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Top 10 :: Cinema Gaúcho

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No dia 27 de março de 1909, foi exibido no Cinema Recreio Ideal, em Porto Alegre, o primeiro filme produzido no Rio Grande do Sul: Ranchinho do Sertão, de Eduardo Hirtz. Essa projeção foi um verdadeiro marco, dando início à produção regional no país, fora dos grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro. Em comemoração a este feito histórico, o IECINE – Instituto Estadual de Cinema do RS – e a Fundacine – Fundação Cinema RS – instituíram a data como o Dia do Cinema Gaúcho, celebrada anualmente.

Em sintonia com o melhor da produção internacional, nacional e também local, o Papo de Cinema reuniu seus críticos para apontarmos os dez melhores longas já feitos no estado do Rio Grande do Sul. Em toda a sua história, é possível chegarmos a uma centena de títulos diferentes, desde clássicos inquestionáveis, como Vento Norte (1951), de Salomão Scliar, até os campeões de bilheteria estrelados por Teixeirinha – entre 1967 e 1981, o cantor estrelou mais de 10 longas, entre eles sucessos com mais de 1,5 milhão de espectadores!

A nossa diretriz para essa tarefa nada fácil foi escolher “qual o melhor filme gaúcho?”, na opinião de cada crítico. Para tanto, fomos além da mera questão da origem da produção, abrangendo toda e qualquer produção cinematográfica que contou com as cidades e pampas gaúchos como cenário para suas histórias e tramas. E os nossos eleitos são:

 

Deu Pra Ti Anos 70 (1981), de Giba Assis Brasil e Nelson Nadotti
Deu Pra Ti Anos 70 foi o pontapé inicial para toda uma geração de jovens talentos gaúchos, seja no cinema, seja na música. A efervescente cena artística do começo da década de 1980, com seus grupos de teatro, bandas em formação e cineastas em aprendizado, se revelou no longa-metragem dirigido por Nelson Nadotti e Giba Assis Brasil. Filmado em formato Super-8, mais barato e prático do que o profissional e tradicional 35mm, foi também a oportunidade do jovem gaúcho se ver pela primeira vez na tela do cinema. As dúvidas e angústias adolescentes, as festas e momentos de diversão, as gírias e, mais precisamente, os espaços que aquela juventude ocupava em Porto Alegre ou no litoral estavam na telona, de forma inédita até então. Com trilha sonora de Nei Lisboa e Augusto Licks (e várias músicas populares da década de 1970), o filme conta, de forma não linear, os encontros e desencontros de Marcelo (Pedro Santos) e Ceres (Ceres Victora) em um período de dez anos. Em meio a isso, as típicas agruras adolescentes, os movimentos estudantis, os sonhos e pesadelos da juventude e muito mais. Ainda que pareça amador para os olhos de uma plateia atual, continua divertindo e trazendo questões que interessam ao jovem – seja ele gaúcho ou não. – por Rodrigo de Oliveira

 

Heimweh/Nostalgia (1990), de Sérgio Silva e Tuio Becker
Desconhecido ou encoberto pela trajetória do diretor, Heimweh/Nostalgia é um filme tão especial quanto a estranheza do título sugere. Falado em alemão, a epopeia conta a história do jovem imigrante germânico que, para fugir da conturbada situação europeia do início do século XX, desembarca em Rio Grande e recomeça a vida. Sem família, língua ou terra, o filme narra o empenho para se reconstruir em um Estado inquieto – de expatriados, injustiçados e inconformados – incessantemente em reconstrução. O longa não apenas é o primeiro trabalho de fôlego de Sérgio Silva (Anahy de las Misiones, 1997, e Noite de São João, 2003), como conta com a participação de duas figuras decisivas para o cinema no Rio Grande do Sul: a do crítico de cinema Tuio Becker, que assina também o roteiro e a montagem, e a do talentoso Norberto Lubisco, diretor de fotografia. Apesar de tratar da memória e ter na relação com o passado o seu trunfo, Nostalgia não se limita ao campo afetivo. Esteticamente influenciado pelo cinema alemão dos anos 80, o filme consegue momentos de rara beleza, como nas cenas em que os rostos reservados se dilatam ao serem delatados pela ária, entoada ao fundo, ou ainda, nas cores e nos enquadramentos de Lubisco, pétreo e imponente, feito as melhores imagens sagradas. – Por Willian Silveira

 

