O filme Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014) já tinha sido eliminado na última prévia em que saíram os últimos nove concorrentes a disputar uma vaga na categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar. A falta do filme foi compensada, de certa forma, com a presença de O Sal da Terra (2014), dirigido pelo cineasta alemão Wim Wenders e pelo franco-brasileiro Juliano Ribeiro Salgado, filho do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, na categoria de Melhor Documentário. Com o fato, a equipe do Papo de Cinema resolveu relembrar quais são as dez produções nacionais mais lembradas quando o assunto é o prêmio da Academia. Confira!
Orfeu Negro (1959)
Co-produção entre Brasil, França e Itália e dirigida pelo francês Marcel Camus, Orfeu Negro é uma história de amor situada durante o carnaval carioca e é baseada na peça de Vinicius de Moraes. Na história, Eurídice é uma garota do interior que foge de casa suspeitando que um homem a segue. Decidida a se preservar acaba indo para o Rio de Janeiro, ficando na casa de sua prima Serafina. Em paralelo, Orfeu está comprometido com Mira e trabalha como motorista. É quando, em meio ao carnaval e ao calor do verão brasileiro que os mundos de Eurídice e Orfeu colidem e o casal se apaixona perdidamente. Com uma belíssima fotografia de Jean Bourgoin, o mesmo de Meu Tio (1958), de Jacques Tati, Camus constrói uma intensa história e traz para a tela questões de gênero, raça e cultura que são sempre pertinentes ao cinema. Lançado em 1959 e vencedor do Oscar em 1960, Orfeu Negro é o nosso único vencedor da estatueta de melhor filme estrangeiro. Vale destacar ainda que a produção traz uma impecável trilha sonora, assinada por Tom Jobim e Luís Bonfá. Uma produção excelente que, apesar do excesso do olhar franco-italiano, é muito bem construída e dirigida. Certamente, um dos melhores filmes estrangeiros já premiados pelos americanos e que merece ser revisitado. – por Renato Cabral
O Pagador de Promessas (1962)
Vários filmes brasileiros passaram pelo Festival de Cannes ao longo dos quase 70 anos do evento. No entanto, apenas O Pagador de Promessas teve o privilégio de sair de lá com a Palma de Ouro, o principal prêmio desse que é um dos mais importantes festivais de cinema do mundo. Como se não bastasse, a obra-prima de Anselmo Duarte ainda veio a representar a primeira indicação do Brasil ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Baseado na peça de Dias Gomes, O Pagador de Promessas segue a jornada de Zé do Burro (Leonardo Villar, excepcional na vulnerabilidade que traz ao personagem), que vê seu burro de estimação se recuperar milagrosamente de um grave ferimento após ele fazer uma promessa a Santa Bárbara. Mas ele encontra problemas para cumpri-la, e a partir disso o filme mostra uma série de eventos que não só distorcem o objetivo do protagonista, numa exploração midiática nojenta, como também foca pessoas que não medem esforços para se dar bem em cima da ingenuidade de um ser humano. Com críticas sociais precisas e desenvolvendo brilhantemente uma atmosfera angustiante em volta de seu trágico protagonista, O Pagador de Promessas encontra motivos de sobra para figurar entre as grandes obras do nosso cinema. – por Thomas Boeira
O Beijo da Mulher-Aranha (Kiss of the Spider Woman, 1985)
Dirigido pelo argentino/brasileiro Hector Babenco, O Beijo da Mulher-Aranha se passa no Brasil, embora todos falem inglês (expediente até certo ponto comum em coproduções norte-americanas da época). Contudo, esse senão acaba menor frente à qualidade geral do filme, à maneira como ele aborda assuntos sem leviandade, buscando a observação e a investigação para além do que o olho ou o clichê veem. O Brasil vivia um período de abertura, a redemocratização após anos sob o regime da ditadura militar. A trama coloca na mesma cela o prisioneiro político de esquerda Valentín Arregui (Raul Julia) e Luís Molina (William Hurt), homossexual condenado por corrupção de menor. Molina vive buscando refúgio na ficção, mais precisamente em seu filme predileto, um suspense de guerra financiado pela máquina de propaganda nazista. Por esse papel, William Hurt recebeu o Oscar de Melhor Ator no ano seguinte. Curioso que o trabalho não era para ser dele, mas de Burt Lancaster, entusiasta do projeto, que teve de desistir das filmagens após sofrer um ataque do coração. Ator ainda sem tanta expressão, Hurt aceitou o desafio, levou a estatueta cobiçada para casa e viu seu nome ganhar projeção. O Beijo da Mulher-Aranha ainda foi indicado aos prêmios de Direção, Roteiro Adaptado e Filme do Ano. – por Marcelo Müller
