A data 28 de junho é de importância histórica pois se comemora o Dia Internacional do Orgulho LGBT. Tudo começou nos EUA, em 1969, por conta de um episódio de resistência no bar Stonewall Inn em que os frequentadores do local, um conhecido ponto gay da cidade, se rebelaram contra a polícia, que sempre fazia batidas por lá. O movimento ultrapassou várias gerações de homossexuais, transexuais e afins nestas últimas quase cinco décadas com resultados positivos para a comunidade LGBT em todo o mundo, ainda que seja preciso ainda mais luta, pois o preconceito continua em alta. Na filmografia brasileira, são inúmeros os títulos que dizem a respeito das sexualidades fora dos padrões. E justamente por ser um dos países em que a homofobia tem um dos maiores índices de violência no mundo, se torna ainda mais importante que a produção artística aborde o tema em todos os âmbitos. Por isso a equipe do Papo de Cinema resolveu unir esta data com a seleção de dez belos filmes nacionais que tratem de LGBT. Confira se o seu favorito está na lista. Se não estiver, não se preocupe. É muita coisa boa pra gente ficar com apenas uma seleção.
O Beijo no Asfalto (1981)
Baseado em uma das mais celebradas e polêmicas peças de Nelson Rodrigues, que já havia sido adaptada para os cinemas em O Beijo (1964), de Flávio Tambellini, este longa do cineasta Bruno Barreto narra a história de Arandir (Ney Latorraca), que presencia o atropelamento de um homem por um ônibus e resolve atender ao último pedido da vítima: um beijo. A cena é presenciada por Aprígio (Tarcísio Meira), sogro do protagonista, e pelo repórter sensacionalista Amado Pinheiro (Daniel Filho), que transforma o ocorrido na manchete de capa de seu jornal, levantando a tese de que Arandir teria um caso amoroso com o estranho atropelado. Barreto conduz com extrema segurança esta trama trágica repleta de temas e reviravoltas típicas do universo rodrigueano, que ficou marcada por tratar abertamente da homofobia na sociedade brasileira, já que a vida de Arandir é transformada em um verdadeiro inferno – pelo preconceito de vizinhos, amigos de trabalho, polícia e imprensa – devido à sua suposta homossexualidade. Contando com ótimas atuações do elenco, que também inclui Christiane Torloni e Lídia Brondi, o filme ainda traz um momento emblemático da história do cinema nacional, o beijo gay protagonizado pelo galã Meira e por Latorraca na bela sequência final. – por Leonardo Ribeiro
O Beijo da Mulher Aranha (1985)
A adaptação da obra literária de Manuel Puig foi um dos projetos mais ousados de Hector Babenco. Com produção mezzo brasileira, mezzo ianque, O Beijo da Mulher Aranha foi rodado aos trancos e barrancos em terras tupiniquins, mas chegou a um resultado maior que o esperado. O filme foi um dos grandes sucessos de crítica da época, levando o prêmio de atuação para William Hurt no Festival de Cannes e no Oscar, onde também concorreu a Direção, Roteiro Adaptado e Filme do ano. Na trama, passada na América do Sul, Luis Molina (Hurt), homossexual condenado por pederastia, divide a cela com Valentin (Raul Julia), um preso político. Do estranhamento inicial dos dois, surge uma amizade que se converte em paixão para um deles. Enquanto passam seus dias trocando olhares ácidos sobre a vida, Molina tem alucinações com a história da tal Mulher Aranha do título (Sônia Braga) e inventa uma trama de espionagem com nazistas, ao passo que Valentin é torturado constantemente para entregar seus colegas. O Beijo da Mulher Aranha não é apenas um filme político-gay-contra-opressão. É, antes de tudo, cinema de extrema qualidade que fala da própria sétima arte como arma de combate e de ilusão. Algo que muitos tentam, mas poucos conseguem unir e entregar em uma obra tão densa e deliciosa de assistir. – por Matheus Bonez
Madame Satã (2002)
O longa de Karim Aïnouz não é apenas a biografia de um homossexual que quebrou as barreiras do preconceito por amor à arte. Em uma época que o cinema brasileiro ainda estava engatinhando pra se livrar dos estigmas de arte marginalizada e ser lembrado sempre pela pornochanchada ou pela “pobreza” (usando os termos do próprio público). Pois é justamente com um protagonista marginalizado que o cineasta utiliza sua história para reinventar planos do próprio cinema e apresentar um filme de arte palatável para o público, ainda que as cenas de sexo e agressividade possam parecer chocantes demais num primeiro momento. Mas chocante é também a vida de João Francisco dos Santos, que na Lapa dos anos 1930 se torna um artista de palco sempre evocando a Sherazade do clássico literário As 1001 noites para compor não apenas um personagem, mas sua própria persona. Sua loucura, densidade e introspecção conferem à sua futura Madame Satã um aspecto único que vai além das denominações comuns de gay, travesti, drag queen. Ele é todos em um e muito mais. Algo que a interpretação de Lázaro Ramos torna ainda mais intenso com o passar da história. Ao final, não é só uma cinebiografia. É um ode à libertação, seja da sexualidade ou de pensamento. – por Matheus Bonez
