O discurso de Patricia Arquette, vencedora do Oscar 2015 como Melhor Atriz Coadjuvante, foi certeiro: a equiparação salarial entre homens e mulheres. Neste ano também, a ala feminina deu um basta às perguntas corriqueiras sobre vestidos e afins no tapete vermelho, enquanto seus colegas do sexo oposto sempre são questionados sobre seus trabalhos e projetos futuros. As mulheres são presenças cruciais em várias histórias cinematográficas, mas ainda hoje seus papeis principais são em menor quantidade se compararmos com os dos protagonistas do sexo masculino. Com uma voz cada vez mais ativa na sétima arte e a aproximação do Dia Internacional da Mulher a ser comemorado no dia 8 de março, a equipe do Papo do Cinema resolveu eleger dez dos vários filmes que tem como protagonistas mulheres fortes e que lutam por seus direitos, seja no campo político, social ou sexual.
Norma Rae (1979)
A luta sindical promovida pela voz de uma mulher é o que norteia este drama estrelado por Sally Field. No papel-título, ela é trabalhadora de uma fábrica têxtil de 800 funcionários em que as condições vão muito além da insalubridade. Após perder provisoriamente a audição e ter sido ignorada pelos chefes, Norma passa a reclamar com uma ênfase cada vez maior sobre o que acontece e acaba sendo promovida à supervisora de qualidade, numa forma de deixá-la quieta. Ledo engano dos proprietários. Com apoio do Sindicato dos Tecelões da América, ela promove uma luta nesta que era a única fábrica têxtil sem sindicato. Ao mesmo tempo, precisa lidar com o casamento e os filhos em casa. Impossível esquecer a cena em que, após ser demitida, Norma escreve um cartaz com a palavra “union” (“união“) em letras garrafais, sobe em cima da mesa, e os outros operários começam a desligar as máquinas e se unem a ela. De modo mundo impactante, este longa não é apenas sobre uma luta de classes e direitos trabalhistas, mas a respeito da visão e ação de uma mulher sobre este conjunto, mostrando o girl power que até então ainda era tímido, mesmo em 1979 e após queima de sutiãs em praça pública e outros manifestos afins. Ainda deu fôlego para outras produções femininas de Hollywood que lidam com temas importantes, como Terra Fria (2005), que segue basicamente a mesma temática com uma Charlize Theron no comando da ação. – por Matheus Bonez
Thelma & Louise (1991)
Quando se pensa em fortes personagens femininas no cinema, Thelma Dickinson e Louise Sawyer são algumas das primeiras a virem em mente. Interpretadas respectivamente por Geena Davis e Susan Sarandon, se tornaram exemplos de figuras independentes, que decidem tentar viver a vida de maneira proveitosa, deixando para trás suas rotinas infelizes, seja por causa de empregos enfadonhos ou por homens que não as merecem. Dirigido por Ridley Scott, este filme traz suas protagonistas partindo em uma viagem de férias que logo mostra não ser tão simples quanto imaginavam a partir do momento em que Louise mata um homem que tenta estuprar Thelma, obrigando-as a saírem como fugitivas. O história faz jus à força das personagens, que têm uma na outra a companhia ideal para encarar os obstáculos que enfrentam, surgidos como consequência direta de homens que tentam se aproveitar delas, como se fossem tolas ingênuas que não sabem o que querem. E Davis e Sarandon (ambas indicadas ao Oscar de Melhor Atriz pelo filme) as encarnam de maneira absolutamente admirável, numa dinâmica que é responsável por boa parte do filme ser tão envolvente, emocionante e impactante. – por Thomás Boeira
Mulan (1998)
Para ser aceita pelas outras mulheres de sua vila e honrar seus pais, Mulan deve se enquadrar no modelo ideal feminino da China imperial: silenciosa, obediente e ter vigor, afeita aos trabalhos domésticos e submissa ao marido. No entanto, a garota é o oposto de tudo isso e com coragem e determinação deixa de lado suas obrigações para se disfarçar de guerreiro com a intenção de substituir o pai doente, que fora convocado para uma batalha contra os Hunos. Dirigido por Tony Bancroft e Barry Cook, esta aventura é baseada num clássico poema chinês. A heroína que dá título ao filme, bastante singular quando comparada às demais princesas da Disney, oferece uma aula de feminismo para meninas que ainda acreditam ter que ocupar posições sociais supostamente determinadas para mulheres e se distanciarem de atividades classificadas erroneamente como masculinas. Recheado de canções marcantes e alívios cômicos inspirados, sendo um deles o inconveniente dragão Mushu, a animação apresenta valores essenciais sem soar piegas e evidencia temas essencialmente feministas numa narrativa emocionante. – por Conrado Heoli
