, 33,5 milhões de pessoas vivem com o HIV. Só no Brasil são notificados 33 mil novos casos da doença por ano. E aquele mito de “câncer gay” já caiu por terra há tempos: 60% das pessoas infectadas tem um relacionamento estável, independente do sexo. Para intensificar o debate sobre o combate ao vírus, em 1987 foi estabelecido que o primeiro dia do último mês do ano começaria uma série de ações para ajudar e prevenir a AIDS. É o chamado Dezembro Vermelho. Desde então, o cinema também faz sua parte para humanizar o tema com obras que tem a doença como foco, muitas delas de inegável ajuda para quem sofre o preconceito de ter contraído o vírus ou para quem não entende como ele se dissemina. Por conta da importância deste debate, a equipe do Papo de Cinema selecionou dez títulos que tratam da AIDS da melhor forma possível. Confira!

 

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Meu Querido Companheiro (Longtime Companion, 1989)
O primeiro dos três filmes dirigidos por Norman René, cineasta que faleceu em 1996 justamente por complicações do vírus HIV, mostra algo que se tornaria recorrente na maioria dos longas sobre a doença: um grupo de amigos despreocupado em fazer sexo seguro que, aos poucos, começa a contrair o vírus. O roteiro começa no verão de 1981, quando começou a ocorrer a maior disseminação da doença, até sua explosão na mídia sendo chamada de “câncer gay”. O espectador não é poupado dos casos sórdidos de preconceito contra homossexuais, acusados de serem os responsáveis pela AIDS, assim como não se furta de mostrar o sofrimento causado pela doença, tanto físico quanto psicológico. Um de seus personagens, David, é tão marcante, que a atuação de seu intérprete (Bruce Davison) se destacou na produção, levando o ator a ganhar o Globo de Ouro de Melhor Ator Coadjuvante e ser indicado ao Oscar na mesma categoria. Mesmo que hoje haja filmes como The Normal Heart (2014), que mostram a realidade do assunto com mais força política, Meu Querido Companheiro talvez seja a primeira produção que soube tratar o tema com seriedade e isento de preconceitos. – por Matheus Bonez

 

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Um dos marcos iniciais de um chamado “novo cinema queer norte-americano”, esse road movie de Gregg Araki traz as peripécias do michê Luke e do crítico de cinema Jon. O casal soropositivo parte em uma jornada perigosa e destruidora sem limites e filtros. Contestador e chocante, o longa de Araki é também um filme de cinéfilo, que além da trama envolvendo a descoberta do vírus, retoma cinematografias e a paixão pelo cinema. Emulando filmes da Nouvelle Vague e se valendo do bordão de Jean-Luc Godard que para fazer um filme bastava uma arma e uma garota (aqui, no caso, dois garotos), a produção trata as questões envolvendo o vírus HIV de forma explosiva, avassaladora, despreocupada em melodramatizar e servir de exemplo a um cinema para as massas. É testosterona, é ação, é uma subversão. E, de forma mais metafórica, a questão da falta de rumo em que se encontravam os soropositivos da época (que ao descobrirem sua condição embarcam em uma jornada ao desconhecido e sem grandes perspectivas) é um espelho para a constituição deste filme de estrada intenso e sem rumo, mas apaixonante. – por

 

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E A Vida Continua (And the Band Played On, 1993)
Para quem achava que o cinema havia dado o primeiro passo para tratar da AIDS em uma grande produção, eis que chega esse telefilme para evidenciar o contrário. Se Filadélfia colocou o tema em debate internacional, meses antes de sua estreia – que foi no dia 23 de dezembro de 1993 – outro longa era exibido com grande repercussão: E A Vida Continua, cuja première foi no Festival de Tribeca, em 27 de abril do mesmo ano. Com direção de Roger Spottiswoode – responsável por sucessos como 007: O Amanhã Nunca Morre (1997) – este drama reuniu um elenco de peso – Alan Alda, Richard Gere, Richard Jenkins, Steve Martin, Ian McKellen, Lily Tomlin e Anjelica Huston eram alguns dos destaques – para narrar como o vírus surgiu, a luta entre os laboratórios nos Estados Unidos e na Europa para contê-lo e os responsáveis diretos por sua disseminação ao redor do mundo. Tudo narrado com muita competência e objetividade, o filme evita o sentimentalismo barato, ao mesmo tempo em que aborda com seriedade os efeitos da doença e, principalmente, do preconceito e da falta de informação a respeito. Um trabalho em sua gênese pequeno, mas de imenso impacto por sua relevância. – por

 

