Ah, hotéis. Não apenas um local de encontros e desencontros, mas também sempre um grande personagem ou ambiente em que narrativas cinematográficas se apoiam para contar boas histórias. Muitas vezes, mais de uma, ao mesmo tempo. Com a estreia nos cinemas do novo e aclamado filme de Wes Anderson, O Grande Hotel Budapeste, a equipe do Papo de Cinema resolveu eleger os dez melhores filmes com hotéis como pano de fundo. Na lista, há de tudo: drama, comédia, suspense, animação, história. Gêneros que transitam como hóspedes, indo e vindo como sucessos de público e de crítica. Confira!
Grande Hotel (Grand Hotel, 1932)
“People come and go. Nothing ever happens”. Com esta frase, o filme começa já mostrando que, não importa o drama que ocorra no local, o hotel continua em pé. E drama é o que não falta nas diversas histórias que se entrecruzam ora no saguão, no restaurante ou nos quartos do Grand Hotel de Berlim, o personagem principal deste longa que mostra os efeitos e a reconstrução do padrão de vida após a Grande Depressão. Em meio a tantos casos de negócios escusos, furtos de jóias e paixões adormecidas, vale destacar as duas principais personagens femininas, a taquígrafa Flaemmchen (Joan Crawford) e a bailaria russa Grusinskaya (Greta Garbo). As duas dividem o interesse pelo mesmo homem , mas nunca se cruzam na tela, o que talvez tenha sido uma boa escolha dos roteiristas, pois ambas são personagens fortes e que praticamente conduzem toda a produção. Vencedor do Oscar de Melhor Filme (curiosamente, a única indicação da produção), Grande Hotel também é lembrado pela clássica frase “i want to be alone”, proferida pela personagem de Greta Garbo que refletiria não só o filme, mas também a vida da atriz fora das telas. – Matheus Bonez
Almas Desesperadas (Don’t Bother to Knock, 1952)
Longa de estreia de Anne Bancroft – que aparece cantando no começo da trama –este foi o primeiro trabalho de Marilyn Monroe como protagonista. Aqui ela interpreta a sobrinha do ascensorista de um grande hotel que é chamada contra sua vontade para um trabalho rápido: servir de babá para um casal abastado, cuidando da filha deles enquanto os dois se ausentam para o jantar. Durante aquela noite a jovem Nell (Monroe) irá viver as mais diversas experiências, a maior parte delas num mundo de fantasias criado a partir de suas próprias ilusões, dando abertura para uma perigosa distorção da realidade. Primeira ela se oferece ao homem solitário que vislumbra pela janela num quarto vizinho, depois o confunde com seu antigo amor – falecido na Segunda Guerra – e, por fim, chega a ameaçar até a menina que está sob sua responsabilidade. A musa platinada aparece aqui sem o glamour e o ar levemente atrapalhado que fez sua fama, investindo num drama pesado que beira o hitchcockiano. Se a calmaria do lobby de entrada e o vai e vem dos elevadores não denunciavam a possível tragédia prestes a acontecer, o auge desse conflito será visível em frente a todos, fazendo da recepção o clímax do filme. – por Robledo Milani
Psicose (Psycho, 1960)
Após desfalcar seu empregador, a secretária Marion Crane (Janet Leigh), em fuga, resolve dar uma parada num desses motéis de beira de estrada tão comuns nos Estados Unidos. Há vagas, diz o luminoso. Ela é atendida por Norman Bates (Anthony Perkins), homem que não esconde certa perturbação por debaixo das aparentes eficiência e calma. Mal sabe ela que ali, onde se acha protegida de qualquer perigo (sobretudo de seus perseguidores), será assassinada a golpes de faca, em pleno banho, numa das cenas mais importantes do cinema. Psicose é um dos muitos clássicos de Alfred Hitchcock, filme de baixo orçamento que alcançou êxito tanto comercial quanto artístico. Já o Bates Motel (cenário, inclusive, da recente série de televisão homônima, centrada na relação de Norman com a mãe ainda viva), grudou no imaginário cinéfilo como uma das hospedagens mais macabras, aliás, encontrando similaridade nesta seara dentro do próprio filme com a casa de Bates, que fica ao lado. Certamente após Psicose, uma placa com os dizeres “há vagas” não será interpretada necessariamente como convidativa. – por Marcelo Müller
O Iluminado (The Shining, 1980)