O Quatrilho (1995)
Já tivemos alguns nacionais concorrendo ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, uns injustamente apenas cumprindo tabela, outros sem chance, mas com justiça. O Quatrilho, de Fábio Barreto, faz parte da última turma, pois, se não chega necessariamente a ser ruim, nem de longe mereceu a lembrança da Academia. Talvez o lobby da família Barreto explique a indicação com mais clareza, afinal de contas O Que é Isso Companheiro? (1997), de Bruno Barreto, apenas dois anos depois, repetiu o feito ao emplacar seu nome entre os indicados. Enfim, digressões à parte, a adaptação do livro do escritor José Clemente Pozenato, igualmente ambientada na Serra Gaúcha, é centrada na relação entre dois casais que acabam intercambiando seus pares. Produção bem feita, reconstituição de época legal, atores competentes, em suma, não há muito do que reclamar, isso se estivermos em busca apenas de uma história bem contada, e só. Caso o nível de exigência seja um pouco maior, ficarão evidentes, entre outras fragilidades, a encenação engessada e a dramaturgia frágil na mesma medida. Levando em consideração que O Quatrilho perdeu o Oscar para o, sem dúvida, superior A Excêntrica Família de Antônia (1995), só mesmo alguém ufanista até os ossos para reclamar do resultado. – por Marcelo Müller
O Que é Isso, Companheiro? (1997)
Em 1998, o Brasil apareceu novamente no Oscar, apenas dois anos depois de ter sido lembrado pela Academia com O Quatrilho (1995). Completamente diferentes em ritmo e temática, os dois filmes dividiam algo em comum: o sobrenome. Enquanto o último era obra de Fábio Barreto, O Que é isso, Companheiro? tinha na batuta o irmão mais velho da dupla, Bruno Barreto. No longa, estrelado por Pedro Cardoso, Luiz Fernando Guimarães, Fernanda Torres e Claudia Abreu, era recontada a história do sequestro do embaixador norte-americano Charles Elbrick (Alan Arkin) durante a Ditadura Militar brasileira. Com bom ritmo e atuações acima da média, a produção chamou a atenção por ser uma das primeiras incursões do cinema nacional a respeito dos anos de chumbo do Brasil – num atraso de mais de década para se tratar de um período conturbado na nossa história. Ainda que seja criticado por dourar a pílula para o lado dos torturadores, o longa-metragem de Bruno Barreto era um filme policial de fôlego, muito bem construído. Acabou perdendo o prêmio para o longa holandês Caráter (1997), em um ano que concorriam produções da Rússia (O Ladrão), Espanha (Segredos do Coração) e Alemanha (A Música e o Silêncio). – por Rodrigo de Oliveira
Central do Brasil (1998)
Ainda que a maior festa do cinema mundial priorize particularmente a produção cinematográfica norte-americana, o Brasil já esteve por perto de abocanhar sua própria estatueta em algumas ocasiões. Nenhuma, no entanto, as possibilidades foram tão reais quanto no final do século XX, quando este longa dirigido por Walter Salles foi indicado em duas categorias: Melhor Filme Estrangeiro (a quarta vez em que concorremos) e Melhor Atriz (um feito inédito até então – e que segue até hoje), para a nossa maravilhosa Fernanda Montenegro. Ainda que tenha sido premiado nestes dois quesitos no Festival de Berlim, as coisas começaram a ficar realmente sérias quando ganhamos o National Board of Review – um dos mais importantes prêmios da crítica nos EUA. Depois veio o Globo de Ouro (Fernandona apenas indicada dessa vez, mas fomos premiados como Longa Estrangeiro), e, finalmente, o Oscar! Ainda que o italiano A Vida é Bela (1998), do trapalhão Roberto Benigni, e a novata Gwyneth Paltrow tenham surgido no caminho para frustrar essa tão esperada vitória, este era o filme certo para ser premiado, no melhor momento e ocasião possíveis: uma das nossas grandes atrizes, em uma história emocionante e universal. E que, ainda por cima, leva nosso nome no título. Poderia ter sido melhor? – por Robledo Milani
Cidade de Deus (2002)
Em 2003, a Academia cometeu uma das maiores injustiças na categoria de Melhor Filme Estrangeiro ao não indicar a produção de Fernando Meirelles. Pois a “vingança” veio no ano seguinte. A Miramax, distribuidora internacional do longa, lançou o filme nos cinemas norte-americanos, o que despertou um buzz pouco visto para um filme de fora do país. O resultado: quatro indicações no Oscar de 2004: Direção, Roteiro Adaptado, Montagem e Fotografia. Não levou nenhum para casa, mas deixou contentes não só os brasileiros, e sim qualquer cinéfilo que se preze ao reconhecer uma bela produção. Pois Cidade de Deus não apenas um filme muito bem feito. É um panorama econômico, político e cultural de um país que tem como um de seus pilares o problema com tráfico de drogas, a vontade de crescer da camada mais pobre da população (não importa por qual meio) e a falta de vontade de quem está no topo de que isso aconteça. Mesmo que seja lembrado por frases inesquecíveis como “Meu nome é Zé Pequeno!”, o que fica na memória desta excepcional história é como se organiza a pirâmide social do Brasil sem ter medo de apontar o dedo para a cara de todo mundo. Algo que poucos tem coragem de fazer. – por Matheus Bonez
