Cinebiografias que relatam carreiras musicais do início ao fim são um dos grandes chamarizes de público que vai ao cinema. O exemplo mais recente é Jersey Boys: Em Busca da Música (2014), novo longa de Clint Eastwood que retrata a história da banda Four Seasons, uma das de maiores sucessos entre os anos 1960 e 1970. Grandes nomes da indústria fonográfica já chegaram às telonas, boa parte com incrível sucesso de público. Muitos, também de crítica. Aproveitando o gancho do filme que chega aos cinemas brasileiros esta semana, a equipe do Papo de Cinema se reuniu para pensar em dez dos melhores títulos sobre o tema. Será que o seu favorito está na lista ou ficou de fora? Confira!
Amadeus (1984)
Vencedor merecido de 8 Oscars, Amadeus mergulha na biografia de um dos compositores clássicos mais famosos da nossa história de maneira peculiar: através dos olhos de um homem que invejava os seus feitos. Este era Antonio Salieri, que aqui é vivido com fantástica entrega por F. Murray Abraham, que, mestre dos conhecimentos da forma musical, passa a ter sentimentos conflituosos em relação a Mozart (Tom Hulce, igualmente magnético em sua encarnação), cujo trabalho provém muito mais daquilo que lhe agrada aos ouvidos do que a música que se teria ao seguir o rigor da forma. E embora despreze seus modos irreverentes, Salieri tampouco consegue não se emocionar com as criações do outro. Com quase três horas de duração, o filme de Milos Forman jamais entedia, em parte graças à energia trazida pela narração de Murray Abraham, mas também por esta ser ritmada pelas composições de Wolfgang. Somadas, a narrativa de Amadeus engrandece em sentimento puro, e mesmo a quem a música clássica não agrada nem um pouco, deverá admitir que o longa-metragem é magnético o suficiente para hipnotizar. E que não se comece a falar dos quesitos técnicos, o que geraria muitos outros parágrafos, principalmente a deslumbrante maquiagem… – por Yuri Correa
La Bamba (1987)
La Bamba era figurinha carimbada nas sessões da tarde da década de 90. Cinebiografia do cantor norte-americano Ritchie Valens, o filme dirigido por Luis Valdez e protagonizado por Lou Diamond Phillips leva o título da música mexicana cuja adaptação para o rock and roll virou febre no final dos anos 1950. No longa, vemos a ascensão meteórica de Valens, filho de operários mexicanos que ganhou notoriedade exatamente por misturar rock com música latina. Acompanhamos, também, as mudanças ocasionadas pelo sucesso repentino, num percurso mais ou menos comum a alguém que passa de aspirante a astro. O diferencial aqui é o caminho inexorável para a tragédia, uma vez que Ritchie Valens morreu prematuramente aos 17 anos num acidente aéreo, na companhia de outros dois notórios cantores, Buddy Holly e J.P. Richardson, ocasião que mais adiante ficou conhecida como “o dia em que o rock morreu”. Relativamente bem recebido pela crítica, La Bamba dimensiona muito bem seu biografado e conta, como era de se esperar, com marcante trilha sonora. É uma ótima maneira de resgatar a importância de Ritchie Valens para o então cenário musical americano. – por Marcelo Müller
Backbeat: Os 5 Rapazes de Liverpool (Backbeat, 1994)
John Lennon e Paul McCartney formavam uma dupla musical imbatível. Amigos na adolescência, os garotos de Liverpool entrariam para a história como uma das mais bem sucedidas parcerias da música pop, formando ao lado de George Harrison e Ringo Starr os populares Beatles. Curiosamente, um dos filmes que mostra a formação do grupo e os anos antes do sucesso não coloca esta amizade em destaque, mas outra. A de John com o seu amigo artista plástico (e baixista de ocasião) Stuart Sutcliffe. Estamos falando, claro, de Backbeat: Os 5 Rapazes de Liverpool, longa-metragem dirigido por Iain Softley, com Ian Hart e Stephen Dorff encarnando os personagens principais. A mudança de recorte é bem-vinda, já que a história de Stu vale a pena ser contada. Durante as turnês que os Beatles faziam em Hamburgo, o então baixista da banda se apaixonou pela fotógrafa alemã Astrid Kirshherr (Sheryl Lee). Ela faria um dos primeiros ensaios fotográficos com os futuros astros da música e foi (direta ou indiretamente) responsável pelo corte de cabelo moptop, marca registrada do grupo. John Lennon, por sua vez, se encanta por Astrid e tem ciúmes da relação entre seu amigo e a moça. Softley imprime ritmo e consegue capturar bem aquela fase inicial dos Beatles, transformando as músicas daquela época em versões mais pesadas, sujas. Obrigatório para fãs do FabFour. – por Rodrigo de Oliveira
