Gêmeos idênticos há muito tempo povoam o nosso imaginário fomentado pelo cinema. Assim como os duplos, que podem não ser ‘literalmente’ irmãos, mas para o ator que os interpreta, é o mesmo trabalho em dobro. Embora sejam condições bem distintas, em ambas existem pessoas fisicamente iguais, ou quase. O desenvolvimento simultâneo cria inevitavelmente uma ligação diferente, e isso já foi bastante utilizado nos filmes. Já o chamado doppelgänger – palavra do idioma alemão que significa “duplicata andante” – pode ser uma criatura sobrenatural, cópia muitas vezes demoníaca que circula por aí tomando o lugar de alguém real, ou apenas uma projeção. Verdade é que gêmeos ou duplos são temas propícios para discussões acerca de identidade e subjetividade. O que nos interessa aqui, motivados ainda pela estreia de Alien: Covenant (2017) e a jornada dobrada do ator que desempenha mais de um papel no filme de Ridley Scott (não vamos falar quem, pois seria um spoiler daqueles), resolvemos escolher longas-metragens protagonizados por gêmeos ou duplos, nos quais personagens distintos são vividos pelo mesmo intérprete. Um trabalho árduo, só indicado a profissionais de gabarito. Confira.
Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958)
Sem sombra de dúvidas, um dos grandes trabalhos de Alfred Hitchcock – mesmo não tendo sido recepcionado da forma como deveria na época –, este longa-metragem traz James Stewart vivendo o detetive Scottie Ferguson, homem que passou por um trauma no passado e tem verdadeiro pavor de altura. Contratado por um amigo para investigar o estranho comportamento de sua esposa, Madeleine (Kim Novak), Ferguson acaba em meio a uma trama de desejo e mistério, se envolvendo com aquela mulher, observando sua nova paixão morrer diante de seus olhos. Tempos depois, ainda perturbado pelo que aconteceu, Ferguson conhece Judy Barton (Novak), um duplo perfeito de Madeleine. Surpreso pela semelhança entre as duas, Scottie faz de tudo para se aproximar de Judy e transformá-la na mulher que amava. Se você já assistiu a este clássico, sabe muito bem o motivo de Judy e Madeleine serem tão parecidas. A tragédia e o romance andam de mãos dadas neste longa-metragem. Mesmo que não fosse a primeira escolha de Alfred Hitchcock (ele queria Vera Miles para o papel), Kim Novak vive essas duas enigmáticas personagens com empenho, fazendo frente ao sempre competente James Stewart. – por Rodrigo de Oliveira
Possessão (Possession, 1981)
Em seu longa mais cultuado, o polonês Andrzej Zulawski utiliza o terror, gráfico e psicológico, para realizar uma onírica alegoria sobre as dores da separação. Na história, após retornar de viagem, Mark (Sam Neill) reencontra o filho e a esposa, Anna (Isabelle Adjani), notando uma mudança drástica no comportamento desta que, pouco depois, pede o divórcio. Paranoico e desconfiando de uma traição, Mark passa a seguir Anna, descobrindo que ela tem encontros regulares com uma criatura monstruosa que a satisfaz sexualmente. Neste pesadelo visualmente arrebatador, Zulawski trabalha no campo metafórico, explorando o tema dos duplos. Algo que aflora com a presença de Helen (novamente Adjani), a amável professora do filho do casal e, próximo ao hermético e catártico desfecho, também com o surgimento de um duplo de Mark. Dentre as diversas leituras que a obra permite, Helen pode ser interpretada como uma representação da imagem que Mark fazia da esposa – carinhosa, gentil, mãe zelosa – antes da separação, o que o leva a se apaixonar por essa memória afetiva. Adjani encarna as duas personagens com uma entrega admirável, protagonizando sequências intensas como o da “possessão” no metrô, num trabalho que lhe valeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes. – por Leonardo Ribeiro
Cuidado Com as Gêmeas (Big Business, 1988)
Neste verdadeiro clássico da Sessão da Tarde, Bette Midler e Lily Tomlin têm papel dobrado, vivendo gêmeas idênticas trocadas na maternidade. Um par permanece em sua cidade natal, a pequena e pacata Jupiter Hollow, tendo uma vida modesta. Enquanto o outro vive em Nova York, com seus abastados pais, sendo herdeiro de uma grande companhia. Passam-se 40 anos. Na pequena cidade, Lily Tomlin vive Rose Ratliff, a irmã mais enérgica e determinada, enquanto Midler é Sadie, alguém que sempre se sentiu deslocada no campo, um tanto avoada. Na Big Apple os papéis se invertem. Tomlin é Rose Shelton, mulher pouco afeita aos negócios, que sonha em se mudar para o interior, enquanto Bette Midler é a voraz Sadie, empresária que busca expandir os negócios de sua companhia e, para isso, pretende fechar uma fábrica em Jupiter Hollow. Não é necessário ter visto o filme para adivinhar que elas se encontrarão e que as confusões surgem daí. A dupla de atrizes está fantástica em seus papéis, vivendo personalidades completamente diferentes e mostrando uma química imbatível. Mesmo com bom elenco de apoio, Midler e Tomlin têm o show reservado para elas. O que é ótimo! – por Rodrigo de Oliveira