Rocky & Hudson (1994), de Otto Guerra
Bem antes de O Segredo de Brokeback Mountain (2006), dois caubóis gays já foram estrelas de cinema – no caso, de uma animação gaúcha. Em meio à fama que o Estado tem de homens machistas e grosseiros surgiu esse casal um tanto atípico para os padrões: Rocky e Hudson, personagens do quadrinista Adão Iturrusgarai. Foi em 1994 que Otto Guerra decidiu transformar as polêmicas tirinhas em um média-metragem e deu no que deu: um filme de animação dinâmico, satírico e que ainda prova a capacidade do Rio Grande do Sul além da ficção, podendo muito bem realizar produções do gênero. Tanto que a produtora do diretor continuou surpreendendo plateias com o passar dos anos com seus trabalhos seguintes – Wood & Stock: Sexo, Orégano e Rock’n’Roll (2006) e Até que a Sbórnia nos Separe (2013), são bons exemplos. Resgatar Rocky & Hudson e as demais obras de Guerra é essencial para lembrar que existe um caminho para animações fora do usual tanto no Estado como no país e que proximamente poderemos ter mais contato com produções do tipo, já que um curso de Cinema de Animação existe atualmente no Rio Grande do Sul, na Universidade Federal de Pelotas. – por Renato Cabral

 

O Homem que Copiava (2003), de Jorge Furtado
Pense em um personagem que é a perfeita união dos elementos mais atraentes em um anti-herói. Imagine essa figura inserida em um contexto rotineiro e até despretensioso. Agora entregue essa narrativa a um dos diretores mais criativos no cenário nacional. O resultado dessa mistura é o excelente O Homem que Copiava, de Jorge Furtado, que conta com Lázaro Ramos, Pedro Cardoso, Leandra Leal e – a surpreendente – Luana Piovani no elenco. Ramos vive André, um operador de fotocopiadora de vinte anos de idade, que não tem dinheiro e nem coragem para convidar a doce Sílvia (Leal) para sair. Parece piegas, mas o que vemos na tela é uma ágil transposição de uma crônica que une cotidiano e desventuras policiais. Repleta de riquíssimas referências literárias (o roteiro cita Millôr Fernandes, por exemplo) e cinematográficas (Kieslowski, com Não Amarás, 1988, e Hitchcock, com Janela Indiscreta, 1954), Furtado entrega muito mais do que uma simples história de amor com comédia e ação, como muitos erroneamente definiram o filme. O Homem que Copiava é sobre alguém com a capacidade de contemplar o belo dentro de sua rotina e interagir com aquilo que passa desapercebido. No caso, a linda menina do apartamento da frente. – por Eduardo Dorneles

 

A Festa de Margarette (2003), de Renato Falcão
Muito antes do atual lançamento de filmes mudos e em preto e branco, como O Artista (2011) e Branca de Neve (2012), Renato Falcão roteirizou, produziu, fotografou, dirigiu e montou A Festa de Margarette. Arriscando tudo em uma obra oriunda de um sonho, fora dos padrões comerciais, o cineasta gaúcho radicado em Nova York elaborou uma trama surreal inspirada tanto pelo cinema do início do século XX quanto pela poesia imagética de Federico Fellini. Pedro (Hique Gomez, perfeito), pai de uma família pobre, sonhava em realizar uma grande festa de aniversário para a mulher, Margarette (Ilana Kaplan), quando foi demitido. Prestes a cancelar os planos, um golpe do destino provoca uma impensável reviravolta, transformando sua vida em uma mistura de fantasia e realidade da qual apenas a vovó (Carmen Silva) suspeitará. Rodado em super 16mm (vertido para 35mm) e em 18 quadros por segundo, garantindo uma estética semelhante a de filmes de 1910, o longa ganhou montagem ágil e trilha sonora constante, assinada por Hique. Ao melhor estilo Chaplin, tanto em questões de enredo quanto interpretação, Falcão faz uma crítica ao sistema capitalista, variando entre a comédia e o drama de forma natural. – por Danilo Fantinel

 

Sal de Prata (2005), de Carlos Gerbase
Carlos Gerbase é um dos cineastas gaúchos mais conhecidos nacionalmente, com um currículo recheado de roteiros para séries e especiais da televisão, curtas-metragens e longas como Tolerância (2000) e Sal de Prata. Este último, especialmente, apesar de ter dividido a crítica na época, é seu melhor trabalho e consegue fazer o que poucos no sul conseguem: elevar sua obra para além das terras gaúchas. A localização é o que menos importa para a trama a ser contada. O que vemos é a morte e renascimento do cinema, simbolizada na passagem para a era digital (não à toa a ironia do título, referência à substância que, hoje em dia, é pouco usada nos processos cinematográficos). Esta metalinguagem acontece sob os olhares de Cátia (Maria Fernanda Cândido), que se sente obrigada a entrar para o mundo do cinema após a morte do namorado, o cineasta Veronese (Marcos Breda). Enquanto ela descobre o que acontece passo a passo no set, a personagem também passa por uma jornada de autoconhecimento. Sal de Prata pode ter suas falhas, mas é um longa acima da média e que ainda conta com a presença da bela Camila Pitanga numa performance arrebatadora como a atriz Cassandra – aliás, mais uma ironia para um longa recheado de metáforas. – por Matheus Bonez

