Existem dois períodos do ano em que os filmes inspirados em passagens bíblicas se tornam os preferidos das reprises televisivas: Natal e Páscoa. E se o bom velhinho serve para marcar o nascimento e o início da fé católica, é com o a ressurreição de Cristo que temas ainda mais preciosos, como a esperança, o milagre e a renovação se manifestam com toda a força, ao mesmo tempo em que abre espaço para questionamentos a muitas destas verdades “absolutas”. Muito mais do que motivo de polêmicas e discussões, no entanto, a Bíblia (ela própria título de um longa levado às telas em 1966 e com direção do mestre John Huston) é uma quase inesgotável fonte de histórias, a grande maioria já adaptada em versões dos mais variados estilos e qualidades. Pensando nisso – e aproveitando a nova onda de tramas religiosas que estão entrando em cartaz – a Equipe do Papo de Cinema se reuniu para eleger os dez melhores Filmes Bíblicos de todos os tempos. Confira nossa lista, disposta em ordem cronológica, e verifique até que ponto sua crença em um cinema de qualidade combina com dogmas universais!
Os Dez Mandamentos (1956), de Cecil B. DeMille
Último filme dirigido por Cecil B. DeMille, Os Dez Mandamentos na verdade é uma refilmagem de um projeto homônimo lançando pelo mesmo DeMille em 1923. Então com um orçamento maior, o cineasta conta novamente a história de Moisés, mas não inteiramente sob o ponto de vista bíblico, e sua introdução explica que as quase quatro horas de duração serão justificadas por trazerem pedaços da vida do personagem que o Velho Testamento ignora. Algo repetido muitos anos depois na animação O Príncipe de Egito (1998), que claramente se nutre narrativa e visualmente no filme em questão. Trazendo Charlton Heston à frente do elenco, Os Dez Mandamentos é um blockbuster (da época em que o termo nem existia) que só encontraria um semelhante em outro trabalho do ator, Ben-Hur (1959). Vencedor do Oscar de Melhores Efeitos Visuais, embora tenha sido indicado a outros seis, incluindo a Melhor Filme, a superprodução jamais soa entediante durante a sua longuíssima duração, confirmando-se como uma obra que, sim, é reverencial em relação ao seu protagonista, porém, compensa com empolgação e com uma técnica impressionante. – por Yuri Correa
Ben-Hur (1959), de Willian Wyler
Ao longo de toda a história do Oscar, o número máximo de estatuetas entregues a um único filme foi 11, algo que ocorreu em apenas três edições. A primeira delas foi em 1960, quando Ben-Hur se consagrou como o grande campeão. A história é a do príncipe judeu Judah Ben-Hur (Charlton Heston), que jura vingança a seu antigo amigo Messala (Stephen Boyd) após este relegá-lo injustamente à escravidão e prender sua família. Isso ocorre em paralelo à trajetória de Jesus Cristo, que aparece quase como um anjo da guarda misterioso do protagonista. Ben-Hur adapta para as telas o livro de Lee Wallace de maneira tão empolgante que as mais de três horas de duração passam incrivelmente rápido. Fazendo jus a sua grandiosidade na excepcional sequência da corrida de bigas, que ocorre no terceiro ato e dá inveja à muitas realizadas hoje em dia, é merecidamente reconhecido como uma das grandes obras do cinema, e não é à toa que veio a servir de influência para vários épicos produzidos mais tarde. – por Thomas Boeira
Jesus Cristo Superstar (1973), de Norman Jewison
Após o auge dos musicais nos anos 1940 e 1950, Hollywood abandonou o estilo durante os movimentos de contracultura surgidos na década seguinte. O mundo estava mais cínico e menos inocente para acreditar em pessoas felizes, cantantes e dançantes por qualquer motivo. Era preciso reencontrar a fórmula para revitalizar o gênero, e uma das primeiras tentativas bem-sucedidas foi essa polêmica versão da vida de Jesus Cristo, porém encarando-o como um legítimo superstar pop, endeusado por uns e criticado por outros, assim como são cantores e astros de cinema nos dias de hoje. Baseado na opera rock de Tim Rice de extremo sucesso na Broadway, o filme do diretor e roteirista Norman Jewison – que poucos anos antes havia feito uma incursão inicial neste universo em Um Violinista no Telhado (1971) – não só apresentou um ícone religioso moderno e contemporâneo, como também lembrou que certas verdades são atemporais. Como resultado, uma indicação ao Oscar como Melhor Trilha Sonora e seis ao Globo de Ouro, inclusive a Melhor Filme!- por Robledo Milani