Em O Iluminado, o belíssimo plano panorâmico e o ponto de fuga como enquadramento logo no início do filme já revelam o conceito abstrato que só longos minutos depois se confirmará, tanto para o expectador quanto para os personagens: você está a caminho de um lugar onde ninguém poderá lhe escutar – nem mesmo se você gritar. O hotel Overlook, erigido em cima de um antigo cemitério indígena, palco onde a trama se desenrola, aparenta ser inofensivo. Assim como o próprio protagonista, Jack Torrance (assombrosamente bem interpretado por Jack Nicholson), responsável por tomar conta do lugar durante o inverno. Entretanto, na medida que o frio chega, o isolamento e a rotina claustrofóbica transformam os ares do ambiente. Diferente da obra literária de Stephen King, a adaptação cinematográfica não recorre (ao menos, não explícita ou intensamente) ao sobrenatural por trás da construção. O mestre Stanley Kubrick prefere arquitetar uma trajetória que adentra a psique de Jack, tipificando nos corredores propositalmente incoerentes do hotel a confusa e perturbada mente do protagonista. Toda a violência gerada pelas sucessivas frustrações e reprimidas pela necessidade da ordem familiar, acaba sendo extravasada dentro dos salões, revelando que o maior terror está em adentrar na mente humana. – por Eduardo Dorneles
Esqueceram de Mim 2: Perdido em Nova York (Home Alone 2 – Lost in New York, 1992)
Depois que a ideia concebida por Chris Columbus e John Hughes deslanchou em um grande sucesso, a dupla juntou-se novamente para retomar as aventuras de Kevin (Macaulay Culkin), eternamente perseguido pelos Bandidos Molhados, Marv (Daniel Stern) e Harry (Joe Pesci). Depois de ter sido esquecido em casa no último Natal, o menino agora é deixado pelos pais – aparentemente, os piores do mundo – em um aeroporto em Nova York, novamente às vésperas natalinas, onde não tarda encontrar um hotel para hospedar-se. Este, por sua vez, administrado por um obtuso concierge interpretado por Tim Curry. É uma fórmula repetida, verdade, mas não menos divertida por isso. As armadilhas e truques de Kevin para enganar adultos de má índole se reinventam tal qual o roteiro de Hughes. Se antes usar silhuetas enganava os ladrões, que achavam que a casa estava cheia, agora, a mesma traquinagem consegue despistar o personagem de Curry em um banheiro. O idoso amedrontador que limpava neve é substituído por uma senhora coberta de pombos, tal qual a velha dos gatos de Os Simpsons. A relação desta figura estranha com o protagonista não é tão emocionante quanto fora anteriormente, o que felizmente não se pode dizer do resto do filme. – por Yuri Correa
Encontros e Desencontros (Lost in Translation, 2003)
De um lado, uma mulher abandonada em um país estrangeiro, totalmente perdida em uma língua diferente e em uma cultura distinta. Do outro, um homem refém dos cachês milionários, um astro do cinema em um território desconhecido fazendo comerciais e programas de tevê que simplesmente não consegue entender. Estas duas figuras díspares, com origens e idades distantes, se conhecem em um hotel no Japão, começam a conversar, a se conhecer. E uma amizade surge dali. Talvez algo mais, vá saber? É com este plot ora intimista, ora bem humorado, ora agridoce que Sofia Coppola brinda seus espectadores em Encontros e Desencontros, filme que lhe rendeu uma estatueta do Oscar como roteirista e uma primeira (e até agora única) indicação ao prêmio na categoria direção. Comandando Scarlett Johansson e Bill Murray em atuações ímpares, Coppola mostra o quanto o talento corre solto nas veias da família. A cineasta retornou aos hotéis – num dos mais famosos da Califórnia, o Chateau Marmont – em Um Lugar Qualquer (2010), dirigindo Stephen Dorff e Elle Fanning numa história bastante pessoal. Infelizmente, sem o mesmo êxito. – por Rodrigo de Oliveira
Identidade (Identity, 2003)
