Presentes em diversas mitologias, dragões são criaturas que povoam o imaginário humano há muitos séculos, geralmente com suas formas reptilianas, capacidade de voar e cuspir fogo. Essas forças da natureza, com potencial literal e simbólico, foram aproveitadas inúmeras vezes pelo cinema, com uma boa variedade de perfis. Já tivemos dragões essencialmente predadores, de impossível convivência com o homem; versões antropomórficas; exemplares mais semelhantes a animais de estimação, enfim, a lista é grande e plural. Com a chegada às telonas brasileiras de Meu Amigo, O Dragão, nova produção dos estúdios Disney, baseada no longa homônimo de 1977, o Papo de Cinema resolveu escarafunchar desde o fundo do baú para eleger os dez melhores dragões do cinema. Tem dragão para todos os gostos. Confira.
Falkor, de A História Sem Fim (1984)
O saudoso filme oitentista de Wolfgang Petersen tem em si muitos elementos de uma fantasia escapista típica dos contos de fadas. Seu protagonista, Bastian (Barret Oliver), é um menino que busca aventuras através da leitura de um livro. Depois da viagem que faz ao mundo de Fantasia, ele vai se deparar com diversas criaturas mágicas e estranhas. Uma delas – talvez a de maior carisma – é Falkor, o dragão de feições caninas. A compleição do personagem é curiosa e de fácil digestão para o público, uma vez que a associação com um animal de estimação comum é bem maior do que a com um bicho reptiliano. Dublado brilhantemente por Alan Oppenheimer, Falkor (ou Falco, segundo a dublagem brasileira clássica) é o principal meio de transporte de Bastian e sua função é também a de aconselhar o protagonista, dada a sua sabedoria e o seu conhecimento sobre a terra de Fantasia, servindo de elo com o mundo original do personagem. A fuga via leitura do livro A História Sem Fim é metalinguística, não só em relação ao romance de Michael Ende como na construção visual do Dragão ditoso, que inspira confiança tanto no personagem quanto no público assim que aparece em tela. – por Filipe Pereira
Draco, de Coração de Dragão (1996)
No filme de Rob Cohen há discussões sobre inúmeras sensações humanas, como ambição, ganância e traição de ideais, no entanto o personagem mais bem enquadrado e representado é um feito por efeitos digitais. Draco é magistralmente dublado por Sean Connery e, apesar de suas compleições monstruosas, é o ser mais humanizado e sentimental do longa-metragem. Sua trajetória não é exatamente épica, mas sim inspiradora e emocional. Serve de mentor para Bowen (Dennis Quaid) que, por sua vez, era o mestre do pretenso protagonista, Einon (David Thewlis). Draco é puro carisma, sua personalidade é magnética e sua imagem monopoliza o interesse do público neste pequeno clássico da Sessão da Tarde, ajudando a aumentar o escopo de fantasia previsto na abordagem de Cohen, pontuado, aliás, por indicações e prêmios em virtude de seus efeitos especiais. Apesar de não ser um primor, o roteiro permite ao público digerir a história por ele mesmo, e essas sutilezas emulam toda a construção do ethos de Draco, que é o símbolo máximo desse subestimado filme. – por Filipe Pereira
Mushu, de Mulan (1998)
Dublado em sua versão em inglês por Eddie Murphy, o pequeno e atrapalhado dragão é peça-chave na trama sobre a guerreira chinesa. Servindo também como um hilário alívio cômico, Mushu representa o espírito guardião da família da personagem principal, os Fa. Com um passado que o condena por ações falhas, ele é renegado à posição de assistente dos ancestrais da família, encarregado de funções tais como acender incensos e tocar o gongo. Porém, é dele que surge a motivação principal da trama: convencer Mulan a representar o velho pai na guerra afim de poupá-lo e, assim, orgulhar o clã. Com segundas intenções, o dragãozinho quer também subir de cargo entre os ancestrais guardiões. Logo ele é colocado como responsável pela garota, por protegê-la de qualquer mal ou infortúnio junto do grilo Gri-Li. Mushu é um dos personagens mais carismáticos e impulsivos do universo da Disney, com muitos diálogos inteligentes e irreverentes. Apesar de ser coadjuvante, rouba a cena a todo o momento. Vale lembrar as cenas em que, travestida de homem no campo de batalha, Mulan recebe conselhos e um treinamento engraçadíssimo e totalmente clichê para se portar como um homem. Os aconselhamentos se mostram tão ruins quanto cômicos, fazendo com que a personagem seja vista como muito impopular entre os soldados guerreiros. – por Renato Cabral
