Ah, o Oscar e suas injustiças. Não foram poucas em mais de 80 anos de indicados e premiados. Sempre tem alguém que fica de fora, seja ator, atriz, diretor, filme, o que seja. Mais ainda, quando indicados nem tão bons assim acabam se sobressaindo sobre obras-primas que perduram com o tempo, algo que, talvez, deveria ser levado mais em conta do que apenas o buzz daquele ano. Na história da Academia, muita gente boa já levou a estatueta para casa, mas muita gente genial acabou com as mãos abanando. Com a cerimônia de 2015 prestes a ocorrer neste domingo, a equipe do Papo de Cinema resolveu lembrar dos injustiçados na categoria principal da noite. Afinal, quais foram os indicados a Melhor Filme que realmente mereciam o prêmio? Confira!
Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941)
Dirigido por Orson Welles, este thriller intrincado em que nada se responde da maneira mais óbvia já foi considerado em mais de uma ocasião o melhor filme jamais feito – como nas listas feitas pelo American Film Institute em 1998 e novamente em 2007 – no entanto, apesar das nove indicações recebidas em 1942, o filme teve que se contentar apenas com o troféu de Melhor Roteiro Original, dividido entre o diretor e seu co-roteirista, Hernan J. Mankiewicz. Welles concorria ainda em outras três categorias – Filme (como produtor), Ator e Direção. E ainda que tivesse ganho o National Board of Review e o prêmio dos críticos de Nova York, acabou sendo preterido na premiação da Academia pelo muito mais convencional Como Era Verde o Meu Vale, de John Ford, que recebeu dez indicações e levou cinco delas, entre elas Filme e Direção. O drama familiar de Ford não havia ganho nada antes, e hoje em dia está praticamente esquecido, graças ao seu formato tradicional e pouco inovador. Welles, por outro lado, tinha apenas 25 anos quando fez Cidadão Kane, um filme revolucionário em sua forma e estrutura, mas acima de tudo pelo enredo, intrincado e enigmático, que permanece com o espectador mesmo muito após o seu término. A justiça talvez não tenha sido feita na festa daquele ano, mas o tempo se encarregou de colocar essa questão sob a devida perspectiva. – por Robledo Milani
Um Lugar ao Sol ou Uma Rua Chamada Pecado (A Place in the Sun, 1950 / A Streetcar Named Desire, 1950)
Em 1951, um musical estrelado por Gene Kelly caiu nas graças da Academia, conquistando nada menos do que seis das oito estatuetas a que disputava – entre elas, as de Melhor Filme e Roteiro. E ainda que tenha ganho o Globo de Ouro de Musical ou Comédia e ficado entre os dez melhores longas do ano no National Board of Review, estava longe de ser considerado o favorito em uma disputa que continha ainda títulos marcantes como Um Lugar ao Sol (apontado por ninguém menos do que Charles Chaplin como o ‘melhor filme jamais feito’) e Uma Rua Chamada Pecado, a melhor adaptação do texto clássico de Tennessee Williams. O primeiro, estrelado por Montgomery Clift e Elizabeth Taylor, também levou seis estatuetas douradas para casa – entre elas as de Melhor Direção, Roteiro e Montagem – enquanto que o segundo, com Marlon Brando e Vivien Leigh à frente do elenco, era recordista de indicações naquele ano (disputava 12 categorias) e ganhou quatro troféus: Atriz, Ator e Atriz Coadjuvante e Direção de Arte em Preto e Branco. O lado leve e aparentemente despreocupado de Sinfonia de Paris – um filme ingênuo e por demais esquecível – teve ainda outra consequência perniciosa: eclipsou o fantástico Cantando na Chuva, lançado no ano seguinte pelo mesmo Gene Kelly e que recebeu apenas duas indicações – sem vitórias – no Oscar de 1952. Mais um caso típico em que o tempo foi um juiz muito mais acertado do que a votação dos membros da Academia. – por Robledo Milani
Laranja Mecânica (A Clockwork Orange , 1971)
Não vou dizer que Operação França é um filme ruim ou mediano. Pelo contrário. É muito bom, merecedor de ter sido indicado na sua época. Mas, friso, na época, pois perdeu muito de seu impacto desde então. Logo, como explicar a vitória sobre Laranja Mecânica, clássico que sobrevive ao tempo sem envelhecer um ano sequer? A trama adaptada por Stanley Kubrick para as telonas é forte, pesada, chocante. Talvez este tenha sido o preconceit0 da Academia naquele ano. Não é o tipo de filme que qualquer público consegue assistir ou entender. Ainda mais tocando fundo nas mazelas da sociedade, independente do que está na telona ser um mundo alternativo ou não. Quem resiste a Alex DeLarge? O mais vergonhoso de tudo é que esta foi uma das vezes em que Kubrick esteve mais perto da premiação. Foram quatro indicações (Filme, Direção, Roteiro Adaptado e Montagem), sem nenhuma vitória. Aliás, o cineasta morreu sem ter uma estatueta como diretor na prateleira de casa. Não que afete sua genialidade. Porém, é uma das eternas injustiças que a Academia nunca vai poder compensar. – por Matheus Bonez