A Vida de Brian (1979), de Terry Jones
Brincar com figuras bíblicas é sempre um terreno espinhoso. Isso, felizmente, não impediu que o sexteto britânico Monty Python realizasse um de seus melhores trabalhos em A Vida de Brian, um longa-metragem que passa ao largo da história de Cristo, mostrando o não tão inspirador Brian Cohen, uma criança que nasceu na manjedoura ao lado da de Jesus – quase tomando para si os presentes dos três reis magos. Quando adulto, interpretado por Graham Chapman, Brian é confundido com o Messias e começa a ser seguido por grupos de fiéis. Isso, claro, chama a atenção de Pôncio Pilatos (Michael Palin), que não deixará a situação continuar. Satirizando passagens da Bíblia, o grupo britânico de humor não conseguiu escapar das polêmicas à época. A empresa que financiaria A Vida de Brian, a EMI, acabou retirando o dinheiro da produção com medo de represálias. Quando pronto, diversos países proibiram a exibição do longa, apontando blasfêmias na história dirigida por Terry Jones. Mas como os humoristas do Monty Python sempre enxergam o lado bom da vida – como cantam ao final da trama, crucificados – a polêmica acabou ajudando no sucesso do filme, um clássico cult absoluto e imperdível. – por Rodrigo de Oliveira
Eu Vos Saúdo, Maria (1985), de Jean-Luc Godard
Recriar a ousadia do Criador. Atualizá-la. Mítica e distante, a manjedoura dá lugar ao berço. Em Eu vos saúdo, Maria, título extraído da Ave Maria, o enfant terrible Jean-Luc Godard leva à tela outra provocação. Maria (Myriem Roussel) carrega um filho que não é de José (Thierry Rode). Ele vislumbra a traição e quer a separação. O anjo Gabriel intervém. O problema é moderno, a história, secular. A trama primeira é entrecortada pela relação de Eva (Anne Gautier) e seu professor (Johan Leysen), que especulam sobre a origem e os mistérios da vida. Godard não facilita. Se Maria conheceu o amor somente como uma sombra, o espectador não verá luz no seu caminho. A montagem dificulta na mesma intensidade que a exposição do tema ofendeu e provocou a manifestação de religiosos. No intercurso do discurso – presente e ausente – subsiste intocado um único bem: a ideia da fé enquanto experiência. – por Willian Silveira
A Última Tentação de Cristo (1988), de Martin Scorsese
Os filmes de Martin Scorsese evidenciam sua formação católica. Muitos de seus personagens são homens de fé, criados em seios religiosos, que se desvirtuam num mundo corrupto a despeito de crenças seguidas no limiar entre o hábito e a conveniência. Portanto, não é de se estranhar que Scorsese, então um cineasta já internacionalmente reconhecido, tenha se interessado pela Paixão, mais especificamente em adaptar o polêmico romance A Última Tentação de Cristo, do grego Níkos Kazantzákis, transformando-o no homônimo e igualmente controverso filme que chegou às telas em 1988. Com roteiro de Paul Schrader, Scorsese construiu um Cristo cinematográfico único, repleto de provações, dúvidas existenciais, medo, depressão e até luxúria, aproximando-o mais da natureza humana do que da celestial (ao menos para os padrões bíblicos). Claro, os mais conservadores reclamaram, nem tanto pela irregularidade da obra (ainda que seja muito interessante e passe longe da banalidade), e mais pelas “liberdades” do romancista grego que ganharam chancela cinematográfica do cineasta criado na católica Little Italy. – por Marcelo Müller
Maria, Mãe do Filho de Deus (2003), de Moacyr Góes
O país com a maior população católica de todo o mundo não poderia se ausentar de promover uma homenagem religiosa também na sétima arte. E, para tanto, a escolhida foi Maria, mãe de Jesus e padroeira nacional. Porém, o filme dirigido por Moacyr Goés deixa claro desde o princípio seu caráter reverencial, protocolar e pouco ousado, contentando-se em apenas reprisar, agora nas telas, uma narrativa há muito conhecida. Apesar do título, esta nada mais é do que mais uma versão cinematográfica da saga de Cristo pela Terra, desde seu nascimento até a crucificação e ressurreição, passando por momentos emblemáticos, como o relacionamento com Maria Madalena e alguns de seus milagres mais conhecidos, contando com Maria como uma observadora de luxo. Giovanna Antonelli está esforçada como a personagem-título, e Luigi Baricelli não chega a comprometer, mas a verdadeira estrela do filme é o Padre Marcelo Rossi, principal defensor do projeto e responsável por emprestar sua popularidade à realização, que levou mais de 2 milhões de espectadores aos cinemas, um feito considerável em termos de mercado local. Perdeu-se a oportunidade de oferecer uma visão brasileira ao mito religioso, mas ganhou-se um representante verde e amarelo que não pode ser desconsiderado. – por Robledo Milani