Gêmeos: Mórbida Semelhança (Dead Ringers, 1988)
Interessados pela complexidade do corpo humano e pelos meandros da reprodução desde a infância, os gêmeos Elliot e Beverly Mantle (vividos por Jeremy Irons), quando adultos, se tornam médicos brilhantes, especializados em fertilidade feminina. Tanto profissional quanto pessoalmente, a relação entre os irmãos possui clara hierarquia, com Elliot, imoral, assumindo a posição dominante, a voz ativa responsável pela comunicação, enquanto o frágil Beverly se mostra submisso, dedicando-se aos estudos e à criação de novas técnicas e utensílios. Essa dinâmica é abalada por Claire Niveau (Geneviève Bujold), famosa atriz com dificuldades para engravidar que acaba se envolvendo com ambos, acreditando que sejam a mesma pessoa. Baseado no livro Twins, de Bari Wood e Jack Geasland, o longa proporciona ao canadense David Cronenberg o material necessário para trabalhar os temas centrais de sua obra, como as alterações corporais. Unindo suas raízes no terror grotesco ao apuro na abordagem do âmbito psicológico, o cineasta apresenta a mutação da ligação íntima dos Mantle, que espelha a dos gêmeos siameses, com a inversão de papéis e, por fim, a percepção de unidade. Uma jornada impactante, que abre espaço para Irons construir com precisão as personalidades distintas de cada irmão, numa de suas atuações mais marcantes. – por Leonardo Ribeiro
Duplo Impacto (Double Impact, 1991)
O belga Jean-Claude Van Damme foi um dos principais astros de ação dos anos 90, senão o mais famoso deles. Embora tenha começado sua carreira na década anterior, conseguiu atingir o estrelado com sua perícia marcial, chutes impressionantes e interpretações nem tanto, realmente no período que antecedeu a virada do milênio. Van Damme fez um pouco de tudo, claro, dentro do gênero ação, que lhe convinha mais, em virtude de suas habilidades e limitações. E neste filme do diretor Sheldon Lettich, colaborador contumaz do astro, temos Van Damme em dose dupla. Na trama, gêmeos foram separados após o assassinato dos pais por um mafioso chinês. Um salto no tempo nos mostra Van Damme como Chad, criado por uma família francesa em Paris, então professor de dança e artes marciais que mora confortavelmente em Nova York. Já Alex, seu irmão idêntico, teve uma infância difícil, com passagens por diversos orfanatos. Já adulto, este administra um bar em Hong Kong, onde realiza operações ilegais. Ele bota na cabeça que um gângster rival é o verdadeiro causador da tragédia familiar, decidindo pôr em prática um mirabolante plano de vingança, claro, auxiliado pelo irmão até então alheio àquele mundo de tiroteios e muita briga. – por Marcelo Müller
Gêmeas (1999)
Dirigido por Andrucha Waddington, o filme é baseado no conto homônimo de Nelson Rodrigues. Fernanda Torres interpreta as duas irmãs que têm como passatempo favorito brincar com os corações dos namorados, alternando seus papéis de amante. Após serem desmascaradas pelo pai (Francisco Cuoco) no leito de morte da mãe (Fernanda Montenegro), elas resolvem dar um tempo e seguir suas vidas. Isso até se apaixonarem pelo mesmo homem, o taxista Osmar (Evandro Mesquita). De uma trama de costumes pincelada com muita sexualidade, como as típicas obras do dramaturgo, o longa vai afunilando sua história, transformando o clima entre as gêmeas Iara e Marilena em atos de suspense. É uma homenagem do diretor aos preceitos do cinema noir, com sua atmosfera sombria entre claro e escuro como uma metáfora à personalidade das irmãs que trocam de lugar a todo instante, e também à filmografia de Alfred Hitchcock, seja em tomadas que lembram claramente o mestre do suspense ou na trilha sonora que vai aumentando progressivamente à medida que a tragédia se anuncia. Um belo drama psicológico com toques de thriller que rendeu à Fernanda Torres o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Brasília. – por Matheus Bonez
Adaptação (Adaptation, 2002)
