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Muitos esperam anualmente o anúncio dos indicados ao Oscar. Não menos numerosa e apaixonada é a parcela de cinéfilos que chega a fazer apostas sobre os filmes que desfilarão no tapete vermelho do Festival de Cannes, um dos mais prestigiados o mundo, senão o mais. Óbvio, existe um abismo entre o prêmio hollywoodiano e o certame francês, embora, no fim das contas, ambos sirvam, cada qual dentro de interesses bem específicos, de vitrine aos filmes. A Palma de Ouro é, sem dúvida, uma láurea cobiçada, inclusive por cineastas inseridos à margem da indústria, que produzem, muitas vezes, em centros de pouca tradição cinematográfica. Mas, repassando a lista de todos vencedores, veremos que Cannes é plural, pois de lá já saíram vitoriosas, praticamente, obras do mundo todo. Aliás, já trouxemos esse caneco para cá, o que certamente é motivo de orgulho. O festival chegou em 2017 à sua 70ª edição. E o grande vencedor deste ano foi The Square (2017), do sueco Ruben Östlund. Resolvemos escolher dez grandes Palmas de Ouro do passado. Confira!

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O Pagador de Promessas (1962)
O ator e diretor Anselmo Duarte nem precisaria da Palma de Ouro em Cannes para ter seu nome marcado em nossa cinematografia. Trabalhou na Atlântida, na Vera Cruz, notabilizando-se como um dos maiores galãs brasileiros. Mas, a carreira como realizador, que não se resume ao filme laureado na França, tratou de oferecer outros aspectos à perpetuação de sua obra. Voltando ao feito mais celebrado, o principal prêmio em Cannes, até hoje o único outorgado a um filme brasileiro, foi comemorado como taça de Copa do Mundo de futebol quando o realizador desembarcou no Brasil. Anselmo desfilou em carro aberto e foi amplamente saudado pela imprensa. E não é para menos. Ele desbancou pesos-pesados, como Michelangelo Antonioni, Robert Bresson, Luis Buñuel e Sidney Lumet. Os cinemanovistas, muito provavelmente por despeito, fizeram pouco da conquista, não perdendo oportunidades – especialmente Glauber Rocha, antes entusiasta, depois detrator do longa-metragem – para “denunciar” a falta de qualidade da produção. Ironicamente, reza a lenda que em Cannes o então presidente do júri, François Truffaut, fez uma força danada para a obra de Anselmo sair vitoriosa, sobretudo a fim de valorizar o novo cinema que nascia na América Latina. – por Marcelo Müller

 

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O Leopardo (Il gattopardo, 1963)
Clássico absoluto do mestre italiano Luchino Visconti, este longa , baseado no romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, sintetiza como poucos o conceito de épico histórico. Na Sicília, em 1860, durante o conturbado período do Risorgimento, que buscava a unificação italiana, o príncipe Don Fabrizio Salina (Burt Lancaster) testemunha a transformação gradativa da sociedade por ele conhecida, com o processo de decadência da nobreza, à qual pertence, e a ascensão burguesa. Uma transição simbolizada pelo casamento arranjado entre seu sobrinho, Tancredi (Alain Delon), e a exuberante Angelica (Claudia Cardinale), filha da burguesia local. O fim dessa era, tão sentido pelo envelhecido príncipe, é retratado com um requinte hipnótico por Visconti, fazendo com que a magnitude das discussões políticas propostas seja refletida na grandiosidade da produção. Povoando sequências de puro deleite visual, como a do baile final, com seus mais de 45 minutos, o cineasta conta com atuações magníficas do trio protagonista, além de coadjuvantes como Terence Hill. Uma obra ímpar, responsável pela propagação da antológica frase “As coisas precisam mudar para continuarem as mesmas”, e por dar a Visconti a Palma de Ouro num ano em que, entre outros, disputavam dois prodigiosos conterrâneos: Marco Ferreri e Ermanno Olmi. – por Leonardo Ribeiro

 

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Os Guarda-Chuvas do Amor (Les parapluies de Cherbourg, 1964)
Uma das maiores inspirações de Damien Chazelle para a criação de La La Land: Cantando Estações (2016), este coloridíssimo musical de Jacques Demy é doce, melancólico e apaixonante. Em seu primeiro grande papel no cinema, Catherine Deneuve vive Geneviève, jovem de 17 anos que trabalha na loja de guarda-chuvas de sua mãe e vive um intenso romance com Guy (Nino Castelnuovo), humilde mecânico. Os planos de matrimônio do casal, porém, são interrompidos quando o rapaz é convocado pelo exército para servir por dois anos na Argélia, sendo assim obrigado a deixar a namorada grávida em Cherbourg. O formato escolhido por Demy pode incomodar àqueles que não gostam particularmente de musicais, já que a narrativa é cantada do início ao fim e embala até mesmo os diálogos mais banais em valsas e melodias de jazz. Mas, mesmo com certo estranhamento inicial, o espectador logo se acostuma à linguagem das canções; afinal, tudo é tão belo e convidativo que é quase impossível não se encantar e se deixar levar pela atmosfera da história. Visualmente deslumbrante, este musical é uma experiência única, com excelentes atuações do casal principal e um desfecho triste, mas belíssimo.  – por Marina Paulista