As Horas (The Hours, 2002)
Este longa dirigido por Stephen Daldry e baseado no romance de Michael Cunningham – dois homens, portanto – é uma das produções mais feministas feitas em Hollywood neste século. Afinal, são nada menos do que três protagonistas – Meryl Streep, Julianne Moore e Nicole Kidman – e todas envolvidas com a obra Sra. Dalloway, de Virginia Woolf. Enquanto que a primeira é uma reencarnação da personagem principal nos dias atuais, a segunda se identifica com o romance ao lê-lo pela primeira vez, cinquenta anos antes. O mais tocante, no entanto, acaba sendo o drama vivido pela própria autora do livro, no início do século passado, em uma atuação detalhista e calculada de Kidman. É difícil afirmar qual das três está melhor – ainda que o Oscar tenha sido bem claro ao premiar apenas a última – mas se lembrarmos que o elenco ainda conta com performances arrebatadoras de Toni Collette, Claire Danes, Allison Janney, Eileen Atkins, Margo Martindale e Miranda Richardson, se torna ainda mais complicado apontar para outro filme que tenha levado tão à sério a importância do olhar feminino sobre todas as coisas. – por Robledo Milani
Garotas do ABC (2003)
A dura realidade das mulheres operárias do ABC Paulista. São várias personagens que, juntas, formam um painel amplo sobre os anseios femininos, tanto no aspecto pessoal quanto no profissional. A protagonista é Aurélia (Michelle Valle), fã de Arnold Schwarzenegger, que adora homens musculosos e acaba se apaixonando por um neonazista. Há também Paula (Natália Lorda), supervisora assediada por um líder sindical; Antuérpia (Vanessa Alves), que aos 38 busca o reinício como tecelã; e Suzana (Luciele di Camargo), apaixonada pelo patrão, entre outras meninas que precisam revezar seus dias entre o sonho e a realidade, o ideal e o prático. Os personagens masculinos são vistos, não raro, como seres desprezíveis, que se aproveitam das mulheres, geralmente tratadas como inferiores, para ganhar vantagem, para agir sem qualquer punição de acordo com os ditames de uma sociedade machista que endossa muitas vezes o abuso e a opressão. O saudoso diretor Carlos Reichenbach faz neste longa uma reflexão profunda a respeito da condição feminina, partindo de uma realidade proletária para problematizar as relações de poder que geralmente evidenciam um abismo entre homens e mulheres. Segundo uma ótica deturpada e infelizmente ainda muito comum, é preciso ser funcional, sensual, maternal e serviçal, para de fato, considerar-se mulher. Um peso e tanto, que elas suportam (embora não devessem ser obrigadas a), pois são seguramente mais fortes que a gente. – por Marcelo Müller
À Prova de Morte (Death Proof, 2007)
Tá certo que não dá para esperar deste longa a mesma qualidade da maioria dos trabalhos de Quentin Tarantino, mas, caramba, dá para se divertir um bocado com aquelas mulheres em trajes sumários falando sobre sexo e drogas, e com a homenagem que o diretor faz aos grandes filmes americanos dos anos 1970 e 1980 protagonizados por carros. A violência é gráfica – pernas sendo arrancadas, pneus esmagando cabeças – e está ali o fetiche pelo automóvel. As perseguições são muito boas, sobretudo aquela do final, que inverte o jogo do dublê maluco que caça mulheres, pois ele passa a ser vítima. Sequência, aliás, filmada sem dever nada aos cânones do cineasta. Alguns podem achar que as mulheres em cena possuem um comportamento masculinizado, e isso se deve ao estereótipo, ao comumente associado à noção de feminino. Se, segundo essa lógica do século retrasado, mulher não pode beber, falar alto, mostrar que está com vontade de transar, curtir carros e falar palavrão, Tarantino coloca suas protagonistas justamente para fazer tudo isso, mostrando não apenas ser um grande artista no que diz respeito à técnica, mas um cara antenado com a atualidade, em que a imagem do sexo frágil não mais cabe, ao menos não com tanta facilidade, para definir a relação da mulher com o meio social. Aliás, no cinema de Tarantino, muitas vezes são as mulheres que dão as cartas. – por Marcelo Müller
Revolução em Dagenham (Made in Dagenham, 2010)
