Ah, Pedro Almodóvar. Pode algum cineasta (do sexo masculino) na atualidade ser mais empático e entendedor da alma feminina do que o cineasta espanhol? Desde o início de sua filmografia, são elas que tomam conta de suas produções em papeis fortes, corajosos e determinantes, que dão uma aula para qualquer um sobre o que é ser mulher na sociedade, não importa o grau de loucura e melodrama que elas possam alcançar em seus longas. Ao longo de quase 40 anos de carreira, o diretor já trabalhou com dezenas de atrizes, mas algumas delas se tornaram tão icônicas que mereciam uma lista especial há muito tempo. Pois com a estreia do novo filme do cineasta, Julieta (2016), a equipe do Papo de Cinema tomou este desafio em mãos e resolveu selecionas dez de suas musas durante todos estes anos. O resultado você confere aqui. Aliás, será que a sua favorita também está nesta seleção?
Chus Lampreave
Filme essencial: Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984)
Chus Lampreave, a simpática e irascível vovó descoberta por Pedro Almodóvar no início dos anos 1980, não era nenhuma novata – seu primeiro crédito artístico vinha de 1959. No entanto, foi como a Irmã Rata de Maus Hábitos (1983) que demonstrou pela primeira vez um talento diferenciado, a ponto de merecer um lugar especial nessa incrível galeria de personagens femininas. Ao todo foram sete trabalhos em conjunto – o último em Abraços Partidos (2009) – mas nenhum, provavelmente, tenha tido tanto destaque quanto a Avó de Que Fiz Eu Para Merecer Isto?. Mais uma peça no quebra-cabeça infernal que atormenta a vida da protagonista interpretada por Carmen Maura, Chus surge com um carisma inigualável, seja surrupiando madaleñas da cozinha ou cuidando do lagarto de estimação, ela compõe a típica figura que se tornaria clássica nos filmes do diretor: ligeiramente fora do esquadro, mas de uma empatia tamanha que é impossível desgrudar os olhos dela. Por fim, mais uma performance que chamou atenção: em Volver (2006), como a tia quase esquecida pelas sobrinhas, ela surge apenas no começo da trama, mas com uma presença tão forte que justificou sua inclusão no prêmio coletivo de Melhor Atriz recebido no Festival de Cannes! – por Robledo Milani
Carmen Maura
Filme essencial: Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988)
Carmen Maura já era diva de Pedro Almodóvar muito antes dele ser o diretor consagrado de hoje. Os dois se tornaram amigos ainda muito jovens, quando ele estava recém começando a dirigir seus primeiros curtas, ambos envolvidos pela turbulenta ‘movida’ espanhola dos anos 1970. Foi ao dividir uma ideia com a atriz – ela já famosa, ele um desconhecido – que, motivada pelo entusiasmo dele, Maura organizou uma ‘vaquinha’ para juntar a grana suficiente para que ele dirigisse seu primeiro longa, Folle… folle… fólleme Tim (1978), feito em super 8 e nunca lançado comercialmente. Ao todo foram oito inestimáveis parcerias na tela grande, mas a racha entre eles veio também com o ápice da relação: em Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, o impacto dessa comédia de erros foi tão grande que Almodóvar conquistou sua primeira indicação ao Oscar. No entanto, ao invés de levar a musa ao seu lado para a festa de Hollywood, ele optou pela companhia do galã Antonio Banderas. Carmen nunca o perdoou, e assim estava determinado o afastamento entre os dois, que foi desfeito apenas vinte anos depois, com Volver (2006). Mas ainda assim, ela sentenciou na época: “foi apenas mais um trabalho como qualquer outro, como dois profissionais. Amigos como antes, nunca mais!”. – por Robledo Milani
Cecília Roth
Filme essencial: Tudo Sobre Minha Mãe (1999)
Exilada na Espanha durante a ditadura que assolou a Argentina a partir dos anos 70, Cecilia Roth se firmou no cinema espanhol e logo o tornou sua principal janela e ofício. Durante os anos 80 colaborou com Pedro Almodóvar em quatro produções, incluindo o primeiro longa Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (1980). Os demais foram Labirinto de Paixões (1982), Maus Hábitos (1983) e Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984). Seu papel em Labirinto de Paixões talvez seja o mais destacável dessas parcerias iniciais com Roth interpretando a ninfomaníaca e roqueira Sexilia. O reencontro entre Almodóvar e a atriz só aconteceria novamente 15 anos depois com a obra-prima Tudo Sobre Minha Mãe (1999). Muito longe das comédias exageradas e sensuais que iniciaram a trajetória conjunta da dupla, o filme tem um forte peso dramático e referências profundas aos melodramas. A produção venceu o Oscar de Filme Estrangeiro e destacou merecidamente o talento nato de Roth, garantindo a ela o Goya de melhor atriz em 2000 e o papel mais emblemático de sua carreira. A reprise dessa colaboração frutífera só seria vista novamente com o lançamento da fraca comédia Os Amantes Passageiros (2013), na qual Cecilia retornava ao sexy appeal que tanto explorou nas comédias do diretor nos anos 80, mas aqui interpretando uma “tigresa” dominatrix chantagista que atendia diversos políticos do alto escalão espanhol. – por Renato Cabral