Taxi Driver (Taxi Driver, 1976)
Olhando em retrospecto, o Oscar de 1976 pode ser apontado como um dos mais interessantes no quesito Melhor Filme. Muitos pesos pesados na categoria. Sagrou-se campeão o drama esportivo Rocky: Um Lutador em cima de produções como Todos os Homens do Presidente, de Alan J. Pakula, Rede de Intrigas, de Sidney Lumet e Taxi Driver, de Martin Scorsese. Imaginem como foram os bolões de apostas à época, com tantos memoráveis filmes disputando a estatueta. Ainda que Rocky não seja ruim – longe disso, aliás – a produção empalidece ao ser comparada com seus concorrentes. Temos dois longas-metragens com forte apelo jornalístico – um mais político, outro puramente midiático – e uma das obras primas de Scorsese na corrida. E Taxi Driver merecia muito o prêmio. Um dos principais títulos da chamada Nova Hollywood, o longa-metragem estrelado por Robert De Niro e uma jovem talentosíssima chamada Jodie Foster deixou boquiaberta parcela significativa de sua audiência com uma visão crua e sangrenta do lado barra pesada de Nova York. Ao olhar no espelho e falar consigo mesmo, desafiando um inimigo invisível, Travis Bickle
Touro Indomável (Raging Bull, 1980)
A estreia na direção de Robert Redford arrebatou o prêmio máximo do Oscar em 1981 e três outros: direção, roteiro e ator coadjuvante. Olhando em retrocesso, seu pequeno grande filme sobre a desintegração de uma família supostamente perfeita parece realmente irretocável, porém Gente Como a Gente (1980) não sobreviveu ao tempo – e você, leitor, pode justificadamente estar se perguntando que raios de filme é este. O drama de Redford, ainda que competente e repleto de qualidades, não só é eclipsado quando comparado pela maestria de Martin Scorsese com Touro Indomável (1980) como por outros dois concorrentes ao Oscar de Melhor Filme no mesmo ano: O Homem Elefante (1980), de David Lynch, e Tess: Uma Lição de Vida (1979), de Roman Polanski. Scorsese teve seu reconhecimento pela Academia décadas mais tarde, com Os Infiltrados (2006), mas poucos aceitaram e ainda relevam o fato de uma de suas maiores obras – a trajetória visceral e impressionante do boxeador Jake LaMotta – fosse preterida por qualquer outro de seus concorrentes ao autoproclamado prêmio máximo do cinema. Ainda que não tenha saído de mãos abanando, já que Robert De Niro e a montadora Thelma Schoonmaker foram merecidamente premiados, Touro Indomável ostenta o maior dos méritos: sua atemporalidade e relevância perene se sobressai a muitos outros oscarizados. – por Conrado Heoli
Pulp Fiction: Tempos de Violência (Pulp Fiction, 1994)
Forrest Gump: O Contador de Histórias (1994) não é um mau filme, mas daí a achar que foi justo ele ter levado para casa o Oscar principal, derrotando uma realização muito superior como Pulp Fiction: Tempos de Violência (1994), é um pouco demais. O longa de Quentin Tarantino havia ganhado a prestigiada Palma de Ouro de Cannes, era celebrado pela crítica nos quatro cantos do mundo, possuía elenco forte, trilha inspirada, trama cativante, estrutura narrativa inventiva, personagens que, o tempo provou, estavam fadados a grudar no imaginário cinéfilo, ou seja, tinha tudo para sair da festa da Academia com as mãos cheias. Foi indicado em sete categorias, mas, infelizmente, ganhou apenas Melhor Roteiro Original – o que é pouco, muito pouco. Perdeu a cereja do bolo para o filme de Robert Zemeckis, numa das maiores injustiças da história do Oscar. Comparar os dois é constatar o abismo entre o bom e o excepcional. Forrest Gump: O Contador de Histórias é o convencional bem feitinho, enquanto Pulp Fiction: Tempos de Violência é cinema de primeira. Entre “A vida é como uma caixa de chocolates, você nunca sabe o que vai encontrar” e “Todo mundo quieto. Isto é um assalto! Se algum de vocês se mover, eu executo todo mundo, seus filhos da puta”, alguma dúvida? – por Marcelo Müller
