Cerca de 250 filmes, 60 países marcando presença com suas produções, mostras temáticas divididas em 20 salas de cinema, arenas e espaços abertos do Rio de Janeiro. Até o dia 14 de outubro acontece o Festival do Rio 2015, uma das maiores mostras do Brasil que marca forte presença nos cenários nacional e internacional com sua variedade e qualidade de projetos em exibição. Criado a partir da fusão do Rio Cine Festival (surgido em 1984) e da Mostra Banco Nacional de Cinema (criada em 1988), o festival já premiou dezenas de filmes em seus 16 anos de existência. Com mais uma mostra ocorrendo, a equipe do Papo de Cinema se reuniu para escolher os melhores longas nacionais já premiados na categoria principal. Confira!
Contra Todos (2004)
A idéia é curiosa: os atores de aceitaram participar do filme sem terem lido o roteiro antes. Isso porque este simplesmente não existia. O diretor Roberto Moreira tinha, em sua mente, mais ou menos delineada a história que pretendia contar. Mas essa foi, basicamente, construída a partir das improvisações do elenco durante as filmagens. Antes de cada cena Moreira explicava, separadamente, a cada um dos atores, a situação do personagem naquele momento e o que ele queria deste. A partir desse momento, quando a luz se acendia e a interação entre os presentes no foco começava, tudo poderia acontecer. No centro da ação está uma família composta pelo pai, filha e a nova esposa dele. Tem o melhor amigo, o vizinho da casa ao lado, uma colega de escola da menina. Todos são moradores da periferia, classe média baixa. Aos poucos as máscaras sociais vão sendo reveladas, como camadas que gradualmente são descobertas. A esposa tem um amante. O marido, evangélico fervoroso, é, paradoxalmente, matador de aluguel. E a garota não está nem aí com o que se sucede ao seu redor. Contra Todos é, enfim, uma experiência. É inovador, e por isso mesmo, arriscado. – por Robledo Milani
Cidade Baixa (2005)
Neste primeiro longa-metragem de Sérgio Machado, o cineasta mostra como uma forte amizade pode ser abalada quando o desejo toma conta da situação. Neste cenário, a stripper/prostituta Karinna (Alice Braga) chama a atenção dos amigos Deco (Lázaro Ramos) e Naldinho (Wagner Moura). E nada mais será igual. A história até poderia parecer corriqueira. Mas o jeito com que o cineasta Sérgio Machado escolhe para mostrar sua história, permeada por personagens cheios de desejo, tomados por ele como se nada mais importasse, faz toda a diferença. E não é só desejo sexual. Tudo na vida dessas pessoas é impulsionada por vontades. Podemos notar esse jeito inconsequente logo de início, quando Naldinho aposta cem reais em uma rinha de galos e acaba perdendo a aposta. Metidos em uma briga, Naldinho acaba sendo apunhalado e Deco termina por matar o agressor. E esse é apenas o começo de uma série de escolhas equivocadas. Lázaro Ramos e Wagner Moura fazem ótima dobradinha e não é de estranhar, já que ambos são amigos de longa data e conhecem muito bem aquele ambiente mostrado no longa, ambos baianos. Fechando a tríade, Alice Braga mostra que tem fôlego para encarnar uma personagem difícil. – por Rodrigo de Oliveira
O Céu de Suely (2006)
O segundo longa de Karim Aïnouz não é apenas uma ode às características do Cinema Novo, mas também um trabalho onde o naturalismo toma conta já na nomenclatura do elenco. Afinal, os atores emprestaram os próprios nomes para seus personagens. A bela Hermila Guedes dá vida à protagonista, uma jovem com filho no colo que volta da metrópole de São Paulo para o interior do Ceará com perspectiva de começar uma nova vida. O pai da criança não retorna junto, frustrando seus planos. Para conseguir dinheiro, adota Suely como novo nome e rifa seu corpo, prometendo “uma noite no paraíso” para os homens da comunidade local, mas só um vai poder desfrutar deste prazer. E é partir daí que o céu, espelhando suas mudanças internas, também toma outras formas. Assim, O Céu de Suely se torna um retrato não apenas das condições sociais do Brasil contemporâneo, mas também uma fonte de feminismo necessária na história recente da cinematografia nacional. Um belo trabalho que mereceu todos os prêmios atribuídos. – por Matheus Bonez
Se Nada Mais Der Certo (2008)