Nicolas Cage infelizmente é uma figura mais lembrada pelo grande público como aquele ator careteiro de gosto duvidoso tanto para a escolha de papeis quanto para os cortes de cabelo de seus personagens. Embora o sobrinho de Francis Ford Coppola tenha realmente dado umas escorregadas feias, que seja complicado defender alguns de seus trabalhos (particularmente em O Sacrifício, de 2006, o desespero do protagonista é risível), não se pode perder de vista o mais importante, ou seja, seus excelentes trabalhos. E, certamente, a dupla interpretação neste filme de Spike Jonze, cujo roteiro é do não menos criativo Charlie Kaufman, se configura num dos pontos altos de sua carreira, pelo qual, inclusive, foi indicado ao Oscar de Melhor Ator. Ele interpreta Charlie Kaufman (!?), roteirista com sérias dificuldades para adaptar ao cinema o livro escrito por Susan Orlean (Meryl Streep), em que um fornecedor de plantas clona orquídeas raras para vende-las por preços exorbitantes a colecionadores. Mas o maior problema do protagonista é o seu irmão gêmeo, o parasita Donald, que vive às suas custas enquanto alimenta o sonho de ingressar no mundo do cinema. Curiosidade: Charlie Kaufman, o roteirista de verdade, divide realmente os créditos com Donald, então seu irmão fictício. – por Marcelo Müller
A Rede Social (The Social Network, 2010)
A despeito de seus vários méritos narrativos, os filmes de David Fincher também costumam ser sinônimos de perfeccionismo técnico e de grandes performances, mesmo no que tange aos coadjuvantes, como os gêmeos Cameron e Tyler Winklevoss, que aqui se beneficiam dessas duas nuances do currículo do cineasta. Primeiro, porque Fincher não teme enquadrar os dois lado a lado, mesmo que ambos sejam vividos por Armie Hammer, o que só foi possível graças aos efeitos digitais que o cineasta importara de O Curioso Caso de Benjamin Button (2013). Ele utilizou um dublê de corpo para um dos irmãos, posteriormente colocando sobre ele o rosto de Hammer, filmado à parte como o outro. Segundo, porque o ator consegue estabelecer muito bem a diferença entre Cameron e Tyler, um ponderado e temerário, o outro temperamental e arrogante, por mais que suas performances sejam baseadas na sutileza e polidez dos Winklevoss. Na vida real, os gêmeos foram alunos que estudavam e remavam pela equipe de Harvard, universidade onde Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) fundou o Facebook. Este foi perseguido mais tarde pelos irmãos que o acusavam de ter roubado sua ideia. – por Yuri Correa
O Homem Duplicado (Enemy, 2013)
Protagonistas com uma vida tediosa não são novidade no cinema. No caso de Anthony, interpretado por Jake Gyllenhaal, o marasmo de sua rotina é quebrando quando ele assiste a um filme cujo ator principal é a sua cara. Obcecado com a descoberta da existência de alguém fisicamente idêntico, o professor de história resolve ir atrás e acaba descobrindo que o cotidiano de seu sósia é movimentado, porém sem muito conteúdo. A busca de Anthony por respostas, que o torna obcecado por entender como alguém pode lhe ser igual, é o ponto de partida para um filme que permite múltiplos significados e conta com boas atuações, algo recorrente nos trabalhos do diretor, o talentoso Denis Villeneuve, o mesmo de Incêndios (2010), A Chegada (2016) e que recentemente abraçou o gigante desafio de encabeçar a sequência do cultuado clássico sci-fi Blade Runner: O Caçador de Androides (1982). Com uma fotografia que vai ganhando novas camadas de cores no decorrer da trama, a produção aborda questões complexas sobre a existência, com alguns toques psicanalíticos, muitos já presentes na obra que inspirou o roteiro, escrita pelo português José Saramago. – por Bianca Zasso
O Duplo (The Double, 2013)
Nesta adaptação do livro homônimo escrito por Fiodor Dostoiévski, Simon James (Jesse Eisenberg) é um rapaz tímido, retraído e frequentemente ignorado por seu chefe, colegas de trabalho e pela garota por quem nutre uma paixão (Mia Wasikowska). Embora seja tratado como se invisível boa parte do tempo, o maior de seus problemas surge com a aparição de James Simon (também Eisenberg), misterioso homem idêntico a ele. James é o extremo oposto de Simon em absolutamente tudo: confiante, seguro e expansivo. Espécie de híbrido de thriller psicológico e comédia de humor negro, esta obra de Richard Ayoade, o mesmo de Submarino (2010), traz diálogos rápidos e engraçados, além de uma fotografia impecável. Todavia, o alicerce do filme é, sem dúvida, a performance (ou melhor, as perfomances) de Eisenberg. O trabalho do ator – um dos melhores de sua carreira – é tão primoroso ao retratar dois homens distintos (conseguindo convencer a audiência de que está interpretando Simon ou James com um simples olhar ou uma postura diferente), que o espectador até consegue compreender como os outros personagens podem não notar a absurda semelhança entre essas duas figuras fisicamente idênticas. – por Marina Paulista
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