Julieta Serrano
Filme essencial: Maus Hábitos (1983)
No livro Conversas com Almodóvar, o cineasta espanhol diz que descobriu a força do primeiro plano com Julieta Serrano, pois sua expressividade se impôs nas filmagens de Maus Hábitos (1983). Neste longa, a atriz interpreta a Madre Superiora viciada em cocaína e apaixonada pela cantora refugiada no convento por ela chefiado. Julieta tem um olhar forte e uma forma peculiar de compor seus personagens, que tanto serve ao drama quanto à comédia. Prova disso é outro de seus trabalhos memoráveis com Pedro Almodóvar, Lucia, a mulher do dublador enrabichado pela protagonista vivida por Carmen Maura em Mulheres à Beira de Um Ataque de Nervos (1988), uma figura impagável que se equilibra entre a insanidade e o nonsense. Fora essas duas atuações mais lembradas, Julieta Serrano também esteve em Matador (1986), como Berta, mãe do personagem de Antonio Banderas, uma seguidora ferrenha da Opus Dei que cobra do filho a confissão na igreja. Na primeira produção de Almodóvar, Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (1980) ela aparece brevemente como uma artista de teatro e em Ata-me (1989) surge como a esposa passiva do diretor de cinema. Por toda essa história, Julieta é, sem dúvida, uma das mais importantes Chicas de Almodóvar. – por Marcelo Müller
Lola Dueñas
Filme Essencial: Volver (2006)
Lola Dueñas é uma daquelas expressivas atrizes que Pedro Almodóvar tanto gosta de escalar em seus filmes. Despontou em um pequeno papel em Fale com Ela (2002), mas teve momento muito mais destacado em Volver (2006), no qual vivia a irmã de Raimunda, interpretada por Penélope Cruz. A personagem de Dueñas foi desenhada como a verdadeira antítese da irmã – e muito embora não pareça tão forte, acabou sendo escolhida pela falecida mãe, vivida por Carmen Maura, para ser sua “ligação com o mundo exterior”. Pela atuação, as atrizes do elenco levaram a Palma de Ouro no Festival de Cannes, dividindo o louro. Em Abraços Partidos, a atriz teve chance novamente de brilhar, vivendo uma leitora de lábios que entra na história para desatar alguns nós naquela trama de suspense e desejo. Por fim, em Os Amantes Passageiros, Dueñas retoma sua parceria com Almodóvar vivendo a vidente (e virgem) Bruna. Sabendo como as tramas do diretor espanhol são conduzidas, não é muito difícil desvendar qual será o destino desta passageira. O filme até pode não ser um dos mais interessantes da carreira do diretor, mas Lola segura a atenção do espectador com sua sempre cativante presença. – por Rodrigo de Oliveira
Marisa Paredes
Filme essencial: A Flor do Meu Segredo (1995)
A madrilenha Marisa Paredes é, acima de qualquer outra, a diva nórdica de Pedro Almodóvar, com sua aparência fria, altiva e distante. Loira de porte suntuoso, foi a figura perfeita para o diretor criar tipos problemáticos, porém donos de muita autoridade e elegância. Da Irmã Esterco, de Maus Hábitos (1983), à governanta Marília, de A Pele que Habito (2011), foram seis tipos inesquecíveis, da mãe soberba e egocêntrica de De Salto Alto (1991) – pelo qual ganhou o kikito no Festival de Gramado – até a estrela Huma Rojo, de Tudo Sobre Minha Mãe (1999). Entre um e outro, no entanto, ganhou do cineasta o papel dos seus sonhos em A Flor do Meu Segredo, em que viveu a protagonista, uma escritora de novelas sentimentais que, envolvida pela própria insatisfação de sua vida, se vê envolta por um universo em que não mais consegue discernir entre ficção e realidade. Uma performance arrebatadora, que lhe valeu troféus dos festivais de Karlovy Vary, Fotogramas de Plata e Sant Jordi, além de indicações ao Goya (sua única na categoria principal) e à premiação dos Atores Espanhóis. – por Robledo Milani
Penélope Cruz
Filme Essencial: Volver (2006)
