No dia 26 de junho de 2015, uma decisão história foi tomada nos Estados Unidos: o casamento gay foi liberado em todo o país. A vitória de anos de luta respingou por todo o globo, inclusive na polêmica (sem motivo) “arcoirização” das fotos de perfil postadas no Facebook. Afinal, com o país de maior influência mundial garantindo esta igualdade entre todos, como não celebrar e, especialmente, reivindicar que o mesmo ocorra em outras regiões? Enquanto este sonho não vira realidade em diversos países, como aqui no Brasil (não confundir a união civil aprovada por juízes com direito garantido pela Constituição), onde a bancada fundamentalista emperra qualquer projeto a favor da ala LGBT, a equipe do Papo de Cinema também celebra vitória recomendando dez (de vários bons) filmes que tem no centro de sua ação o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo. Confira!
As Lágrimas Amargas de Petra von Kant (Die bitteren Tränen der Petra von Kant, 1972)
A admiração do alemão Rainer Werner Fassbinder pelos melodramas de seu compatriota, Douglas Sirk, começou a ficar mais evidente a partir deste longa. A adaptação da peça do próprio Fassbinder conta a história da personagem do título (Margit Carstensen), uma bem-sucedida e arrogante estilista, que passa a maior parte do tempo ao lado de Marlene (Irm Hermann) sua subserviente assistente. A rotina de Petra muda completamente quando conhece a bela jovem Karin (Hanna Schygulla), por quem se apaixona perdidamente, iniciando um relacionamento conturbado. Dividida em 5 atos, com elenco exclusivamente feminino e representada em cenário único, a obra não esconde sua origem teatral, mas Fassbinder e o diretor de fotografia Michael Baullhaus oferecem um cuidadoso exercício de mise en scène que realça a força de sua trama sobre as relações de dominação e submissão, com inversões de papéis, dentro de um convívio afetivo. O triângulo de amor e poder que se estabelece entre as personagens evidencia as principais qualidades do cinema de Fassbinder e tornou-se referência no estudo da representação da mulher e da homossexualidade feminina nas telas. – por Leonardo Ribeiro
Ligadas pelo Desejo (Bound, 1996)
Antes de estourarem em Matrix (1999), as irmãs Lilly e Lana Wachowski estrearam como diretoras neste thriller que já mostrava o enorme talento da dupla atrás das câmeras. A história está centrada em Corky (Gina Gershon) e Violet (Jennifer Tilly). A primeira acaba de sair da cadeia e é chamada para trabalhar como encanadora em um apartamento, enquanto a segunda é a namorada do mafioso Caesar (Joe Pantoliano), algo que não impede as duas de iniciarem um relacionamento. Juntas, decidem roubar uma enorme quantia em dinheiro antes que Caesar a repasse para seus superiores. Assim tem início um longa envolvente e com belos toques de neo-noir, com uma dupla de protagonistas simplesmente primorosa. Corky e Violet são personagens fortes e cheias de nuances, tendo em Gershon e Tilly intérpretes com uma ótima dinâmica em cena. Além disso, a sexualidade delas é tratada pelas diretoras com uma naturalidade admirável, o que se vê, por exemplo, nas quentes cenas de sexo que protagonizam. Este é, sem dúvida, um belo exemplar na rica (e até subestimada) filmografia de suas cineastas. – por Thomás Boeira
Hedwig: Rock, Amor e Traição (Hedwig and the Angry Inch, 2001)
Com uma jornada e tanto, Hedwig foi de um garoto gay introvertido que dormia ao lado da mãe para uma transexual punk e vocalista de uma banda de glam rock. Embarcando para a América após adotar a identidade materna, acabou fazendo alguns bicos como babá no país. Nesse meio tempo, conheceu o jovem Tommy, pelo qual se apaixona. Igualmente interessado por música, é iniciado no rock por Hedwig, que mostra a ele os melhores artistas e histórias sobre todo esse vasto mundo, inclusive revelando algumas de suas composições próprias. Em um baque, Hedwig descobre depois que o amado lhe roubou todo o seu repertório e se tornou um astro de proporções globais. Ela, então, decide partir em uma turnê própria por todos os lugares em que ele fizer shows mostrando que é a verdadeira autora por trás do astro de fachada que ele é. Belíssima obra de John Cameron Mitchell criada para a off-Broadway, é aqui muito bem adaptada e coloca Tommy e Hedwig como um casal conflituoso. Ela em busca de vingança, ele de certa forma arrependido, mas engolido pelos maneirismos da indústria musical que decidiu se inserir. Perdão e redenção são duas ótimas palavras para definir o casal que é muito bem embalado pelo hino “The Origin of Love“. – por Renato Cabral