A produção de José Eduardo Belmonte trata de um triângulo amoroso formado por um jornalista frustrado (Cauã Reymond), uma garota andrógina e sem rumo (Caroline Abras) e um taxista fracassado (João Miguel). Os três se encontram por acaso: o primeiro vai a um bar da periferia afogar as mágoas, acaba encontrando a segunda e, no fim da noite, sendo levado para casa pelo terceiro. Juntos, vão descobrindo aos poucos que o dia a dia talvez não precise ser tão difícil quanto o imaginado. Vão tramando planos, golpes, buscando soluções para os problemas que enfrentam. E, ao mesmo tempo, seguem sonhando com algo melhor para cada um. As intenções de Belmonte enquanto diretor, produtor e roteirista (tarefa esta dividida com Breno Alex e Luiz Carlos Pacca) ficam muito claras no decorrer de Se Nada Mais Der Certo. Onde foram parar os valores, a ética e a moral em nossa sociedade? Como é dito no material de divulgação do filme, “a gente é educado para não roubar, mas não para não ser roubado”. O trabalho do diretor brasiliense é uma obra adulta e amarga, que espelha uma dura realidade nacional sem pieguismo ou crueldade, mas acima de tudo com muita certeza e serenidade. – por Robledo Milani
Os Famosos e os Duendes da Morte (2009)
Com uma verve poética, dylanesca, angustiante e introspectiva, este primeiro filme dirigido por Esmir Filho é uma verdadeira jornada para dentro da mente de um jovem que tem na música folk e na internet seus únicos momentos de relativa paz. Na trama, conhecemos um rapaz, mas nunca sabemos seu nome. Ele vive com sua mãe em uma pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, dividindo seu tempo entre ir ao colégio, ouvir música e navegar na internet. Em seu blog, escreve tristes posts, parecendo sempre saudoso de algum momento de sua vida. É recorrente sua visita ao blog de Jingle Jangle, uma garota que, aparentemente, fez parte de seu passado, mas que não está mais próxima dele. Separação? Viagem para longe? Amor platônico? Só sabemos ao nos aprofundarmos nesta bela história. Esmir Filho prova que sabe muito bem o que faz com sua câmera, criando planos belíssimos, ajudado pela bucólica paisagem de Estrela, cidade que serviu de cenário para as filmagens. Utilizando muito bem as frias paisagens do local, capturando as neblinas, a baixa luz da noite e a respiração dos atores em meio àquela gélida região, o diretor cria um clima onírico perfeito para esta pequena gema. – por Rodrigo de Oliveira
A Hora e a Vez de Augusto Matraga (2011)
Peça fundamental da literatura brasileira, esta história também um clássico do cinema nacional. Levado às telas pela primeira vez em 1965, a adaptação do texto de Guimarães Rosa foi o grande vencedor do Festival de Brasília – premiado como Melhor Filme, Direção (Roberto Santos), Ator (Leonardo Villar) e Roteiro – e selecionado para o Festival de Cannes do ano seguinte. Cinquenta anos depois, uma nova versão da história de penitência e glória de um cangaceiro pelo sertão mineiro voltou às telonas sem fazer feio diante de seu antecessor. O longa sai mais uma vez das páginas de Sagarana (livro de contos lançado em 1946) e se defende com vigor, mantendo-se ereto e longe da sombra tanto do viés literário quanto da adaptação cinematográfica anterior. João Miguel defende com empenho seu personagem, dotando-o de força e maleabilidade, a ponto de deixar de ser apenas uma figura emblemática para se tornar tão real quanto a ficção permite. Tem-se um filme poderoso, bem realizado e conduzido por atores que agarram com desejo seus personagens, dotando-os de uma universalidade que somente algo tão específico poderia prescindir. – por Robledo Milani
O Som ao Redor (2012)
Não é raro encontrar O Som ao Redor em listas que destacam os melhores filmes nacionais dos últimos anos e até mesmo entre aquelas que apontam as maiores obras cinematográficas realizadas em 2012 – a respeitada lista do crítico A. O. Scott, do jornal The New York Times, é uma delas. Retrato humano e intimista dirigido e roteirizado pelo recifense Kleber Mendonça Filho, aqui em sua estreia como realizador de um longa-metragem de ficção, O Som ao Redor se inicia com a instalação de uma milícia numa rua de classe média na zona sul de Recife – o que afeta diretamente a vida dos moradores do local. A obra explora paisagens internas da capital pernambucana, quinta maior cidade do Brasil que divide problemas corriqueiros com outras grandes áreas urbanas no mundo – no filme retratados de maneira irreverente e criativa, dignas de profundas reflexões. Vencedor do Prêmio da Crítica no Festival de Roterdã, onde fez sua estreia mundial, o filme recebeu tantas outras láureas nos festivais de Gramado, São Paulo, Salvador, Holanda, Dinamarca, Polônia e Noruega, além do mais que merecido Troféu Redentor no Festival do Rio. – por Conrado Heoli