É muito provável que o espectador lembre de Penélope Cruz e sua intensa parceria com o diretor Pedro Almodóvar por causa dos magníficos Volver (2006) e Abraços Partidos (2008), dois dos longas-metragens mais interessantes da filmografia mais recente do diretor. No entanto, esse “namoro” entre os dois dura mais tempo. A atriz já surgia em pequeno papel em Carne Trêmula (1997) como coadjuvante de seu futuro marido Javier Bardem. Pouco tempo depois, ganhou uma oportunidade de brilhar ainda mais em Tudo sobre Minha Mãe (1999). Mas é como a Raimunda de Volver que a estrela mostra seu mais puro talento, vivendo uma mulher, mãe de família, que enquanto vive as voltas com um marido “desaparecido”, descobre verdades sobre sua falecida mãe. Pelo papel, ganhou a Palma de Ouro de Melhor Atriz em Cannes (dividida com suas colegas de elenco) e teve sua primeira indicação ao Oscar. Depois de boa presença em Abraços Partidos, ainda voltaria a transitar no universo almodovariano em Os Amantes Passageiros (2013), mas em uma pequena ponta apenas. – por Rodrigo de Oliveira
Rossy De Palma
Filme essencial: Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988)
Conhecida como a tela de Picasso que ganhou vida, Rossy De Palma é uma das mais icônicas atrizes de Pedro Almodóvar. Depois de uma rápida aparição em A Lei do Desejo (1987), suas filmografias se construíram juntas com o sucesso de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), filme de estreia da atriz que impulsionou sua carreira e a do cineasta para além das fronteiras europeias. Descoberta por Almodóvar em um café, a então cantora e dançarina de Palma de Maiorca rapidamente ascendeu aos holofotes do cinema e também da moda, como modelo de designers do porte de Jean-Paul Gaultier e Thierry Mugler. Nas telas, ainda trabalhou com outros renomados cineastas, como Robert Altman (Prêt-à-Porter, 1994) e Patrice Leconte (O Que Eu Fiz Para Merecer Isso?, 2014), porém suas aparições mais memoráveis são mesmo nos projetos do cineasta espanhol. Desde sua primeira incursão nas telas, a presença enigmática e beleza picassiana de Rossy De Palma impressionam tanto quanto seu potencial dramático e cômico. Mesmo dormindo em quase toda a duração de Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos, ela consegue roubar sequências de Antonio Banderas e Carmen Maura, algo que continuaria a fazer pelos anos seguintes, até mesmo no recente Julieta (2016). – por Conrado Heoli
Veronica Forqué
Filme essencial: Kika (1993)
A madrilenha Veronica Forqué estudou Arte Dramática e começou a carreira de Psicologia, mas nunca concluiu esta faculdade. Ainda mais quando começou a trabalhar no cinema no início dos anos 70 em filmes de seu pai, o diretor e produtor José María Forqué. O grande passo de sua carreira, é claro, se deu ao lado daquele que seria seu mestre. Quando Pedro Almodóvar a convidou para viver a prostituta Cristal em Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984), seu estrelato na comédia atingiu novos patamares. A elogiada parceria se repetiria dois anos depois em Matador (1986), mas só seria retomada, e com tons ainda mais elogiosos, quase uma década depois. No papel título de Kika (1993), Veronica assume uma maquiadora otimista com a vida que se mete em uma confusão atrás da outra, até um estupro mal sucedido. Seu tom de voz característico cai como uma luva na personagem, sempre a ponto de ter algum ataque histérico em compasso com a bondade com que trata a todos. Este foi o último trabalho dos dois juntos até então. E olha que rendeu muitos frutos, inclusive o Goya de Melhor Atriz para ela. Enquanto eles continuam afastados, nada como rever estes papeis e, como a própria Kika diria, “Viva la pestaña“! – por Matheus Bonez
Victoria Abril
Filme Essencial: Ata-me (1989)
Após o rompimento com Carmen Maura, Pedro Almodóvar encontrou a protagonista perfeita em Victoria Abril para o sexy Ata-me. Os dois fizeram mais dois filmes juntos. Mas logo também houve briga entre eles. Ela disse que o cineasta só queria saber das atrizes na faixa dos 30 anos. Ele teria dito que a atriz não sabe ouvir. Controvérsias à parte, certamente alguns dos melhores papéis de sua carreira foram em longas do diretor. Impossível esquecer a tresloucada jornalista sensacionalista Andrea Caracortada com sua câmera na cabeça pronta para produzir El Peor Del Dia em Kika (1993), ou a filha que segue os mesmos passos da mãe esquecida em De Salto Alto (1991). Porém, se nestas duas produções vemos os extremos do talento de Victoria, da intensa carga emocional ao escracho de provocar as mais altas gargalhadas, é no equilíbrio de drama e comédia de Ata-me que a intérprete une o melhor dos dois ao lados ao dar vida à Marina, a atriz pornô que acaba por sofrer uma Síndrome de Estocolmo por seu algoz (ninguém menos que Antonio Banderas). Com uma parceria tão intensa, resta a torcida para que a briga acabe e a dupla faça as pazes para novos bons filmes e personagens. – por Matheus Bonez
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