 

Ainda Orangotangos (2007), de Gustavo Spolidoro
O primeiro longa-metragem todo feito em plano-sequência do Brasil é gaúcho. Filmado em Porto Alegre, Ainda Orangotangos se passa no que seria o dia mais quente do verão (sim, pois no Sul, acreditem, também há calor, e muito, às vezes). A câmera do cineasta Gustavo Spolidoro passeia por diversos cenários da capital, registrando núcleos que parecem desconectados num primeiro momento, mas que têm em comum certa inclinação pelo estranho que habita o cotidiano. Do casal de imigrantes chineses incompreendido na viagem de trem às particularidades dos moradores de um edifício ao anoitecer, tudo em cena remete ao desbragamento, à certa anarquia bem-vinda que preenche as lacunas da metrópole. Para além de sua importância no que diz respeito à técnica, ao esforço necessário, de pré e pós-produção, dada as dificuldades inerentes e os imprevistos que poderiam intervir numa filmagem em que o “corta” é palavra proibida, temos um filme pulsante e orgânico, pois em consonância com as ruas e demais paisagens (físicas e psicológicas) de Porto Alegre. – por Marcelo Müller

 

Saneamento Básico: O Filme (2007), de Jorge Furtado
Um filme sobre a produção de um filme não é exatamente uma ideia original. Mas quando a trama em questão se passa no interior do Rio Grande do Sul, contando com a infraestrutura de uma produtora comum, dessas que fazem vídeo de casamento, e com um roteiro no mínimo absurdo (sobre um monstro do pântano), a coisa muda de figura. Foi esse o desafio encarado por Jorge Furtado com seu Saneamento Básico: O Filme. Mais do que uma comédia astuta e com um elenco afinadíssimo (Fernanda Torres, Wagner Moura, Bruno Garcia, Camila Pitanga e Lázaro Ramos, apenas para citar alguns), é também uma verdadeira aula de cinema. Do roteiro à pós-produção, é possível entender as complicações e o passo a passo de cada etapa, ao mesmo tempo em que se torce para que a maluca empreitada dos personagens dê certo e chame a atenção do governo para os problemas locais. Esse é, aliás, outro ponto interessante do longa: mostrar como o cinema, sendo arte, pode assumir contextos políticos. Um representante e tanto não apenas do cinema gaúcho, mas do Brasil. – por Dimas Tadeu

 

Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), de Esmir Filho
Situado em Lajeado, no interior do Rio Grande do Sul, Os Famosos e os Duendes da Morte traz no centro de sua narrativa o Menino Sem Nome (Henrique Larré), que passa a maior parte de seu tempo na internet na tentativa de fugir da entediante vida que leva em uma cidade pequena. Sua maior preocupação é descobrir como lidar com o recente suicídio da garota que gostava (Tuane Eggers). Baseado no livro do gaúcho Ismael Caneppele (que co-escreveu o roteiro e também atua no filme), este primeiro longa-metragem de Esmir Filho (que antes havia feito ótimos curtas, como Saliva e Alguma Coisa Assim) capta muito bem a realidade interiorana, ao mesmo tempo em que trata com sensibilidade seu protagonista e como ele se sente deslocado vivendo naquele lugar. Tudo isso num tom apropriadamente melancólico, que se deve em boa parte a ótima fotografia e ao ritmo mais calmo imposto pelo diretor, que conduz a história com uma segurança invejável. A produção, ainda que não seja 100% gaúcha, tem no estado seu cenário e sotaque, motivos mais que suficientes para lhe garantir lugar de destaque nessa lista. – por Thomas Boeira

 

Cinco Maneiras de Fechar os Olhos (2013), de Amanda Copstein, Emiliano Cunha, Filipe Matzembacher, Gabriel Motta Ferreira e Abel Roland
Apontado como o primeiro longa-metragem feito por estudantes universitários no Brasil, Cinco Maneiras de Fechar os Olhos é um projeto ambicioso em vários sentidos. São cinco diretores, diversas histórias sendo contadas simultaneamente, e um anseio maior: renovar a forma como se faz e, principalmente, se vê o cinema produzido no Rio Grande do Sul. Não é o melhor filme já feito no estado, mas a fuga da proposta original deste ranking só é possível quando se reconhece neste longa a imagem e os diálogos de uma nova geração que ainda tateia em busca de seu lugar devido. Os caminhos que aponta para serem trilhados nos próximos anos seguem virgens, mas soam nítidos e prontos para serem desbravados. Temas como insatisfação profissional, desencontros familiares, orientações sexuais e relações de amizade e amorosas se constroem e se desfazem ao sabor do vento, num retrato íntimo e acurado de uma identidade ainda em formação, mas tranquila em relação a esse processo de constante mudança. – por Robledo Milani

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