O Lobo Atrás da Porta (2013)
Se fossemos fazer uma lista de grandes filmes feitos nos últimos anos por cineastas estreantes em longas-metragens, O Lobo Atrás da Porta entraria nela com facilidade. Baseando seu roteiro em uma história real, Fernando Coimbra fez uma obra espetacular, que leva as decisões de seus personagens até as últimas consequências. O filme acompanha o desaparecimento da filha pequena de Bernardo e Sylvia (interpretados por Milhem Cortaz e Fabíula Nascimento), e em meio a isso não demora muito para que o sujeito revele que mantinha um caso com Rosa (Leandra Leal). Através dos depoimentos dos três personagens na delegacia, o roteiro passa a montar aos poucos o que teria acontecido. Assim, Coimbra constrói um filme que mantém o espectador na ponta da poltrona do início ao fim, de tão instigante que a narrativa se mostra. Tendo em mãos personagens complexos, interpretados com competência pelo forte elenco (em especial Leandra Leal), o filme pode apresenta-los como figuras normais e inofensivas, o que contribui para o choque de certas atitudes que eles tomam e que tornam a história cada vez mais pesada e sombria. Um filmaço de um diretor que claramente merece atenção. – por Thomás Boeira
De Menor (2013)
Em seu longa de estreia, a cineasta paulistana Caru Alves de Souza trata de um dos temas mais atuais e debatidos na sociedade brasileira: o tratamento dado aos menores de idade infratores. A trama acompanha o cotidiano da jovem advogada Helena (Rita Batata), que trabalha como defensora pública na Vara da Infância e Juventude da cidade de Santos, e vive com seu irmão caçula, Caio (Giovanni Gallo). Órfãos, os dois desenvolvem uma relação bastante próxima, com Helena assumindo, mesmo que de maneira forçada, a posição de figura maternal na vida de Caio. O convívio entre os irmãos é abalado quando o garoto comete um delito e se torna réu do sistema do qual Helena faz parte. Demonstrando um controle narrativo surpreendente para um primeiro trabalho, Caru Alves de Souza realiza um filme conciso, que extrai de seu drama central particular, e da ótima dinâmica entre a dupla protagonista, os questionamentos sobre o panorama social mais amplo no qual se insere. Apostando no naturalismo como ferramenta, e não muleta, o longa consegue apontar as falhas e incongruências na maneira como o Estado trata tais questões sem realizar pré-julgamentos e com a habilidade necessária para não cair em simplificações panfletárias. – por Leonardo Ribeiro
Sangye Azul (2014)
Por maiores que sejam as distâncias geográficas, algumas pessoas e situações nunca conseguem se separar. É mais ou menos essa ideia que o diretor Lírio Ferreira defende neste drama Sangue Azul. Notório desde sua concepção por se tratar do primeiro longa-metragem filmado inteiramente na ilha de Fernando de Noronha, o filme consegue sabiamente ir além das impressionantes belezas naturais que explora com muito cuidado para se mostrar com uma trama densa e envolvente, cujo maior mérito é o competente e coeso elenco liderado por Daniel de Oliveira. Lírio, em companhia de Fellipe Barbosa e Sérgio Oliveira, não se preocupa em apressar a história de Sangue Azul. Muito pelo contrário, o texto que os três redigiram em conjunto está mais interessado em traçar um painel da vida daquelas pessoas e o quanto a chegada do circo – e daqueles que com ele vieram – irá afetá-los. Há quase dez anos sem dirigir um longa-metragem de ficção, Lírio Ferreira retorna ao gênero com uma obra madura e que cresce com o tempo, revelando novas camadas de leitura e uma profundidade consistente ainda após seu término. Visualmente atraente e realizado com grande competência, é um filme que merece a reflexão que provoca. – por Robledo Milani
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