 

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Táxi Driver (1976)
Em 1976, se alguém ainda precisava de um atestado de que Martin Scorsese era um nome a ser acompanhado, a Palma de Ouro em Cannes foi essa chancela que faltava. Aquele foi um ano bem forte no festival francês, com grandes cineastas na disputa do prêmio. Títulos de Carlos Saura (Cria Corvos), Ettore Scola (Feios, Sujos e Malvados), Alan Parker (Quando as Metralhadoras Cospem), Éric Rohmer (A Marquesa d’O), Wim Wenders (No Decurso do Tempo) e Roman Polanski (O Inquilino) concorriam à Palma de Ouro, mas não foram páreo para a visão soturna e urbana de Scorsese (e do roteirista Paul Schrader) para o inesquecível personagem de Robert De Niro, Travis Bickle. Na trama, Travis é um ex-fuzileiro naval que ganha a vida como motorista de táxi à noite, visto que não consegue dormir por causa de uma insônia crônica. Depois de tentar sem sucesso um romance com a bela Betsy (Cybill Shepherd), ele acolhe em sua asa a jovem prostituta Iris (Jodie Foster), enquanto bola planos para o atentado contra um senador. “You talkin’ to me?” é, até hoje, uma das falas mais bombásticas e copiadas da história do cinema. – por Rodrigo de Oliveira

 

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Apocalypse Now (1979)
Francis Ford Coppola foi um dos diretores que encabeçaram o movimento de renovação do cinema norte-americano, comumente denominado Nova Hollywood. Opondo-se ao classicismo da Era de Ouro, levando às telas as demandas sociais dos anos 60/70, abordando temas ligados à contracultura, como as marcas da Guerra do Vietnã, a revolução sexual, entre outros, essa geração inspirou-se formal e tematicamente nas vanguardas europeias que vieram um pouco antes. Portanto, o reconhecimento no Festival de Cannes sempre foi importante para os então jovens, porém poderosos, cineastas. Coppola já havia levado uma Palma de Ouro para casa por A Conversação (1974). Cinco anos mais tarde, desembarcou na Croisette com seu épico existencialista de guerra, produção tão conturbada quanto grandiosa. Com justiça, ganhou novamente o prêmio máximo de um dos mais prestigiados festivais de cinema do mundo – então dividido com o alemão O Tambor, de Volker Schlöndorff – entrando para o seletíssimo grupo dos realizadores bicampeões. A jornada do Capitão Willard (Martin Sheen) em busca do desaparecido Coronel Kurtz (Marlon Brando) pela selva do Camboja é um mergulho profundo nos absurdos da guerra, considerado por muitos o maior longa-metragem do gênero, no sentido de grandeza artística. Felizmente, foi reconhecido em Cannes, este palco privilegiado. – por Marcelo Müller

 

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Paris, Texas (1984)
A admiração de Wim Wenders pelo cinema e pela iconografia geográfica norte-americana ganhou sua melhor representação nesta que se tornou uma das mais cultuadas obras da carreira do cineasta alemão, bem como da década de 80. Situado no árido deserto texano, captado pela fotografia de Robby Müller em toda a sua glória, o enredo, concebido pelo ator Sam Shepard, se vale da vastidão do cenário para evocar a solidão de seu protagonista, Travis (Harry Dean Stanton), andarilho encontrado pelo irmão Walt (Dean Stockwell) após ser dado como desaparecido por quatro anos. Esse sumiço, causado pelo trauma do divórcio da mulher, Jane (Nastassja Kinski, estonteante), resultou no abandono de Hunter (Hunter Carson), filho do casal. Wenders cria uma jornada de readaptação ao mundo, com Travis tentando reconquistar o afeto do filho, embalada pela trilha sonora de Ry Cooder e pela temática da incomunicabilidade. Elemento externado na atuação magistralmente melancólica de Stanton, que permanece sem qualquer diálogo por mais de 20 minutos de projeção. Com um longa visualmente arrebatador, repleto de cenas marcantes, como encontro de Stanton e Kinski na sala de espelhos de uma boate, Wenders conquistou Cannes, levando, além da Palma de Ouro, o Prêmio do Júri Ecumênico. – por Leonardo Ribeiro

 

