O cinema adora falar de si. Chega a ser paradoxal como artistas e diretores conseguem criticar o meio que, de uma hora para outra, o tira do topo e os atira no meio da rua – e, sim, nada melhor que a cena inicial de Crepúsculo dos Deuses, 1950, um dos filmes citados aqui, para exemplificar isto. Não é apenas Hollywood que é perversa, mas todo o jogo de produção e estrelismo que a maioria dos espectadores não acompanha quando assiste a uma produção pronta na telonas. Mas também há espaço para falar bem disso tudo. Afinal, grandes artistas estão por trás das telas e merecem reconhecimento por sua paixão pela criação através da imagem. Nesta semana, dois filmes que tratam do assunto chegam às grande salas: o brasileiro O Último Cine Drive-In e o americano Entourage: Fama e Amizade, inspirado na série televisiva de sucesso. Então, nada melhor do que aproveitar a deixa para selecionarmos os dez melhores filmes que retratam os bastidores, bons ou ruins, da máquina cinematográfica. Será que o seu título favorito está aqui? Confira!
Crepúsculo dos Deuses (Sunset Blvd., 1950)
Dirigido pelo genial Billy Wilder, o filme estrelado por Gloria Swanson conta a história de como a excêntrica atriz interpretada por ela acaba por trazer para morar consigo o roteirista Joe (William Holden). Norma quer que o homem, que precisa de um lugar pra ficar, escreva para ela um roteiro que a traga de volta ao estrelato. Uma vez famosa em filmes mudos, ela acabou caindo no esquecimento de Hollywood e pretende fazer um grande retorno. Esta obsessão vai guiar Norma e o destino de Joe durante o resto do filme, enquanto a relação dos dois se estreita e assume contornos mais sombrios. Claramente usando o seu roteiro para discutir o próprio meio, Wilder não se poupou de inserir figuras como Buster Keaton e Cecil B. DeMille interpretando a si mesmos para garantir que estava situando o universo paranoico da atriz em mundo real, usando-o para comentar algo que de fato ocorreu a muitos intérpretes. Cheio de cenas e referências clássicas, Crepúsculo dos Deuses é uma obra que, como a maior parte do trabalho de Wilder, sobreviveu ao tempo e ainda é de uma abordagem contemporânea. – por Yuri Correa
Cantando na Chuva (Singin’ in the Rain, 1952)
Cantando na Chuva é um clássico icônico. Mencionar o filme quase imediatamente faz com que venha em mente a famosa sequência da canção título, enquanto Gene Kelly dança e canta com toda a energia que contribuía para seu brilhantismo. Mais do que esse magnífico momento isolado, o longa é retrato divertidíssimo do período em que o cinema estava passando dos filmes mudos para os falados. Vendo o sucesso feito pela tecnologia de som, um grande estúdio de Hollywood decide usá-la na nova produção de suas duas maiores estrelas, Don Lockwood (Kelly) e Lina Lamont (Jean Hagen). Cantando na Chuva, então, parte para usar sua imensa criatividade para brincar com situações comuns daqueles anos (como o fato de nem todos os astros do cinema mudo terem uma voz bonita), ao mesmo tempo em que contagia com sua história cativante e números musicais inesquecíveis. O filme pode não ter recebido todo o crédito que merecia quando lançado originalmente, mas o tempo tratou de consertar isso e coloca-lo como um dos musicais mais importantes que o cinema já produziu. – por Thomás Boeira
A Noite Americana (La Nuit Américaine, 1973)
Com um humor delicadamente cínico e completamente satírico, François Truffaut retrata em A Noite Americana os prazeres e agruras do fazer cinematográfico pela perspectiva que ele tão bem conhece: a da direção. Uma vez na função, ele deve explorar sofrimentos reais de seus atores para conquistar interpretações mais inspiradas, dialogar livremente entre artistas e contadores e domar difíceis espécies, como uma protagonista bêbada ou um gato que resiste em colaborar com a marcação de uma cena. No panteão de filmes sobre os bastidores da sétima arte, a mordaz comédia de Truffaut acompanha as neuroses de qualquer set como em 8 ½ (1963) e a nostalgia agridoce de Cantando na Chuva (1952). Entre os maiores trunfos do eterno enfant terrible, o timing precioso para capturar todas as idiossincrasias, duelos de egos e dilemas comuns da pré-produção à edição de uma peça cinematográfica, que tornam o espectador ciente da artificialidade com que o mundo é pensado, construído, manipulado e retratado pelos cineastas. Com atores do calibre de Jean-Pierre Léaud, Jacqueline Bisset e do próprio Truffaut, A Noite Americana é um poema sobre como um filme se torna um filme; um verdadeiro tributo a este caótico universo, completamente digno de seu Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. – por Conrado Heoli