Cazuza: O Tempo Não Para (2004)
O sucesso de Cazuza: O Tempo Não Para tem um grande nome: Daniel de Oliveira e sua reencarnação como o poeta exagerado de todas as maneiras, desde o rebelde sem causa na adolescência ao raquítico corpo consumido pelo vírus HIV no fim de sua vida, mas nem por isso menos gracioso. Como toda cinebiografia que tenta abordar praticamente todos os aspectos e temporalidade de um famoso, muito é deixado de lado. A história colocada na tela aparenta ser muito mais leve do que foi a vida de Cazuza, mas nem por isso menos interessante. Seja por sua relação turbulenta com as gravadoras, o apoio incondicional dos pais ou o modus livin’ la vida loca de ser. Obviamente alguns momentos e relações de importância ficaram de fora, como seu caso amoroso com Ney Matogrosso, por exemplo. Porém, nem isto diminui a relevância do filme, que expõe a figura de Cazuza o máximo que pode, mesmo que este máximo seja não mostrar tanto de sua sexualidade (ou bissexualidade, como o longa aponta), aspecto dos mais polêmicos da vida do cantor. É um registro que emociona e causa paixão, assim como as músicas e a carreira de seu homenageado. Talvez o maior abandonado merecesse mais. Por enquanto, o que se tem está de ótimo tamanho. – por Matheus Bonez
Ray (2004)
Em Ray, a reação de qualquer um ao ver a forma como a clássica Hit The Road Jack é construída na cinebiografia de Ray Charles beira à completa emoção. Jamie Foxx e Regina King deixam o espectador embasbacado na completa homogeneização de sensações causados pela tensa cena em questão. E a presença dos dois em tela segue no mesmo nível: arrebatadora. A impressão que se tem ao observar Foxx em tela é que ele encarnou o espírito de Ray Charles e passou a atuar como um médium, tamanho a verossimilhança entre ator e músico. Os trejeitos, a entonação, tudo em sua atuação quase confunde o verdadeiro e o ilusório. Impecável, Foxx é o ponto mais alto do filme – é claro, levando em consideração que ele está retratando um indivíduo que por si só já é interessantíssimo. Entretanto, o filme não é apenas entusiasmo e comoção. Há momentos que incomodam. E muito. Méritos ao diretor Taylor Hackford que, na tentativa de contar dois momentos distintos da vida do protagonista, quebra o ritmo do filme com flashbacks desnecessários de sua infância. Infelizmente, ao terminar o filme você pensa: dava para ser melhor; tinha tudo para ser melhor. – por Eduardo Dorneles
2 Filhos de Francisco (2005)
Uma das produções nacionais de maior sucesso na última década, o longa dirigido por Breno Silveira aposta na emoção para conquistar até mesmo quem não é fã dos artistas em questão. Afinal, o subtítulo – A História de Zezé Di Camargo & Luciano – não deixa muitas dúvidas, e se serviu para atrair aqueles que curtem música sertaneja, deixou também muita gente desconfiada. Mas a boa notícia é que este é um filme universal, que vai além do regionalismo cancioneiro e se comunica com os mais diversos tipos de público. Ângelo Antônio, no papel do pai Francisco, mostra porque é um dos mais instintivos atores de sua geração, ao passo que coadjuvantes como Dira Paes, José Dumont, Jackson Antunes e Lima Duarte contribuem de forma decisiva para elevar o nível de qualidade da obra. Ao sermos convidados a acompanhar a trajetória dos irmãos Mirosmar e Welson, da infância humilde no interior de Minas Gerais, até a transformação em Zezé Di Camargo e Luciano e a consagração nacional, fazemos isso com impressionante desprendimento, conferindo um trabalho feito com muita sensibilidade e cuidado. E se o show final exigia a presença dos verdadeiros astros, este é apenas um presente a mais dentro de um conjunto dono de méritos inegáveis. – por Robledo Milani
Dreamgirls: Em Busca de um Sonho (Dreamgirls, 2006)