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Pulp Fiction: Tempo de Violência (Pulp Fiction, 1994)
Por seu segundo longa-metragem, Quentin Tarantino já ganhava a tão cobiçada Palma de Ouro no Festival de Cannes, recebendo a honraria ao concorrer com títulos de nomes como Abbas Kiarostami (Através das Oliveiras), Krzysztof Kieslowski (A Fraternidade é Vermelha), os irmãos Joel e Ethan Coen (Na Roda da Fortuna), Zhang Yimou (Tempo de Viver) e Giuseppe Tornatore (Uma Simples Formalidade). O segundo trabalho no cinema, especialmente quando vindo após uma grande estreia, como foi Cães de Aluguel (1992), sempre carrega maior responsabilidade, como se todos quisessem saber se o resultado inicial foi talento ou sorte. No caso de Tarantino, é muito talento. Principalmente por saber retrabalhar inúmeras referências e transformá-las num verdadeiro caldo pós-moderno, intenso, violento, por vezes engraçado e sempre muito inteligente. Não é muito difícil entender o porquê do júri presidido por Clint Eastwood ter dado o prêmio a este longa. O elenco tem nomes como John Travolta, Samuel L. Jackson, Uma Thurman e Bruce Willis em performances ímpares; a narrativa é não linear, mas usada em favor da história, não apenas como um recurso estilístico; a câmera de Tarantino, com seus enquadramentos singulares e movimentos ousados nos fazem passear por aquele mundo; sem falar da trilha sonora impecável, trazendo verdadeiros resgates do passado. – por Rodrigo de Oliveira

 

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A Árvore da Vida (The Tree of Life, 2011)
Terrence Malick nunca foi um cineasta convencional, seus filmes sempre foram singulares. Alinear, poética e muitas vezes contemplativa, sua linguagem encontrou um modo muito próprio de fazer o espectador construir a trama na sua cabeça, pois sempre se dirigiu mais ao coração que à lógica – sim, seu cinema é quase apenas sensorial. Mas não se engane, é preciso pensar e refletir muito sobre as emoções que ele causa para poder entender do que Malick está falando. E por mais que tenha produzido trabalhos tão belos como Cinzas no Paraíso (1978) e Além da Linha Vermelha (1998), é este filme que se destaca como sua irretocável obra-prima. Usando sua (a)típica narrativa ao máximo, sugere a ideia de que a trama nos é contada pelo fluxo de pensamentos dos personagens. Constrói então, a partir das vivências da família O’Brien, respostas complexas para questionamentos clássicos da humanidade, surgidos do confronto entre razão e emoção, religião e ciência – graça e natureza. Não fossem méritos suficientes, Malick faz isso ao som da trilha sacra de Alexandre Desplat (auxiliado por uma cuidadosa seleção de faixas) e sob a fotografia brilhante de Emmanuel Lubezki. – por Yuri Correa

 

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Amor (Amour, 2012)
Para um filme que leva no título um dos sentimentos mais retratados no cinema, a obra do cineasta austríaco Michael Haneke pode parecer, num primeiro momento, apenas outra narrativa sobre um casal que se ama. Porém, o grande vencedor da Palma de Ouro de 2012 vai além, levando a palavra amor a outros patamares. A relação entre Anne (Emmanuelle Riva) e Georges (Jean-Louis Trintignant) é mostrada de maneira carinhosa, deixando claro: há mais que simplesmente companheirismo entre os dois. Mas a doença vai degenerar as lembranças de Anne, mudando mais que o cotidiano de Georges, alterando a sua alma. Ele passa a ver a esposa com um novo olhar e se dá conta de sua própria finitude. Tintignant e Riva estão brilhantes em suas atuações, mas não se pode deixar de lado a força das cenas construídas por Haneke e a movimentação de sua câmera, sempre acompanhando de perto, quase acalentando os personagens. Uma amostra de que nem só de juventude vive o cinema. Todas as idades merecem a tela, assim como todas as formas de amor. – por Bianca Zasso

 

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Azul é a Cor Mais Quente (La vie d’Adèle, 2013)
Amadurecer. Parece somente outro verbo ordinário, contudo rende as histórias mais marcantes de nossas vidas. O filme do tunisiano Abdellatif Kechiche, o mesmo de O Segredo do Grão (2007), é baseado na graphic novel da autora Julie Maroh sobre as descobertas sexuais de uma adolescente que, em meio às novas sensações, precisa encarar os problemas que a chegada da vida adulta acarreta. Mais lembrado pelas cenas de sexo lésbico-realistas, o longa-metragem se afasta um pouco do material original por render-se a clichês ligados ao relacionamento entre duas mulheres, retratando mais o aspecto fetichista que propriamente o afeto entre Adèle e Emma, interpretadas respectivamente por Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux, elas que dividiram o prêmio de atuação na Riviera Francesa, assim atingindo uma consagração conjunta. Lindamente fotografado por Sofian El Fani nos mais diversos tons de azul, sempre simbólicos da passagem do tempo e também das mudanças de pensamento da protagonista, o filme é, antes de tudo, uma jornada em busca de si mesmo por meio dos relacionamentos e, mais ainda, dos rompimentos que crescer acarreta. – por Bianca Zasso

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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