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Filadélfia (Philadelphia, 1993)
Em uma época em que a AIDS ainda despertava muitas dúvidas, medo e desconfianças, Filadélfia chegou para enfrentar a síndrome de frente. Muito além disso, é uma obra contra preconceitos. De forma minuciosa e muito sensível, Jonathan Demme compôs um filme que quebrou barreiras à época, trazendo performances maiúsculas da dupla de protagonistas, Tom Hanks e Denzel Washington. Na trama, Andrew Beckett (Hanks) é um advogado em franca ascensão na firma onde trabalha. Quando é demitido por razões escusas, ele tem certeza de que seus superiores descobriram a verdade sobre ele: da sua homossexualidade e que contraiu o vírus da AIDS. Beckett convida o popular advogado Joe Miller (Washington) para defendê-lo. O problema é que o próprio Miller tem problemas com homossexuais e se assusta apenas ao ouvir a palavra AIDS. Demme é um diretor minucioso, que tem o talento de contar sua história através de imagens. Realiza um insuspeito filme de tribunal que tem como objetivo entreter e educar. As informações sobre a transmissão do vírus HIV são valiosas, em uma cena que nas mãos de outro cineasta poderia soar expositiva. Aqui, parece naturalíssima. E se é verdade que ele ousa, mas calcula até onde pode chegar, isso não atrapalha o resultado final do filme, de forma alguma. – por Rodrigo de Oliveira

 

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A Cura (The Cure, 1995)
Este único longa dirigido para o cinema pelo ator Peter Horton narra a história de amizade entre Erik (Brad Renfro), um garoto solitário que vive com sua mãe ausente (vivida por Diana Scarwid), e Dexter (Joseph Mazzello), seu vizinho de apenas 11 anos, que tem AIDS. Após superar a desconfiança inicial, Erik se torna muito ligado a Dexter e Linda (Annabella Sciorra), mãe do garoto, passando quase todo o seu tempo livre ao lado do amigo. Quando os jovens lêem a notícia de que um médico de Nova Orleans encontrou a cura para a doença, os dois embarcam em uma jornada para tentar salvar a vida de Dexter. Contando especialmente com o talento e a boa dinâmica de seus protagonistas mirins, Horton realiza um filme açucarado, mas bastante sincero, que consegue apresentar um ponto de vista diferente para o tema, através do olhar infantil. Apesar de transparecer certa ingenuidade em alguns momentos – como quando os garotos resolvem testar as plantas do jardim para encontrar a cura -, o longa não deixa ter seu valor entre os títulos que tratam da AIDS, particularmente ao abordar o preconceito e a falta de informação de parte da sociedade a respeito da doença. – por Leonardo Ribeiro

 

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Kids (1995)
Sexo e drogas. Pode parecer simplista demais, mas esta é a primeira definição que vem à cabeça quando se lembra o filme de Larry Clark, uma obra naturalista que antecipava (e muito) a discussão sobre a geração Y de hoje. Na época em que o longa foi lançado, o mundo ainda estava patinando em temas como a globalização, internet e afins. A juventude daquela época pode encontrar ecos na que temos hoje, 20 anos depois, mas a sua forma de se conectar era mais do que presencial. Havia uma necessidade constante de estar em grupo. E no grupo do filme em específico, estes jovens elevam sua liberdade sem limites até a máxima potência, trazendo não apenas a violência e o envolvimento com drogas em questão, mas também a AIDS. Afinal, com adolescentes envolvidos em orgias e sexo casual sem proteção nenhuma, alguma hora algo tinha que dar errado. E são justamente dois dos personagens principais que fazem um retrato da doença entre os mais novos. Telly (Leo Fitzpatrick) não sabe que tem o vírus e desvirgina Jennie (Chlöe Sevigny), fazendo com que a jovem, em sua primeira e única transa na vida, adquira o HIV em seu corpo. Ao tratar o tema de forma fatalista (como toda a mente adolescente tende a ser), Clark dá uma visão pós-moderna de uma geração que não sabe para onde vai e tem muito menos ideia do que seus atos inconsequentes possam acarretar. – por Matheus Bonez

 