Elvis & Madona (2008)
Escrito e dirigido por Marcelo Laffitte, este filme conta a história de um casal inusitado: o romance que surge entre uma lésbica (Elvis) e um travesti (Madona). Laffitte, antes de se aventurar neste que é seu primeiro trabalho como realizador, trabalhou como produtor assistente de filmes como Bete Balanço (1984), de Lael Rodrigues, e O Xangô de Baker Street (2001), de Miguel Faria Jr., além de ter dirigido uma variedade de curtas. Toda essa experiência lhe foi suficiente para criar uma drama que sabe prender a atenção do público. Muito dos méritos de Elvis & Madona estão na escolha do elenco, que aposta como casal central a excelente Simone Spoladore (Elvis) e o surpreendente Igor Cotrim (Madona). Após ser finalizado, este trabalho ficou mais de um ano na lista de espera para ganhar um espaço nas telas brasileiras. Teve uma distribuição canhestra e muita gente ainda deve descobri-lo. Simpático, bem humorado e livre de preconceitos, consegue, a despeito de suas falhas, acrescentar algo ao gênero tão batido da comédia romântica e ainda oferece uma outra visão – mais tolerante, colorida e militante – sobre um tema que sempre merece ser pensado com carinho, o processo de formação das novas famílias. – por Robledo Milani
Do Começo ao Fim (2009)
A trama de Aluizio Abranches sobre o relacionamento incestuoso entre dois meio-irmãos teria potencial para diversas discussões, mas deliberadamente toma o caminho mais simples. Justamente por isso, surpreendente, evita polêmicas gratuitas e centra seu discurso naquilo que realmente interessa: o amor. Uma mulher se casa, tem um filho, e alguns anos depois, se separa. Mais um tempo passa, outro casamento acontece, e uma nova criança ganha vida. Os dois são irmãos por parte de mãe, mas os laços que os unem são muito maiores e mais fortes do que esta ligação possa sugerir. São almas que se encontram, decididas a não mais se separarem. Há sexo, há nudez, há beijo. Há diversos elementos que podem incomodar e até mesmo afastar os mais conservadores. Mas não há gratuidade em nada disso. Tudo possui um sentido muito claro, e Abranches , enquanto diretor e roteirista, tem pleno domínio de sua criação. Do Começo ao Fim, no entanto, não se permite perder tempo questionando o sexo dos anjos. Pode parecer um pouco presunçoso, porém os resultados obtidos comprovam seu lirismo e uma delicadeza ímpar. A vez não é da prosa, da lógica, do comum. O espaço aberto cabe à poesia, e ela sabe fazer bom uso dessa oportunidade. E feliz também é aquele que consegue levar consigo um pouco dessa luz. – por Robledo Milani
Como Esquecer (2010)
O filme de Malu de Martino pode parecer simples à primeira vista. Afinal, a trama, ainda que contando com vários personagens, é costumeira em sua sinopse no que diz respeito às relações amorosas. Porém, nada é tão fácil. Especialmente deixar de lado alguém nas mais variadas formas. Pois Júlia (Ana Paula Arósio) não se conforma de ter sido abandonada por companheira Antônia depois de 10 anos de relacionamento. Quem tenta lhe dar apoio é o amigo Hugo (Murilo Rosa), viúvo do namorado morto tempos antes e que, tal como Júlia, não consegue fugir das recordações. A eles se junta a artista plástica Helena (Arieta Corrêa), grávida abandonada pelo namorado. Entre as duas mulheres da história há uma conexão forte, ainda que a primeira seja de um humor intragável de tão ranzinza e a segunda veja a vida de forma mais otimista. E é neste leque de relações que a trama vai se aprofundando, mostrando que não importa se você é homo, hetero, bi ou o quer que seja: o sofrimento de ir adiante é o mesmo. Talvez pela própria simplicidade com que trata este assunto, Como Esquecer se torna uma obra tão poderosa. – por Matheus Bonez
Tatuagem (2013)