O Resgate do Soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998)
Shakespeare Apaixonado consegue divertir ao montar uma história de amor proibido entre Willian Shakespeare (Joseph Fiennes) e Viola De Lesseps (Gwyneth Paltrow), algo que inspira o autor clássico a desenvolver um de seus principais trabalhos. É uma produção simpática e inofensiva, que agrada o público com certa facilidade, mesmo que não se arrisque muito ao longo de sua narrativa e se apoie em clichês batidos. Por algum motivo (que provavelmente deve ter sido a influência do produtor Harvey Weinstein), isso foi o suficiente para que o filme virasse um grande concorrente no Oscar de 1999 ao lado de O Resgate do Soldado Ryan, uma obra-prima de Steven Spielberg, do tipo que ele não faz há algum tempo. Aliás, quando este filme rendeu o prêmio de Melhor Direção para Spielberg, muitos ficaram aliviados porque seria um indicativo de que o Oscar de Melhor Filme também iria para ele. Mas Shakespeare Apaixonado foi anunciado como grande ganhador da noite, algo até hoje muito questionado e difícil de engolir, numa prova de que campanhas na temporada de premiações tem sua eficácia, ainda que injusta muitas vezes. – por Thomás Boeira
Moulin Rouge: Amor em Vermelho (Moulin Rouge, 2001)
Após Uma Mente Brilhante, um bom filme dirigido por Ron Howard, levar o Oscar de melhor do ano, os influentes irmãos Weinstein, produtores, se aproveitaram do gênero musical e fizeram vencedor do mesmo prêmio Chicago, de Rob Marshall. Mas não foi esse projeto que propriamente revitalizou o formato, pois sua premiação foi mais uma correção da Academia por não ter reconhecido um ano antes o fantástico Moulin Rouge: Amor em Vermelho, de Baz Luhrmann. Até mesmo o prêmio de Melhor Atriz para Nicole Kidman foi uma espécie de consolação – embora sua performance em As Horas não seja menos digna de um. Ao contrário do drama estrelado por Russell Crowe, Moulin Rouge se tornou um clássico instantâneo com as suas releituras criativas e marcantes e músicas como Like a Virgin, Roxanne e Nature Boy. Carismático, dono de um design de produção fabuloso (esse, sim, reconhecido com duas estatuetas) e contando ainda com um elenco inspirado, é um desses filmes perfeitos em todos seus quesitos e, como tais, só há uma chance para premiá-los. Por isso não foi Moulin Rouge que perdeu o Oscar de Melhor Filme, mas a Academia que perdeu a chance de tê-lo na sua seleta galeria de vencedores. – por Yuri Correa
O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005)
O cenário era este: Ang Lee havia recém ganho seu Oscar de Melhor Direção e a festa seguia para o momento apoteótico da noite. Jack Nicholson foi o escolhido para entregar o principal prêmio de 2006 e, ao abrir o envelope, não conseguiu conter a surpresa. Ele não anunciaria O Segredo de Brokeback Mountain como vencedor, mas Crash: No Limite, o azarão da noite. O vídeo da entrega está no You Tube, no canal oficial do Oscar, e não me deixa mentir. Boa parte do salão ficou estupefata com o resultado. Novamente somos obrigados a colocar na conta o conservadorismo dos votantes da Academia, que não quiseram dar ao drama gay estrelado por Heath Ledger e Jake Gyllen
A Rede Social (The Social Network, 2010)
Na temporada de premiações de 2011, A Rede Social largou na frente, abocanhando prêmios de associações de críticos e até mesmo o Globo de Ouro (este último já não tem tanta credibilidade, mas ainda assim vamos colocar na soma aqui). No entanto, o filmaço de David Fincher sobre a origem do Facebook acabou perdendo forças diante das grandes campanhas a favor de O Discurso do Rei, que ganhou popularidade entre os votantes e se consagrou como campeão no Oscar. E isso foi decepcionante, não só pela história do rei George VI (Colin Firth) seguir aqui um formato um tanto convencional, sendo possível até prever alguns dos conflitos que a permeiam, mas também por ser conduzida de forma pedestre por Tom Hooper, cuja vitória na categoria de Melhor Direção foi inacreditável. Além disso, naquele ano ainda concorriam produções como A Origem, Bravura Indômita, Toy Story 3, Cisne Negro e Inverno da Alma. Ou seja, mais da metade dos indicados era melhor do que o grande vencedor. É verdade que O Discurso do Rei tem suas qualidades e no geral mostra ser um bom filme, mas a ponto de ganhar o Oscar já é exagero. – por Thomás Boeira