Grandes nomes estrangeiros há décadas participam de produções brasileiras dando um toque diferenciado às mais diversas produções. Recentemente o sueco Stellan Skarsgard participou de Vermelho Brasil (2014), co-produção brasileira com a França, Canadá e Portugal, na pele do explorador francês Nicolas Durand Villegagnon (1510-1571). Entre outras participações recentes estão a de Michael Madsen em Federal (2010) e do alemão Clemens Schick no polêmico Praia do Futuro (2014). Com tanta “gente de fora” em longas nacionais, a equipe do Papo de Cinema resolveu escolher os dez filmes (em ordem cronológica) essenciais sobre o tema. Confira!
Jeanne Moreau – Joanna Francesa (1973)
Um dos maiores nomes do cinema francês, Jeanne Moreau já tinha carreira consolidada quando recebeu o convite do brasileiro Cacá Diegues para viver a dona de um prostíbulo em São Paulo que se apaixona por um rico fazendeiro e larga tudo para viver com ele no interior de Alagoas. Personagem forte e autoritária, Joanna causa antipatia e desejo nos moradores daquela região, inclusive um dos filhos de seu parceiro. Ao mesclar esta história de amor às avessas com a crise do engenho daquela região brasileira, Cacá Diegues aponta para um pessimismo em relação ao ser humano, o que chega a destoar de boa parte de sua cinematografia. Uma curiosidade é que, por conta da dublagem na época, quem faz a voz de Joanna é ninguém menos que Fernanda Montenegro. O filme recebeu da Associação Paulista dos Críticos de Arte os prêmios de Melhor Roteiro Original e Melhor Música para a composição de Chico Buarque. – por Matheus Bonez
Marcelo Mastroianni – Gabriela, Cravo e Canela (1983)
Marcello Mastroianni, ator que contribuiu com a obra de grandes cineastas italianos, tais como Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Mario Monicelli, entre tantos outros, foi convidado pelo brasileiro Bruno Barreto para viver o libanês Nacib na adaptação cinematográfica do romance Gabriela, Cravo e Canela, de Jorge Amado. Uma escolha questionável, nunca pelo talento inegável do italiano, mas pelo desencaixe entre seu perfil e o do personagem que veio a interpretar. Claro que ter um nome como o de Mastroianni na relação de atores já é garantia de certa atenção internacional. Infelizmente, Gabriela (1983) é mais lembrado por essa presença ilustre do que estritamente por méritos cinematográficos. Também parece que a Mastroianni o papel do libanês apaixonado pela retirante que lhe trairá com o maior conquistador da pequena Ilhéus não acrescentou nada muito além do da experiência de filmar no Brasil, embora, reza a lenda, ele tenha sido contra a mudança das filmagens da Bahia original para o Rio de Janeiro. – por Marcelo Müller
Raul Julia e William Hurt – O Beijo da Mulher-Aranha (1985)
Dirigido por Hector Babenco, a história se passa durante a ditadura militar brasileira e é quase toda ambientada na cela de uma prisão onde estão encarcerados dois homens, Valentin (Raul Julia) e Molina (William Hurt). Enquanto o primeiro é um ativista político ligado a um grupo secreto de resistência, o segundo é um indivíduo que prefere fantasiar com filmes românticos, dos quais a trama não poupa de dividir com o colega prisioneiro. De personalidades distintas, existe ainda entre eles a homossexualidade de Molina, que acusa certos preconceitos mesmo no liberal Valentin. É um filme que funciona graças à química entre seus atores, principalmente aquela vinda de Hurt. Embora com menos força devido à fragmentação de sua presença, afinal, interpreta três personagens diferentes, Sônia Braga faz às vezes das mulheres idealizadas por estes dois homens fora dali, sejam elas pessoas reais, como Marta, ou a figura elegante e dramática de um filme nazista em quem Molina se espelha. E há espaço até mesmo para Milton Gonçalves, que não tropeça no sotaque. Tudo colocado com cuidado no contexto político-social da época, que se mais profundamente analisado, faz de O Beijo da Mulher Aranha uma obra ainda mais admiravelmente complexa. – por Yuri Correa