A Paixão de Cristo (2004), de Mel Gibson
Polêmicas e mais polêmicas sempre circundaram as adaptações bíblicas que Hollywood se propôs a fazer. A lista é gigantesca se pararmos para nos atentar a todas as produções que já passaram pelos cinemas. Afinal, estamos falando de fé, algo que está encrustado no cerne de milhões de pessoas. Um bom exemplo desse fato quase absoluto é A Paixão de Cristo (2004), dirigido por Mel Gibson. Foi chamado de antissemita por retratar os judeus como mentirosos gananciosos; foi acusado de sadismo por causa das intermináveis cenas de violência e tortura que Jesus fora submetido; e ainda concluíram que ele era um oportunista que queria lucrar em cima da fé dos outros. O filme não é antissemita; é muito violento, mas não chega às vias de um sadismo; contudo, pode, sim, ser considerado oportunista – é Hollywood, você queria o quê? Mas fora isso, Gibson conseguiu com seu filme algo que até então fora quase impossível: unir uma relativa qualidade artística com a “bênção” da coerência teológica. Reuniu harmonicamente os relatos dos quatro evangelhos sobre as últimas doze horas de Cristo e ainda contou com sábias escolhas no rumo que a direção das cenas tomaram, resultando em uma obra extremamente satisfatória. – por Eduardo Dorneles
Maria (2005), de Abel Ferrara
Abel Ferrara é um dos diretores mais controversos do circuito alternativo norte-americano. Autor de filmes como O Rei de Nova York (1990), Vício Frenético (1992) e Olhos de Serpente (1993), em 2005 o cineasta rodou o polêmico Maria, uma existencial experiência sobre a história de Cristo e Maria Madalena. Usando a temática de filme dentro de um próprio, Ferrara nos apresenta a uma atriz (Juliette Binoche) que abandona tudo após o fim das filmagens de um longa onde interpreta Maria Madalena e busca refúgio no Oriente Médio. Dois anos depois, o diretor (Matthew Modine) deste filme dentro de Maria, o qual também interpreta Jesus, enfrenta grupos religiosos no lançamento da produção. Ao mesmo tempo, um apresentador (Forest Whitaker) que está contando sua versão sobre a história de Cristo quer entrevistá-lo. Maria e Ferrara não atacam a Igreja Católica diretamente. Aliás, a questão central da produção é questionar a interferência das imagens e das crenças do público, da culpa católica à descoberta do próprio eu. Algo que já pode ser sentido logo no início, quando vemos, nas “filmagens” do longa fictício que Maria não crê até ver Jesus ressuscitar. Perturbador e impossível de ficar inerte ao terminar de assistir. Pelo contrário. Causa inquietação. – por Matheus Bonez
Noé (2014), de Darren Aronofsky
Noé tem tudo para ser o responsável pelo ressurgimento dos épicos bíblicos nos cinemas. O novo trabalho de Darren Aronofsky tem arrastado multidões às salas em todo o mundo. No Brasil, já figura entre as cinco maiores bilheterias do ano. O que representa isso, afinal de contas? O cineasta, responsável pelos ótimos Cisne Negro (2010) e Réquiem para um Sonho (2000), percebeu a força daquela história, a potencialidade em transmitir mensagens que chegassem de forma pungente ao seu público. Perto de outros personagens bíblicos, Noé não apareceu tanto nos cinemas quanto poderia. Com isso em mente, o diretor realizou uma obra intensa, visualmente arrebatadora e com tudo para gerar polêmicas em uma parcela de seu público. Isso porque o protagonista, interpretado com esmero por Russell Crowe, apresenta dois lados distintos. O primeiro, amoroso, um pai de família dedicado e temente a Deus, que recebe uma incumbência extraordinária e parte ao trabalho. O segundo, desequilibrado, um homem cego pela fé e pela mensagem que carrega, acreditando e seguindo ao pé da letra uma ordem que, claramente, não se aplica mais àquela situação. Aronofsky capricha nos momentos oníricos e traz a história da arca de Noé como nunca antes vista. Só por isso, já vale conferir. – por Rodrigo de Oliveira
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