Enquanto um serial killer sentenciado a morte tem uma chance de escapar da pena quando um psiquiatra tenta provar sua incapacidade mental em uma defesa de última hora, dez pessoas que nunca se viram se veem obrigadas a passar a noite em um hotel de beira de estrada para escapar de uma grande chuva. No entanto, com o passar do tempo, cada uma delas é misteriosamente assassinada. Identidade pode até usar uma fórmula comum na maneira como constrói sua narrativa, mas isso não impede que o diretor James Mangold e o roteirista Michael Cooney nos surpreendam constantemente com o que acontece ao longo do filme. Se Mangold impõe uma tensão crescente, fazendo até com que o próprio hotel se torne um lugar que pensaríamos duas vezes antes de entrar, Cooney mostra uma segurança invejável no modo como monta a história e desenvolve os personagens, que ainda são muito bem interpretados pelo elenco cheio de bons nomes, como John Cusack, Ray Liotta, Amanda Peet e John Hawkes. Assim, Identidade mostra ser o tipo de suspense inteligente que prende a atenção do espectador com propriedade. – por Thomás Boeira
Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, 2004)
Há pouco mais de 10 anos uma das maiores atrocidades da história eternizou o nome de Ruanda, pequeno país africano que por pouco não permaneceu desconhecido pelo resto do mundo. Neste cenário aparentemente pacífico, em apenas três meses um milhão de pessoas foram brutalmente assassinadas, e, para muitos, esta terrível realidade se tornou conhecida apenas a partir do longa-metragem Hotel Ruanda. Indicado para os Oscar nas categorias de Melhor Ator, Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Roteiro Original, este drama dirigido por Terry George se ambienta no hotel do título, administrado por um homem comum, Paul Rusesabagina, que reúne coragem e sensatez para salvar a vida de milhares de refugiados, garantindo abrigo e segurança contra uma milícia e um regime totalitário. Ainda que apresente algum senso de conveniência que permita caracterizações um tanto quanto desnecessárias, Hotel Ruanda não contém a violência e crueldade desumana dos fatos que lhe deram origem. Don Cheadle e Sophie Okonedo apresentam suas melhores performances num filme difícil para qualquer espectador, que busca ressaltar uma história humana em meio a inumanidade de uma guerra. – por Conrado Heoli
O Exótico Hotel Marigold (The Best Exotic Marigold Hotel, 2012)
A adaptação da obra literária de Deborah Moggach poderia ser apenas um filme de terceira idade sobre a reconstrução da vida após anos de experiência. No enredo, um grupo de idosos que viaja para o Hotel Marigold do título em busca de férias, de novas perspectivas, de antigos amores. O local está caindo aos pedaços, as pessoas não se entendem, casais são descontruídos, assim como novos surgem, e até a homossexualidade de um dos personagens é revelada, atualizando que, quando se quer, não há preconceitos em qualquer idade. Com um elenco capitaneado pela sempre ótima Judi Dench, o longa é uma comédia dramática das mais agradáveis, com personagens ricos em camadas, como a sisuda Muriel (Maggie Smith) ou o enigmático, mas sempre querido Graham (Tom Wilkinson). Um ótimo título sobre como lidar com a solidão em um novo ambiente e que utiliza, mais uma vez, a figura de um hotel como um rito de passagem para a busca de uma vida melhor. – por Matheus Bonez
Hotel Transilvânia (Hotel Transylvania, 2012)
Hotéis, por definição, são lugares transitórios, onde não se criam raízes e que normalmente representam um curto período de passagem. Daí seu uso metafórico em inúmeras obras de ficção, nas quais é comparado à própria vida. Porém, imagine ter nascido e crescido num hotel, sem ter nenhuma ideia de como as coisas são lá fora? É o drama de Mavis Dracula, filha do famoso Conde, em Hotel Transilvânia. Superprotegida pelo pai, a adolescente imagina que o mundo lá fora é cruel e horrível, cheio de humanos que perseguem monstros como ela. Pelo menos é o que seu pai, que transformou o castelo num hotel para seres sobrenaturais, conta. É claro que algo dá errado, um humano vai parar no meio dos hóspedes e Mavis acaba apaixonada pelo desastrado turista Jonathan. Divertido e inspirado, embora sem grandes novidades no roteiro, o filme conquista pela leveza e chegou a ser indicado ao Globo de Ouro de melhor animação. Na versão em inglês, conta ainda com as vozes de Adam Sandler (como Drácula) e Selena Gomez como Mavis. Hotel Transilvânia é um gostoso convite a sair, nem que por turismo, da nossa zona de conforto. Vale ser visto com a família toda! – por Dimas Tadeu