Alan Arkin – O Que é Isso, Companheiro? (1996)
Em 1969, durante a Ditadura Militar, um grupo de guerrilheiros que lutavam contra o regime sequestrou o embaixador americano no Brasil, Charles Burke Elbrick, com o objetivo de trocá-lo pela liberdade de alguns presos políticos. O ocorrido veio a ser relatado por Fernando Gabeira no livro O Que é Isso, Companheiro?, que por sua vez foi adaptado para o cinema em 1997 pelas mãos de Bruno Barreto. Apesar de ter sido indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1998, O Que é Isso, Companheiro? não chega a ser um grande filme. No entanto, um de seus pontos positivos é sem dúvida o ator escolhido para interpretar o embaixador americano. Alan Arkin é um cara que dispensa comentários, e aqui ele até tem uma participação importantíssima por dar credibilidade e peso dramático ao personagem, de um jeito que só um ator como ele poderia trazer. E o fato de ele estar no elenco certamente ajudou na carreira internacional do filme, inclusive diante dos membros da Academia.- por Thomás Boeira
Amy Irving – Bossa Nova (2000)
Nesta elegante comédia romântica dirigida pelo então marido Bruno Barreto, Amy Irving é Mary Ann Simpson, ou Miss Simpson, como é chamada, norte-americana que ensina inglês no Rio de Janeiro. Entre cenários e personagens que lembram as telenovelas de Manoel Carlos, a personagem vive casos amorosos até conhecer, ao acaso, Pedro Paulo (Antônio Fagundes), um advogado recém separado da mulher que se matricula nas aulas de Mary Ann para conquista-la. Bossa Nova não é um grande filme, mas um agradável passatempo que valoriza o lado glamoroso do Rio de Janeiro, centrando suas atenções nas regiões de Copacabana, Ipanema e Leblon. Amy Irving é carismática a ponto de querermos saber mais sobre sua personagem, resultando numa boa parceria com o então marido atrás das telas. Vale destacar também a personagem Nadine (Drica Moraes), nerd que vive romances virtuais e que é a melhor amiga de Miss Simpson. – por Matheus Bonez
Anthony Quinn – Oriundi (2000)
Ricardo Bravo não é um nome de muito destaque no cenário cinematográfico nacional, ainda que tenha conquistado uma posição de respeito. Apesar de só ter dirigido um longa-metragem – até hoje, ao menos – ele foi responsável por trazer o grande Anthony Quinn ao Brasil – mais especificamente ao estado do Paraná – para participar do longa Oriundi. O papel – um patriarca de uma grande família italiana que pressente seus últimos dias após a chegada de uma estranha semelhante demais com aquela que foi o grande amor de sua vida – é reverencial ao extremo, como uma simbólica e emocionante homenagem brasileira ao astro mexicano vencedor de 2 Oscars. Este se tornaria seu último trabalho como protagonista – Quinn viria a falecer no ano seguinte à estreia do filme nos cinemas, tendo contabilizado em sua filmografia apenas mais um título, como coadjuvante de Sylvester Stallone. Por aqui, no entanto, ele teve companhias bem mais ilustres – Paulo Autran, Paulo Betti e até o filho Lorenzo Quinn – e uma oportunidade que permitiu um vislumbre do grande talento que conquistou fãs de todo o mundo por mais de meio século. – por Robledo Milani
Vincent Cassel – À Deriva (2009)