Ainda sob o jugo da ditadura militar no Brasil, um grupo de artistas performáticos, liderados pelo personagem de Irandhir Santos, desafia com irreverência as convenções e a carolice imperativa. Seus números iconoclastas no palco do Chão de Estrelas apostam na força, na sensualidade e na naturalidade dos corpos. Em meio a isso, o protagonista se envolve com um soldado, ou seja, com alguém lotado no extremo aposto dessa luta em que ele se vale da poesia, da música, enfim, da arte, a fim de fazer valer os direitos de existir sem restrições. Neste que é o primeiro longa-metragem de Hilton Lacerda como diretor, os números musicais/poéticos entrecortam as demais camadas, dando o tom libertário que prevalece no decorrer da trama. Irandhir e Jesuíta Barbosa, intérpretes do envolvimento amoroso/sexual que personifica a transgressão defendida pelos componentes da trupe, merecem todo reconhecimento em virtude do excepcional trabalho, que funciona tanto no registro mais expressivo e desbragado quanto no que tange às evidências oriundas dos não ditos e dos olhares enviesados. Lacerda choca a sedimentada tradição, valendo-se dos intentos de revolução como arma, nesse excelente filme que faz jus com folga aos prêmios recebidos. – por Marcelo Müller
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014)
Depois de conquistar a internet e vários festivais com o curta-metragem Eu Não Quero Voltar Sozinho (2010), o diretor e roteirista Daniel Ribeiro decidiu expandir a história do jovem paulistano Leonardo (Ghilherme Lobo) em seu primeiro longa-metragem. O resultado foi o belo e delicado Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. Leonardo é deficiente visual e, como qualquer adolescente, busca a própria independência em meio a dúvidas e inseguranças. Incapaz de perceber os olhares apaixonados da amiga de infância Giovana (Tess Amorim), ele lida com o bullying que sofre no colégio, com os pais superprotetores e com um sentimento que desperta com a chegada de um novo aluno na turma, Gabriel (Fabio Audi). Com performances competentes dos três atores principais, Daniel Ribeiro trata com leveza as questões que levanta, jamais reduzindo o protagonista à sua deficiência ou à sua sexualidade. Esquivando-se do drama que tende a aparecer em filmes que focam em relacionamentos homossexuais, como a luta contra o preconceito, a violência ou a dificuldade de aceitar a si mesmo, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é um filme doce e agradável, além de um retrato honesto da adolescência e das descobertas que a acompanham. – por Marina Paulista
Praia do Futuro (2014)
Karim Aïnouz tem uma filmografia singular que desafia os conceitos mais prosaicos de gênero, raça e sexualidade. Em Praia do Futuro (2014), seu quinto longa-metragem, o diretor compõe uma delicada história de amor e desamor bastante verossímil, daquelas universais e que são facilmente reconhecidas, emocionam e propiciam reflexões profundas sobre relações afetivas. Acontece que, no filme, o casal protagonista é composto por dois homens, um deles interpretado por Wagner Moura. O popular ator baiano e símbolo de masculinidade, que eternizou o Capitão Nascimento em Tropa de Elite (2007), foi criticado severamente por espectadores incautos pelo papel de um homossexual, assim como Aïnouz e este filme como um todo. Acima de qualquer preconceito que tenha afastado espectadores das salas de cinema, Praia do Futuro é um filme sobre o dilema de um personagem dividido entre dois universos: aquele com poucas motivações além da família e do trabalho e outro muito diferente, que se transforma a partir de um amor arrebatador e uma escolha cruel. Com Clemens Schick e Jesuíta Barbosa no elenco, Aïnouz tem aqui um de seus maiores trabalhos. Sua obra merece destaque entre o melhor da produção nacional recente – seja ela protagonizada por personagens gays ou não. – por Conrado Heoli
Beira-Mar (2015)
Premiado no Festival do Rio, Cine em Guadalajara no México ainda na mostra For Rainbow, no Ceará, Beira-Mar teve uma de suas primeiras sessões no prestigiado Festival de Berlim, na Alemanha, onde a história dos amigos Martin e Tomaz foi merecidamente ovacionada. A relação de amizade dos garotos ganha contornos delicados quando ambos passam um fim de semana isolados no litoral, entre a intenção de resolver antigos problemas familiares de um deles e de aproveitar a ocasião para se divertirem despreocupadamente. A trama perpassa um período definidor e de autodescoberta na vida de seus protagonistas, que aos poucos permitem-se descobrir que a relação que compartilham guarda nuances até então desconhecidas por ambos. Ainda que seja o primeiro longa-metragem dirigido pelos jovens Filipe Matzembacher e Márcio Reolon, os cineastas possuem outros premiados trabalhos entre produções de curta duração, videoclipes e séries para televisão, entre interessantes projetos que devem evidenciar ainda mais o talento da dupla nos próximos anos. A fotografia de João Gabriel de Queiroz é um espetáculo particular, apoiada na etérea coloração de um inverno praiano que reitera a máxima de que o azul é a cor mais quente. – por Conrado Heoli
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