Apesar de não ser oficial, esta é a versão cinematográfica da jornada rumo ao estrelato de um dos grupos femininos de maior sucesso nos Estados Unidos na segunda metade do século XX: The Supremes! No entanto, ao invés de Diana Ross, Mary Wilson e Florence Ballard, temos estrelas contemporâneas muito apropriadas na relação: Beyoncé Knowles, Anika Noni Rose e Jennifer Hudson. Muito antes do diretor Bill Condon perder seu tempo com vampiros cintilantes ao crepúsculo, ele realizou essa adaptação do sucesso da Broadway que possui todos os altos e baixos tão comuns ao gênero, com o início humilde, as dificuldades de sempre, a fama descontrolada e as inevitáveis separações. Hudson, após ser eliminada do programa televisivo American Idol, ganhou com essa estreia cinematográfica o Oscar, o Globo de Ouro, o BAFTA, o SAG, o National Board of Review e o Critics Choice Award, , dentre tantos outros prêmios que o filme recebeu. E se não foram mais, é porque a carga dramática do roteiro – convencional, na melhor das hipóteses – não se equipara às incríveis performances conferidas em números musicais como os das canções Listen e And I Am Telling You I’m Not Going, que são de arrepiar. – por Robledo Milani
Não Estou Lá (I’m Not There, 2007)
Bob Dylan é um músico excepcional, sem dúvida alguma, e é curioso que sua carreira possa ser dividida em várias fases. Sabendo disso, o diretor Todd Haynes fez em Não Estou Lá uma cinebiografia atípica. Ao invés de simplesmente seguir a história do cantor ao longo dos anos, com um ator interpretando-o, o cineasta estruturou o roteiro que escreveu em parceria com Oren Moverman de forma que acompanhamos seis personagens, e cada um deles representa uma fase da vida de Dylan. Neste grupo vemos, por exemplo, o pequeno Woody (Marcus Carl Franklin) representando a admiração de Dylan por Woody Guthrie, e Jude Quinn (Cate Blanchett, indicada ao Oscar por sua atuação) na época em que o cantor passou a usar a guitarra elétrica. O resultado disso é absolutamente fantástico, de maneira que é difícil imaginar uma cinebiografia de Dylan ser feita de outra forma. Haynes capta a essência do músico folk fiel e brilhantemente, trazendo momentos bastante simbólicos, como a cena em que vemos Jude com uma metralhadora no lugar de sua guitarra. Bob Dylan certamente não poderia ter ganhado uma cinebiografia melhor. – por Thomás Boeira
Piaf: Um Hino ao Amor (La Môme, 2007)
Ignore os problemas de montagem que fazem o longa de Olivier Dahan dar saltos temporais que se perdem na tentativa de contemplar por inteiro a vida de um dos maiores nomes da música francesa e do mundo. A grande estrela de Piaf: Um Hino ao Amor é a fenomenal performance de Marion Cotillard, que ganhou o Oscar de Melhor Atriz e fez a atriz ser conhecida no mundo inteiro. A intérprete é a personificação da diva, não apenas na pesada maquiagem (também vencedora do prêmio da Academia), mas em todos os seus trejeitos, o modo de falar, a postura, a presença de palco. Porém, a produção francesa consegue ir além disto, não pela forma, e sim pelo intento. O mundo redescobriu as músicas da cantora, a começar por La Vie En Rose, título internacional do longa e que, inclusive, teve várias versões remixadas em boates e afins. É impossível não se emocionar, sentir pena ou até raiva desta figura emblemática, seja por seu passado sofrido, pelos ataques de estrelismo ou sua solidão. O filme em si é quadradinho demais até, mas a vida da miúda pardalzinha não. Um paradoxo que deu muito certo. – por Matheus Bonez
Somos Tão Jovens (2013)
Somos Tão Jovens não é um grande filme. A preocupação do roteiro em dar conta de tudo acerca de determinado período (grande) da vida de Renato Russo exclui, por pressa, dos momentos em si, um tanto de sua real importância. Há também olhar pudico, sobretudo com relação ao sexo. Contudo, há beleza no registro daquela geração emblemática do rock brasileiro. A gente vê não apenas a formação do Aborto Elétrico, que mais tarde, desmembrado, gerou Legião Urbana e Capital Inicial, mas um movimento da juventude em Brasília que, por acaso ou não, teve o rock como maior de seus emblemas. A insatisfação dos que não tinham nada a fazer no Planalto Central transformou-se em poesia, em riffs de guitarra. Renato Russo às vezes soa quase como moleque mimado e irritante na tela, mas quem disse que ele não era assim mesmo? As revoltas e chiliques desse “punk de apartamento” no seio da burguesia (assim ele é pintado), em nada diminuem seu talento poético. – por Marcelo Müller