Praticamente um brasileiro. Assim deve se sentir Vincent Cassel, habitué das praias da Bahia e do Rio de Janeiro – onde, inclusive, possuía residência ao lado da ex-esposa, a italiana Monica Bellucci. Premiado com o César – o Oscar da França – e presença constante em Hollywood – em filmes de destaque como Cisne Negro (2010) – Cassel começou esse namoro com o nosso país ao aceitar o convite de Heitor Dhalia para interpretar Mathias, um homem de meia idade bem casado (com Débora Bloch) que vive um caso extraconjugal (com a americana Camilla Belle) ao mesmo tempo em que precisa lidar com a filha adolescente (Laura Neiva) a partir do momento em que ela fica a par da crise familiar. À Deriva foi indicado como Melhor Filme ao Grande Prêmio Brasil de Cinema e é um sensível retrato sobre amadurecimento pessoal. A parceria do astro francês com o Brasil deu tão certo que em breve terá mais dois capítulos: ele não só está presente no elenco múltiplo do coletivo Rio Eu Te Amo (2014) – em um episódio dirigido por Fernando Meirelles – como deverá também ser o protagonista de O Grande Circo Místico (2015), novo filme de Carlos Diegues, em que irá aparecer ao lado de Jesuíta Barbosa e Lázaro Ramos. Tá bom ou quer mais? – por Robledo Milani
Miranda Otto – Flores Raras (2013)
Miranda Otto possui uma carreira vasta, tanto no teatro quanto no cinema. Mas foi apenas depois de interpretar Eowyn, princesa que, inclusive, mata em batalha um dos temidos Nazgûl, na franquia O Senhor dos Aneis (2001 a 2003), que a australiana virou um rosto conhecido mundialmente. Surpreendeu-se, porém, quem imaginou ela ser apenas talhada para um tipo de papel, ou para coadjuvar sem muito destaque. Sua atuação em Flores Raras (2013), do brasileiro Bruno Barreto, é justo o oposto de sua guerreira rohirrim. Interpretando a poetisa americana Elizabeth Bishop, Miranda apresenta um trabalho muito sólido de composição de personagem. Não é fácil trafegar entre a melancolia e a genialidade, como ela bem faz ao incorporar Bishop, sem soar vítima ou vilã, ou seja, exaltando as contradições da personagem. Mesmo falado boa parte em inglês, Flores Raras é genuinamente brasileiro, e um dos recentes que mais se beneficiou da presença estrangeira em seu elenco. – por Marcelo Müller
César Troncoso – A Oeste do Fim do Mundo (2013)
A Oeste do Fim do Mundo ainda não estreou, é verdade. Tem marcado presença em diversos festivais e arrancado elogios, principalmente, pela atuação taciturna do uruguaio César Troncoso. Na trama, o ator vive o calado Leon, homem que trabalha em um posto de gasolina isolado na Argentina. Quando uma viajante brasileira (Fernanda Moro) chega ao local precisando de ajuda, ele acaba a auxiliando, iniciando um relacionamento pouco convencional. Troncoso tem se mostrado presença constante em produções nacionais, desde que estrelou, em 2007, a co-produção O Banheiro do Papa, com direção do também uruguaio César Charlone. Com Paulo Nascimento, diretor de A Oeste do Fim do Mundo, fez uma pequena participação no filme Em Teu Nome (2009), mas teria oportunidade de mostrar melhor seu talento em Hoje (2011), dirigido por Tata Amaral, no qual dividia a tela com uma inspirada Denise Fraga. Rosto cada vez mais familiar pela audiência brasileira (já fez até novelas globais), Troncoso teve breves, porém marcantes, participações em Faroeste Caboclo (2013) e O Tempo e o Vento (2013). – por Rodrigo de Oliveira
Clemens Schick – Praia do Futuro (2014)
Ator conhecido da televisão alemã e vilão em 007: Cassino Royale (2006), Clemens Schick desembarca em Praia do Futuro (2014) como aqueles marujos que, entre assustados e maravilhados, reconhecem a nova terra timidamente, passo a passo. O último filme do diretor brasileiro Karim Ainouz (O Céu de Suely, 2006, e Viajo Porque Preciso, Volto Porque te Amo, 2009) traz Schick como Konrad, o alemão que, de passagem pelo Brasil, torna-se essencial para o drama existencialista que se desenvolve. Ele é o desconhecido, o mistério, a fuga – o encontro. Depois de um acidente durante o seu turno, o salva-vidas Donato (Wagner Moura) conhece Konrad. A relação envolve morte a paixão – paixão que é por onde se morre a primeira vez. Longe de casa, Donato quer saber quem é. Abandonado pelo irmão mais velho, Ayrton (Jesuíta Barbosa) tem a resposta: um egoísta. Konrad é Josef K., o culpado sem culpa: culpado pela frieza ríspida das feições, pelo cativante português imperfeito, pela cinzenta Berlim. – por Willian Silveira