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Angels in America (2003)
Se há alguma obra audiovisual definitiva sobre a AIDS vinda de Hollywood, é possível conferir sem muitas chances de erro a esta essa responsabilidade. Trabalho monumental com quase 6 horas de duração, teve sua première em exibição especial no cinema em uma verdadeira maratona, para depois ser lançado no formato de minissérie com dois episódios. Em um grande painel envolvendo diversos personagens, o diretor Mike Nichols (Oscar por A Primeira Noite de um Homem, 1967) assume o texto do escritor e roteirista Tony Kushner (indicado ao Oscar por Munique, 2005, e por Lincoln, 2012) para retratar com precisão o início da crise do vírus HIV, as primeiras vítimas, os médicos e os políticos envolvidos na situação e as consequências destes atos, desde o âmago familiar até suas repercussões internacionais. Tudo encarado de uma forma quase lúdica, em um embate entre anjos caridosos e homens frente ao inevitável. Meryl Streep e Al Pacino, dividindo-se em diversos personagens, dão um verdadeiro show, e prêmios como o Globo de Ouro, o Emmy e o SAG apenas fizeram jus a desempenhos maiores que se destacam com tranquilidade dentre estas carreiras mais do que reconhecidas. – por

 

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Clube de Compras Dallas (Dallas Bayers Club, 2013)
As atuações de Matthew McConaughey e Jared Leto como personagens soropositivos (papéis pelos quais ganharam, respectivamente, o Oscar de Melhor Ator e de Melhor Ator Coadjuvante), felizmente não são as únicas qualidades do filme dirigido por Jean-Marc Vallée. Aliás, é claro que impressiona a mudança física sofrida pelos atores, mas seus desempenhos vão além desse componente. Mais do que abordar a trajetória do homem que se descobre portador da síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) e, a partir daí, não apenas melhora enquanto pessoa, mas também aproveita para lucrar com tratamentos alternativos, o filme carrega uma bandeira contra a indústria farmacêutica e sua já conhecida ferocidade no combate à “concorrência”. Eles (os laboratórios) estavam pouco se lixando se o AZT trazia efeitos colaterais em longo prazo, até por que naquela época os diagnosticados com HIV tinham pouco tempo de vida, ou seja, também, em tese, impossibilidade de reclamar muito dos tais efeitos. Há uma ligeira inclinação, quando não uma queda acentuada, aos clichês e a algumas facilidades. Entretanto, nem o flerte com expedientes já batidos diminui a força do longa-metragem, centrado em dois atores de trabalho excepcional e numa luta infelizmente ainda necessária. – por Marcelo Müller

 

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The Normal Heart (2014)
Ryan Murphy parece incapaz de sustentar narrativas longas demais, vide seus esforços televisivos. Por isso o formato dos longas-metragens deve ter lhe servido muito melhor, já que durante as pouco mais de duas horas de The Normal Heart, ele obtém um controle impressionante do ritmo e do tom do filme. Levada para a televisão pela HBO, a peça de Larry Kramer tinha passado anos tramitando nos grandes estúdios, que se recusaram a produzi-la no cinema, por ser “muito gay”. Porém, a história de um grupo de homossexuais que se une para auxiliar os seus semelhantes nos anos 1980 no estouro da AIDS, talvez não incomodasse tanto por tratar de gays quanto pelo simples motivo de contar a assustadora e embaraçosa verdade. Sim, o preconceito gerado pelo próprio governo estadunidense em relação à disseminação do HIV, pintou com vermelho um período de ignorância perpetuado por aqueles que deveriam ter defendido o seu povo, e trata-se de uma vergonha ainda muito recente. E se os EUA ainda tem como tabu falarem da escravidão, imagina o quanto não dói terem de ouvir um megafone como é esse filme, apontando o massacre que promoveram há não mais do que trinta anos ao negar ajuda. – por Yuri Correa

 

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Boa Sorte (2014)
Dirigido por Carolina Jabor (filha de Arnaldo), Boa Sorte tem início quando o jovem João (João Pedro Zappa) é internado em uma clínica psiquiátrica por seus pais, que não sabem mais o que fazer com ele. O rapaz tem uma existência vazia, mas isso muda quando ele conhece Judite (Deborah Secco), paciente soropositiva da clínica e por quem acaba se apaixonando. A partir daí, o roteiro de Jorge e Pedro Furtado desenvolve um romance que os próprios personagens sabem que não tem futuro. Mas isso não impede fazê-los encontrar um no outro um pouco do calor humano que nunca tiveram de pessoas próximas a eles, e as atuações de João Pedro Zappa e Deborah Secco são essenciais para compreendermos os personagens e sua evolução pessoal. A atriz, em particular, brilha em uma atuação de total entrega, surgindo mais magra em cena e encarnando com talento as consequências psicológicas dos golpes que Judite levou da vida e a decadência física devido a sua doença. Sensível na forma como conta a história de seus personagens, Boa Sorte certamente foi uma das belas joias que nosso cinema apresentou no ano passado. – por Thomás Boeira

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