A Rosa Púrpura do Cairo (The Purple Rose of Cairo, 1985)
Todo mundo tem um filme que assistiu dezenas de vezes. Muitos, de tanto assistir, já até sabem as falas e as situações de trás para frente. Mas por mais que você tenha visto e revisto um filme, algum dia um personagem já olhou para você e perguntou o porquê da insistência em assisti-lo? Melhor ainda. Saiu da tela e interagiu com você? Bom, é isso que aconteceu à Cecília neste clássico dirigido por Woody Allen. Vivida por Mia Farrow, Cecília é uma mulher com uma vida difícil, que tem apenas o cinema como válvula de escape. Quando A Rosa Púrpura do Cairo é exibido em sua cidade, ela o assiste inúmeras vezes. Tom Baxter (Jeff Daniels), um dos personagens do filme dentro do filme, não se segura e fala com Cecília, abandonando a tela e seus parceiros de cena, querendo conhecer o mundo real. Essa situação é só o ponto de partida para muitas outras confusões envolvendo Gil Shepherd, o ator que interpreta Tom no filme, e os demais personagens dentro de A Rosa Púrpura que não sabem o que fazer sem a figura de ligação das situações da trama. Uma dramédia deliciosa, brincando muito bem com a linguagem cinematográfica. – por Rodrigo de Oliveira
Cinema Paradiso (Nuovo Cinema Paradiso, 1988)
Este filme é uma ode de Giuseppe Tornatore à importância afetiva do cinema. Um cineasta relembra seus tempos de garoto na pequena cidade da Sicília em que descobriu a luz projetada na tela e os mundos nela contidos. Sua amizade com o projecionista local, um homem de irritabilidade proporcional à ternura, é o fio condutor dessa rememoração motivada pelo anúncio da morte. Embaladas pela trilha sonora de Ennio Morricone, as lembranças dão conta de uma época pré-televisão, na qual o cinema reinava não apenas como espaço de audiência, mas também de encontros. Os namorados que pouco viam o filme, as senhoras carolas escandalizadas com qualquer parte do corpo descoberta, os garotos que faziam planos para entrar nos filmes considerados proibidos, tudo está ali, paralelo à educação sentimental do menino que encontra no cinema seu propósito. O filme homenageia o lado mais romântico da sétima arte, a sensação transformadora, às vezes puramente emocional, de quem se conecta com a tela. A censura dos beijos é, talvez, o elemento melhor utilizado do ponto de vista da engenharia do roteiro, pois simboliza a um só tempo a influência da igreja, sua necessidade de atribui ao desejo a face do diabo, e ainda garante um encerramento de beleza singular. – por Marcelo Müller
O Jogador (The Player, 1992)
Robert Altman é um iconoclasta, portanto não poderia se esperar dele uma visão romantizada sobre o cinema. As lentes do veterano se voltam aos bastidores de Hollywood, à sordidez que serpenteia nos corredores dos estúdios. O plano sequência inicial, de quase sete minutos, registra pessoas falando a respeito de tomadas longas em filmes antigos. Tim Robbins interpreta um executivo da indústria pressionado por sequentes fracassos de bilheteria. Cada vez mais encurralado, ele mata o roteirista que acredita ser quem o chantageia. A partir daí, a trama assume um viés policial, com o figurão tentando encobrir os rastros de seu crime, ao passo que vemos toda sorte de tipos presentes nos esquemas das grandes produções. Anjelica Huston, Burt Reynolds, John Cusack e Susan Sarandon são alguns dos atores que fazem participação especial interpretando a si mesmos. A investigação e o próprio crime são McGuffins, ou seja, apenas elementos que ajudam a impulsionar a trama. O que realmente importa é o olhar ferino que Altman lança sobre os bastidores nem sempre amigáveis, geralmente selvagens, da produção hollywoodiana. Aclamado como retorno do cineasta aos bons e velhos tempos, é um filme irônico e mordaz, uma obra-prima repleta de autocrítica. – por Marcelo Müller
Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive, 2001)