O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005)
Jack Twist (Jake Gyllenhaal) e Ennis Del Mar (Heath Ledger) são cowboys que precisam se sujeitar a empregos pouco atrativos para conseguir grana. Os dois se conhecem quando arranjam um desses trabalhos ingratos: cuidar das ovelhas de um fazendeiro na montanha Brokeback. Com temperamentos bem diferentes, a amizade entre os dois começa de forma devagar. Até que uma noite, sozinhos no meio do nada, um desejo fortíssimo arrebata os cowboys que acabam transando naquela noite fria de inverno. O que parecia uma atração passageira, coisa de uma vez só, acaba se tornando uma história de amor. Afastados por um tempo e tentando viver suas vidas com suas mulheres, Ennis e Jack desejam se ver de novo. A trajetória de um amor impossível e, até então, diferente dos já usuais romances que víamos em Hollywood é a trama deste longa-metragem assinado por Ang Lee, vencedor de três Oscars e indicado a outros cinco, incluindo a Melhor Filme. Ledger e Gyllenhaal estão muito seguros em seus papéis e o roteiro nos leva por esta história de amor proibido, que surge de forma intempestiva e às vezes até violenta. A frase que estampava o pôster resumia bem: “O amor é uma força da natureza”. – por Rodrigo de Oliveira
Weekend (2011)
Quem acompanhava Looking, da HBO, não deve estranhar o formato deste longa, escrito, dirigido e editado pelo criador da série, Andrew Haigh. O cineasta parece entender muito bem das relações contemporâneas, especialmente entre homossexuais. Assim ele nos apresenta ao salva-vidas Russell (Tom Cullen) e o artista visual Glen (Chris New). O primeiro, assumido para poucos, mas sem vergonha da sua condição, apenas em um processo mais lento por viver entre heterossexuais. O outro já é mais despojado, experiente no meio, mas não quer saber de mais namorados. Eles se conhecem em uma boate, passam a noite juntos, transam e não conseguem mais se desgrudar depois. O que poderia ser apenas sexo casual se transforma em algo mais naquele fim de semana do título. Paixão? Amor? Desejo? Talvez nada ou tudo junto. Não há necessidade de dar nome àquela ânsia de querer estar juntos, mesmo que um deles precise ir embora. Afinal, com um sentimento tão forte, como mudar de última hora os planos para o futuro? O choro na estação é forte, emotivo, de alguém que segura demais as emoções até senti-las sufocarem. São conversas entre sexo, passeios, lanches, festas e algumas drogas. O filme tem uma condução e química dos atores principais que lembra muito Jesse e Celine da trilogia do Antes…, de Richard Linklater. Só resta saber se daqui alguns anos saberemos se o destino foi unir os dois ou não. A nós cabe torcer que sim. – por Matheus Bonez
Um Estranho no Lago (L’inconnu du Lac, 2012)
Durante nove dias num cenário isolado do interior da França, utilizado para encontros sexuais furtivos entre homens, Franck inicia uma amizade com Henri enquanto busca por algo mais sério com Michel. Com biótipo essencialmente masculino e um bigode setentista, este estranho no lago encanta o vulnerável rapaz, que se despe literal e metaforicamente para ele. Do encontro dos dois, pulsões, incertezas e um crime; sexo, morte e o desejo inerente por uma relação que parece predisposta à tragédia. Vencedor do prêmio de melhor direção na mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes, esta é a obra máxima de Alain Guiraudie, auteur francês festejado pelo suspense explicitamente erótico pautado em vivências e aspirações comuns à cultura homossexual. A ação transcorre no mesmo ambiente e absolutamente nada interrompe os principais símbolos do filme: a sexualidade, a excitação e a tensão. Elementos que, somados à violência retratada no universo unicamente habitado por homens, remete ao cultuado Parceiros da Noite (1980), de William Friedkin. Franck e Michel se tornam um improvável casal baseado na desconstrução do ideário romântico acerca do próprio romance: enquanto um lado espera pelo compromisso, o outro se esquiva do amor na casualidade orgânica do sexo. – por Conrado Heoli
Azul é a Cor Mais Quente (La Vie D’Adèle, 2013)