Diários de Motocicleta (Diarios de Motocicleta, 2004)
Diários de Motocicleta, apesar de dirigido pelo brasileiro Walter Salles, não pôde representar o Brasil na categoria de Filme Estrangeiro no Oscar 2005 pois tratava-se de uma co-produção de muitos países e, segundo as regras vigentes na época, isso impedia o filme de ser submetido. No entanto, isso não impediu o road movie biográfico ser indicado ao prêmio de Roteiro Adaptado, e de quebra, ainda venceu Melhor Canção para a bela composição de Jorge Drexler, Al Otro lado del Rio. Na cerimônia, a música foi interpretada pelo ator Antonio Banderas e pelo músico Santana. Como o próprio nome já indica, é uma narrativa de memórias. Descrições e sentimentos postos em papel por um Ernesto Guevara antes de ser Che, estudante de medicina jovem, inconseqüente e imaturo que parte em uma viagem impulsiva pela América do Sul ao lado do amigo Alberto Granado. O filme conta com a lindíssima trilha de Gustavo Santaolalla, antes dos prêmios por O Segredo de Brokeback Mountain (2005) e Babel (2006), e com atuações excelentes (e subestimadas) de Gael Garcia Bernal e Rodrigo de la Serna. O que mais fascina nesta sensível e empolgante jornada é a maneira como o roteiro oscila entre o estudo intimista de personagem e a crua reflexão político-social. Salles opera este trânsito entre uma via e outra da maneira mais orgânica possível antes de abraçar de vez a segunda, quando homem e causa já não eram mais separáveis um do outro. – por Giordano Gio
Lixo Extraordinário (2010)
Concorrente brasileiro na categoria Melhor Documentário do Oscar 2011, o filme dirigido a seis mãos, entre elas a do cineasta brasileiro João Jardim, esta coprodução Brasil / Reino Unido foi a que melhor se saiu em premiações (28) e indicações (10) no saldo final. Contudo, quem levou para casa a cobiçada estatueta foi Trabalho Interno (2010), com outros 10 prêmios, entre eles os dos sindicatos dos Diretores e dos Roteiristas, além de outras 22 indicações. A produção narrada por Matt Damon explorou a crise econômica mundial que abalou os Estados Unidos, comprometendo a moradia e o emprego, enquanto o “nosso” documentário, premiado em Berlim, explorava um cenário mais podre, situado no aterro sanitário Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro. Mesmo com personagens sem glamour, as pessoas pobres socialmente, mas ricas de espírito, divertidas e, principalmente, emocionantes, eram um diferencial e tanto. Radicado no exterior, o artista plástico brasileiro Vik Muniz visava montar quadros gigantes de sucata e aproximar os catadores de lixo da arte. De quebra, apresentou um novo cenário, que se descortina também para você, que reconhece no brilho dos olhos deles uma alegria contagiante. E tal qual como se faz com o lixo, o filme recicla as emoções do espectador na medida em que a história cresce e o trabalho vindo do lixo vira um luxo. A boa trilha e edição eficiente reforçam esta “história” com começo, meio e final feliz de uma triste realidade que teima em não mudar. – por Roberto Cunha
Rio (2011)
Dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha – o mesmo de A Era do Gelo (2001), que já havia sido indicado ao Oscar de Melhor Animação – Rio é uma animação carismática que conta a história da arara azul Blu, que é trazida ao Brasil para se reproduzir e acaba perdida na “cidade maravilhosa”. Saldanha força um pouco a barra e encaixa na aventura um jogo de futebol que acontece paralelamente com o desfile das escolas de samba do Rio de Janeiro, que é pra não faltar nada de brasileiro na aventura, que ainda traz uma trilha empolgante baseada no ritmo do carnaval. O filme, que traz de forma divertida a imagem que os estrangeiros têm do Brasil, acabou não figurando entre os finalistas para Melhor Animação em 2012, mas foi lembrado na categoria Melhor Canção Original, com a música Real in Rio, de Sergio Mendes, Carlinhos Brown e Siedah Garret. Tamanho o sucesso que o longa-metragem ganhou uma continuação lançada no último ano, o menos eficiente Rio 2 (2014). – por Yuri Correa
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