Os anos 1960 foram marcados por uma série de importantes revoluções. Fora incontáveis lutas por igualdade racial, manifestações estudantis na França e tantas outras batalhas, numa década aquecida por transformações sociais definitivas e imprescindíveis. Em 1968, outro movimento de menor alarde, porém igualmente importante, ocorreu quando um grupo de 187 mulheres entrou em greve numa fábrica da Ford na cidade de Dagenham, Inglaterra, exigindo equiparação salarial com homens e a extinção da discriminação sexual. Esta importante luta é retratada neste agridoce drama cômico de Nigel Cole que apresenta a costumeiramente excelente Sally Hawkins como Rita O’Grady, que estimula suas colegas a lutarem por algo que sempre foi delicado entre homens e mulheres: direitos iguais. A produção ainda conta com muitos atrativos além de sua narrativa, sendo um deles o afiado elenco que entrega performances memoráveis. Bob Hoskins, Miranda Richardson, Geraldine James e Rosamund Pike estão todos muito bem num ritmo capitaneado por Hawkins, que concorreu ao British Independent Film Awards como melhor atriz pelo papel. Um filme atual e com muito a dizer. – por Conrado Heoli
A Fonte das Mulheres (La source des femmes, 2011)
Um filme que transita entre uma história séria, divertida, realista e mágica. Nela, uma crise hídrica em uma tribo se torna pequena quando uma moradora resolve organizar um grande motim feminino contra o machismo do Islã, e uma greve de amor vira estopim de uma revolução. Falado e cantado em dialeto marroquino (causa estranheza), o roteiro parte da violência de um aborto em contraponto com o nascimento de um menino para cutucar em velhas tradições, como o perigo da leitura, o casamento sem amor, a contracepção, a virgindade e até mesmo a política suja que norteia esses dogmas. Longe de ser um musical, a música é personagem catalisador das mudanças e, com elas, espectador e os antagonistas (os homens) se dão conta do que acontece. Embora a primeira experiência não seja boa, o que se vê (e ouve) depois é recompensador. Para quem não vê novidade neste tipo de conflito, o diferencial aqui foi o equilíbrio entre drama e humor frente ao poder do Alcorão e os líderes de uma comunidade. Assim, vença as barreiras do idioma, deixe o preconceito de lado e verás que se encantar com essa produção não hollywoodiana está longe de ser haraam (proibido). – por Roberto Cunha
E Agora, Aonde Vamos? (Et maintenant on va où?, 2011)
A atriz e diretora Nadine Labaki – que recentemente esteve no Brasil participando do coletivo Rio, Eu Te Amo (2014) – é responsável também pela história dessa comédia dramática que, com bom humor e um olhar atento à realidade que o cerca, consegue entreter com competência, ao mesmo tempo em que estimula o debate e a reflexão sobre a importância da mulher até nas sociedades mais contrárias à sua valorização. Após estarem cansadas de uma guerra que não as leva a lugar nenhum e que nunca aponta com convicção para um vencedor – e muito menos para um perdedor – as mulheres de um pequeno povoado no interior do Líbano decidem que está na hora de deixarem o luto de lado e tomarem uma atitude prática para evitarem novas mortes entre seus amados. Temas como intolerância religiosa, ideologias sociais e tradições arraigadas são colocadas em cheque quando se decide observar o quadro maior, não ignorando as particularidades de cada um, mas superando-as em nome de um bem comum. Os homens podem falar mais alto e estufarem o peito, mas por aqui quem toma as últimas decisões são elas. E tudo fica muito melhor assim. – por Robledo Milani
Frozen: Uma Aventura Congelante (Frozen, 2013)
Com um príncipe que é tudo, menos encantado; uma princesa que é criticada por se apaixonar à primeira vista; uma rainha que mesmo tendo todos os motivos para ser má se mostra bondosa e sábia; e ainda um desfecho que desfaz os padrões estabelecidos por A Branca de Neve e os Sete Anões (1937) há mais de setenta anos nos Estúdios Disney, este longa é, acima de tudo, uma marca da influência feminista nos tempos modernos hollywoodianos. Não do movimento, mas da mulher mesmo, que não se difere mais da antes heróica e máscula figura do salvador do dia. Ana não precisa do beijo de um homem, ou do braço forte de um para salvar Elsa, assim como esta também pode ajudar sua irmã por conta própria. E os personagens masculinos? Não achem que são também relegados apenas aos papeis de brutamontes malvados ou alívios cômicos dispensáveis. Kristoff é um tipo ativo na trama que consegue ser útil à sua amada sem que jamais isso tire a sua força como protagonista. E melhor, é alguém que através do respeito e do tratamento de igual para igual que dispensa à princesa acaba sendo um verdadeiro exemplo a ser seguido pelas milhões de crianças da platéia. De certo modo, este que é o filme do gênero de maior sucesso de todos os tempos contribui para a formação de todo uma nova geração de mulheres fortes e independentes e de homens menos opressores e mais conscientes. – por Yuri Correa