Betty (Naomi Watts), uma garota do interior que sonha em ser atriz, viaja para Los Angeles para ficar na casa da tia, uma renomada artista do ramo que está em férias. Chegando lá, encontra Rita (Laura Harring), uma vítima de acidente de carro que perdeu a memória. Enquanto ajuda a nova amiga a descobrir pistas sobre seu passado, a aspirante precisa ensaiar para seu grande teste no filme de um famoso diretor (Justin Theroux). Este, por sinal, está sendo coagido pela máfia a aceitar uma novata sem talento para estrelar sua produção. Após duas horas de mistérios que envolvem tensão sexual, um cadáver, o Clube Silêncio e uma chave azul, a trama muda completamente e as protagonistas trocam de nome e personalidade para uma história, supostamente, mais realista – mas não menos tensa. David Lynch realiza com esta produção não apenas uma crítica ao status quo de Hollywood e a teia de aranha em que os envolvidos se emaranham, como também retrata um caso de amor que vira crime passional. Tudo misturado num intrincado jogo de quebra-cabeças com personagens duplos que eleva ainda mais o cinema como arte. Ao mesmo tempo, entretém o espectador, que deve ficar atento ao pequenos detalhes para (tentar) entender o que se passa. Uma obra-prima das mais esclarecedoras sobre o jogo de aparências que é o meio cinematográfico. – por Matheus Bonez
O Artista (The Artist, 2011)
O Artista é um filme sensacional e uma homenagem ao cinema. A história aborda o drama de George Valentin (Jean Dujardin), um astro do cinema mudo, que não consegue – e nem quer – se adaptar a novidade do cinema falado. Extremamente vaidoso e orgulhoso, o ator acredita que as pessoas se sentam nas salas para vê-lo e não a película. Aos poucos, porém, ele vai descobrindo que não é bem assim. Sua vida vai de mal a pior e ele fica totalmente transtornado quando a atriz Peppy Miller (Bérénice Bejo), que ele encorajou e ajudou, se torna uma estrela e sua produção é um completo fracasso. No fim, ainda tem espaço para a era dos musicais. O diretor Michel Hazanavicius, que também assina o roteiro, consegue nos mostrar e encantar com a magia do cinema e, como Zimmer (John Goodman) diz no final do filme, é “perfeito!“. A trilha sonora composta por Ludovic Bourcesobre, além de maravilhosa, casa perfeitamente com a montagem, a metalinguagem é bem utilizada em alguns momentos, as alusões que a obra traz são muito interessantes e as atuações são de altíssimo nível. A forma como O Artista nos lembra e toca com a magia e a experiência única e emocionante do cinema é algo fenomenal. – por Gabriel Pazini
A Invenção de Hugo Cabret (Hugo, 2011)
Além de ser um dos mais importantes cineastas em atividade, Martin Scorsese é também uma figura atuante na preservação da memória cinematográfica e, antes de tudo, um cinéfilo apaixonado. Estas três facetas estão em evidência neste longa que narra a história de Hugo Cabret (Asa Butterfield), um órfão que vive escondido na estação de trem de Paris nos anos 30. Além de manter o relógio do local funcionando, o garoto passa os dias à procura de uma chave que possa ligar um antigo robô deixado por seu falecido pai. Em sua busca, ele faz amizade com Isabelle (Chloë Grace Moretz), afilhada de um lojista da estação e que possui o item que Hugo tanto deseja. A declaração de amor de Scorsese aos pioneiros do cinema se dá pela figura do lojista, ninguém menos do que Georges Méliès (um Ben Kingsley perfeito), que ao relembrar sua trajetória transporta o público para uma viagem através da magia da sétima arte. Scorsese incorpora também o espírito “ilusionista” do criador de Viagem à Lua (1902), ao realizar seu primeiro filme em 3D, resultando em uma das melhores utilizações da técnica até hoje, que potencializa a experiência imersiva desta incrível e nostálgica homenagem. – por Leonardo Ribeiro
Argo (2012)
“O filme era falso. A missão era real”. Essa foi a frase usada para apresentar o terceiro longa-metragem dirigido pelo astro Ben Affleck. Após ganhar o Oscar pelo roteiro de Gênio Indomável (1997), Affleck decidiu se tornar um astro de Hollywood. Tudo o que conseguiu, no entanto, foi aparecer em alguns tantos projetos de resultados questionáveis. Somente quando decidiu investir na carreira de diretor é que conseguiu se reinventar e conquistar o respeito dos colegas e do público. Com apenas duas experiências anteriores no currículo, ele pegou uma inacreditável história real como tema do projeto seguinte, mostrando como uma equipe de cinema coordenada por um agente da CIA foi responsável por salvar um grupo de americanos presos em Teerã durante a crise do Iraque no início dos anos 1980. O mundo estava prestes a explodir em plena Guerra Fria, os ânimos estavam alterados por todo o mundo, e foi uma história de ficção científica estapafúrdia a desculpa perfeita para espiões se infiltrarem disfarçados sob a forte vigilância do país inimigos e, assim, realizar um resgate dado por muitos como impossível. E pra completar, levou ainda três Oscars como recompensa: Melhor Roteiro, Montagem e Filme do ano. – por Robledo Milani
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