Haku, de A Viagem de Chihiro (2001)
A animação de Hayao Miyazaki voltou a tornar o Studio Ghibli uma verdadeira atração para o mundo ocidental, ainda mais após vencer o Oscar na categoria. A história é de Chihiro, a mimada garota de 10 anos que se perde com os pais durante uma mudança de cidade. Chegando a uma estranha construção, eles resolvem comer numa barraca abandonada e repleta de alimentos. A menina vai explorar a região e quando volta vê os membros de família transformados em porcos. É através da ajuda de Haku, um garoto de 12 anos, que ela começa a explorar esse mundo recheado de seres fantásticos, uma grande casa de banho para espíritos, tentando descobrir uma forma de reverter seus pais à forma original. Ué, mas e o dragão? O cartaz do filme denuncia, mas ele demora a aparecer. Ou melhor, a entendermos que ele é o próprio Haku, dragão sob o domínio de Yubaba, uma bruxa amaldiçoada. É a amizade entre Chihiro e Haku que conduz esta história de amadurecimento e perda da inocência com o garoto/dragão sendo uma grande metáfora de todas as lições que a protagonista precisa aprender – e consegue. – por Matheus Bonez
Os de Reino de Fogo (2002)
Tendo em seu elenco nomes hoje consagrados, tais como Christian Bale, Matthew McConaughey e Gerard Butler, o filme-catástrofe dirigido por Rob Bowman é recheado de dragões, ameaças que rapidamente dizimam boa parte da raça humana após a descoberta de um deles vivo no subsolo de Londres. As criaturas aqui vistas são extremamente hostis e perigosas, destituídas de qualquer traço além da fúria materializada nas labaredas que reduzem a coletividade a uns poucos resistentes que planejam contra atacar afim de recuperar a soberania. Se apenas um dragão já pode fazer estragos consideráveis, o ataque de uma horda representa bem mais que terror momentâneo. As criaturas deste longa-metragem se reproduzem rapidamente, enchendo o céu de medo. Mesmo já passados quase quinze anos desde a estreia da produção, e que de lá para cá os efeitos especiais tenham evoluído de maneira impressionante, a técnica digital então empregada, que torna possível a existência cinematográfica de seres tão ricos de detalhes, é bastante convincente, permitindo um quê de verossimilhança que desarma nossa descrença. É como se o dragão, feito mostro, estivesse realmente na nossa frente, tocando o terror. – por Marcelo Müller
Banguela, de Como Treinar o Seu Dragão (2010 e 2014)
Houve um tempo em que humanos e dragões eram inimigos mortais. Caçados como verdadeiras pragas, os animais alados e cuspidores de fogo não tinham espaço algum no universo dos vikings. Até que uma amizade improvável mudou tudo. É nesse mundo fantástico que residem os personagens dessa cinessérie comandada por Dean Deblois e Chris Sanders, diretores do primeiro (2010), segundo (2014) e futuro terceiro longa (2018) protagonizados pelo humano Soluço (voz de Jay Baruchel) e o dragão Banguela. Em uma franquia na qual os dragões são personagens principais, Banguela é um show à parte. Ao assistir ao filme, é impossível não ficar encantando por aquele “Fúria da Noite”. O dragão tem uma expressividade no olhar que não só salva sua vida no primeiro contato com Soluço, mas que desarma totalmente o espectador. Guardadas as devidas proporções, Banguela tem um carisma que se aproxima muito do E.T. de Steven Spielberg, personagem que não necessitava de palavras para conquistar o público. Seu poder estava no olhar. Aliás, Banguela não deixa de ser um alienígena naquele contexto. É uma figura temida e eliminada pelos vikings e que ganha uma chance graças à compaixão de Soluço. Um grande personagem em uma série de filmes divertidíssima. – por Rodrigo de Oliveira
Os de Contos de Terramar (2006)
Dragões são apenas algumas das muitas criaturas míticas da produção assinada pelo clássico Stúdio Ghibli, que ainda apresenta entre seus protagonistas feiticeiros, guerreiros, príncipes, criaturas mágicas e muitos outros arquétipos indissociáveis de aventuras fantásticas. Ainda assim, são os gigantes alados que ilustram os elementos centrais da narrativa dirigida por Goro Miyazaki – filho do mestre Hayao Miyazaki – que adapta os primeiros quatro livros de uma saga escrita por Ursula K. Le Guin. O longa-metragem acompanha as aventuras de Arren, um príncipe jovem e problemático que, tomado por forças inexplicáveis, assassina seu próprio pai na sequência de abertura da animação. Ele foge e é resgatado no campo por um feiticeiro que se torna seu mentor na busca por uma maneira de restaurar o equilíbrio no reino em que eles vivem, então ameaçado pela invasão de dragões que habitam um universo paralelo. Enquanto sugere uma alegoria à arrogância humana, a produção tece uma crítica velada às ameaças ambientais como o aquecimento global e a poluição. Animado tradicionalmente a muitas mãos, o filme apresenta uma paleta de cores aquareladas belíssima. A exuberância dos dragões salta aos olhos quando eles incursionam pelo mundo dos humanos, batalhando entre si próprios e com aqueles que os ameaçam. – por Conrado Heoli