O amor entre a jovem estudante e a mulher de cabelos azuis surge avassalador, à primeira vista. Não tarda e elas engatam um relacionamento que avança como qualquer outro, com as alegrias do início dando lugar aos problemas que inevitavelmente surgem no meio do caminho. Óbvio que entre os obstáculos está o fato de ambas serem mulheres, motivo de piadas na escola e de algumas perseguições que mostram as tristes faces do preconceito. As cenas de sexo são bastante excitantes, essenciais para mostrar a intensidade do envolvimento das garotas numa dimensão carnal. As personagens de Léa Seydoux e Adèle Exarchopoulos se entregam sem pudores, explorando o corpo alheio para dar e retribuir prazer. O cineasta franco-tunisino Abdellatif Kechiche mostra, mais uma vez, sua capacidade quase irrepreensível de naturalizar o que o cinema tende, por vocação, a transformar em espetáculo. Emma, mais madura e calejada por outros namoros, entre os mais e menos felizes, proporciona a Adéle não apenas momentos quentes de sexo e excitação (pelos quais o filme de Kechiche é muito lembrado), mas põe a seus pés o mundo novo da paixão, ensinando-a, às vezes por vias tortas, o que realmente é a amar e ser amado. – por Marcelo Müller
Queda Livre (Freier Fall, 2013)
Marc (Hanno Koffler) é um policial em alta no seu trabalho. Além de aguardar uma promoção, enfrenta também um turno extra na academia de oficiais, visando melhorar seu desempenho. Lá conhece Kay (Max Riemelt). A intimidade entre os dois vai aos poucos crescendo até o ponto em que um beijo se faz presente. É quando começa a queda livre do título. Marc pode não se sentir gay, e talvez nunca tenha prestado atenção a esta orientação sexual, mas há algo que ele não pode negar: está, indiscutivelmente, apaixonado por Kay. E se esta é uma verdade contra a qual não pode ir contra, o que fazer com Bettina (Katharina Schüttler), sua esposa e mãe de seu filho? Pois o gostar de um não significa, necessariamente, o desgostar de outro. Ao menos não neste caso. Preconceitos, choques, e confrontos não são evitados, assim como não serão desprezados os desejos que irão unir – e talvez separar – estes dois homens. Assumir-se gay nunca é uma tarefa fácil, e este filme em nenhum momento esconde este fato. Mas muito mais difícil é ser honesto consigo próprio sem machucar, ou mesmo desrespeitar, aqueles que nos querem e estão ao nosso lado. Esta é a maior mensagem deste filme forte, porém nunca bruto. – por Robledo Milani
Hoje eu Quero Voltar Sozinho (2014)
Leonardo (Ghilherme Lobo), que é cego, pergunta a Gabriel (Fabio Audi), se ele se importa que ele tome banho com ele ali. Gabriel acha graça e diz que não, só para alguns segundos depois se pegar constrangido consigo mesmo ao constatar que teve uma ereção por estar ali, nu, junto com o amigo. Mas o embaraço do garoto, porém, fica apenas na diegese desta adaptação de Daniel Ribeiro para longa-metragem do próprio curta lançado pouco tempo antes, Eu Não Quero Voltar Sozinho (2010). Aqui fora, o diretor nos apresenta uma abordagem tão delicada e sensível da relação entre os dois, que é difícil – e muito triste – lembrar que na realidade um relacionamento entre dois meninos enfrentaria maiores problemas do que somente aqueles causados pela deficiência visual do protagonista. E Ribeiro está correto, longe de explorar a óbvia polêmica – que não desmerece nenhum dos muitos filmes que o fazem – preferindo nos contar a história de Leo e Gabi pela beleza de suas (auto)descobertas. Ao pedir ao espectador que faça uma suspensão de descrença em relação a ausência da factual estupidez e do conservadorismo social, nos presenteia com um raro estudo de relacionamento de personagens homossexuais – e adolescentes ainda por cima. – por Yuri Correa
O Amor é Estranho (Love is Strange, 2014)
Quando pensamos em retratos do relacionamento entre duas pessoas do mesmo sexo na ficção geralmente somos conduzidos à imagens de descoberta, do surgimento de um sentimento até então inesperado. Há diversos títulos à disposição de quem estiver interessado por este tipo de idealização do primeiro amor. Mas raros são os casos preocupados em registrar a união de dois homossexuais vencendo o árduo desafio do tempo. E menos ainda são os exemplos dignos de atenção. Neste caso, temos como destaque este sensível e emocionante filme dirigido pelo norte-americano Ira Sachs a partir do roteiro escrito pelo brasileiro Maurício Zacharias – os dois, aliás, namorados há anos na vida real. Com os ótimos John Lithgow e Alfred Molina como protagonistas, acompanhamos a trajetória de um casal que precisa se separar após uma crise financeira motivada pelo preconceito, obrigados a lidar com as saudades, a distância, a falta de compreensão dos amigos e familiares e as dificuldades que a própria idade avançada implica. Com um olhar clínico bastante apurado, descobrimos aqui o quão estranho é, de fato, o amor, que insiste em se fazer presente mesmo diante das condições mais adversas. E, no final, vencendo tudo e todos. – por Robledo Milani
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