Saphira, de Eragon (2006)
Apesar de empregar nomes grandes como John Malkovich e Jeremy Irons, a adaptação cinematográfica da obra do escritor Christopher Paolini não foi exatamente um sucesso. A bilheteria morna fez com que o estúdio desistisse da ideia de continuar adaptando a saga, os fãs dos livros não gostaram das mudanças e a crítica também foi pouco gentil. Em geral, é consenso que a história do jovem fazendeiro que encontra um ovo de dragão é muito pouco original. O filme é composto quase inteiramente por clichês trazidos da literatura fantástica e a trama carrega uma semelhança quase inacreditável com o primeiro capítulo da saga Star Wars, Episódio IV – Uma Nova Esperança (1977). Um dos poucos pontos positivos, entretanto, é exatamente o que chama Eragon (Ed Speelers) à aventura: a “dragoa” Saphira, personagem animada que conta com a interpretação de voz da britânica Rachel Weisz. Criada por meio de computação gráfica – e surpreendentemente realista considerando que a produção já tem dez anos de idade -, a criatura serve como guia e protetora do protagonista, comunicando-se com ele pela conexão que a permite ler pensamentos. Única figura minimamente interessante da trama, Saphira é um vestígio de originalidade numa obra que acrescenta quase nada ao gênero. – por Marina Paulista
Smaug, da trilogia O Hobbit (2012, 2013, 2014)
Ele é o grande vilão da trilogia O Hobbit. E quando dizem “grande”, querem dizer enorme mesmo. Smaug é um dragão à moda antiga, menos uma besta selvagem e feroz do que uma representação daquilo que surge quando se une ganância e poder. Ele é a tirania em forma de monstro. Obcecado pelo ouro que roubou dos anões da Montanha Solitária, o lagartão é arrogante, despótico e explosivo – e ganha esses contornos muito bem definidos devido a excelência das criações digitais da Weta, empresa de efeitos especiais fundada por Peter Jackson quando este ainda produzia O Senhor dos Anéis. Porém, esse poderio tecnológico apenas traduz a interpretação corporal e vocal de Benedict Cumberbatch, ator já habitualmente imponente, que voltou aqui a “contracenar” com Martin Freeman depois que os dois foram lançados ao mundo com o seriado da BBC, Sherlock. Smaug é o catalisador da trilogia protagonizada por Bilbo (Freeman), apesar de sair de cena antes que ela chegue ao momento derradeiro. A bem da verdade, ele não tem mais do que algumas poucas cenas, mas sua presença é sentida durante todos os três filmes, fazendo-o não só um vilão de respeito, como também um dragão memorável no cinema. – por Yuri Correa
Elliot, de Meu Amigo, O Dragão (2016)
Na esteira do sucesso de produções como Mogli: O Menino Lobo (2016), a Disney dá continuidade à estratégia de revisitar e modernizar os clássicos de seu catálogo com esta nova versão do filme homônimo de 1977. Ainda que com algumas mudanças, a trama básica permanece, trazendo a história do garoto Pete (Oakes Fegley) que após perder os pais em um acidente automobilístico, passa a viver na floresta tendo a companhia de seu único amigo, Elliot, um dragão gigante e verde. Se valendo do avanço dos efeitos digitais para a criação da mágica criatura – que no original ganhava forma através da animação tradicional, interagindo com os atores – este remake aposta no ditado que diz que “o cachorro é o melhor amigo do homem”, aproximando ao máximo a concepção de Elliot de uma figura canina: os pêlos, as expressões, os movimentos corporais. Tudo faz com que a dinâmica com Pete lembre aquela entre um cão e seu dono, algo remanescente do Falkor de A História Sem Fim (1984). Uma proposta que funciona perfeitamente para atrair o público, gerando uma figura simpática e cativante que, apesar de dócil, tem a chance de apresentar seu poder de fogo no movimentado clímax da aventura. – por Leonardo Ribeiro