Do ponto de vista institucional, vivemos tempos difíceis para o cinema brasileiro. Talvez em mais de 20 anos não tenha sido tão urgente o verbo “resistir”, isso por conta dos desmandos federais e de um processo aparentemente articulado de desmonte cultural. Mas, historicamente, não nos faltam talentos. Atendendo ao pedido de um dos nossos leitores, resolvemos fazer uma lista com os 10 cineastas mais promissores do cinema brasileiro da atualidade. Como qualquer lista, esta é limitada e certamente deixa passar alguns aspectos importantes de um cenário complexo. Porém, acreditamos na importância desses recortes visando exaltar nomes em plena ascensão. O mais difícil, porém, era definir os parâmetros à eleição. Optamos por considerar apenas realizadores que ainda não lançaram longas, deixando dento desse escopo inclusive os que atualmente trabalham em projetos de maior metragem. A regra pode apontar à pressuposição do curta como preliminar, mas não é a nossa intenção endossar esse lugar-comum.
Três críticos da equipe do Papo de Cinema (Robledo Milani, Bruno Carmelo e Marcelo Müller), mais dois colegas chamados especialmente para a ocasião (Nayara Reynaud e Francisco Carbone) apontaram os seus favoritos para que pudéssemos chegar à lista de 10 que você confere logo abaixo. Também sabemos, há aqui nomes que, inclusive, a partir de outro prisma, dificilmente poderiam ser entendidos como “novos”, dadas as suas vastas carreiras. Porém, feitas as ressalvas que consideramos importantes, fique então com o nosso Top 10 Novos Cineastas Brasileiros.
O jovem carioca Leonardo Martinelli chama a atenção pelo domínio narrativo de seus curtas-metragens nos quais, não raro, a alegoria e a mistura de linguagens está a serviço da demonstração de uma visão sociopolítica. Sua estreia se deu com Vidas Cinzas (2017), falso documentário em que o Rio de Janeiro, celebrada por sua vivacidade, teve as cores confiscadas por uma medida governamental. Em Lembra (2018), o cotidiano de uma menina fluminense através das lentes do seu celular. Já Copacabana Madureira (2019), exibido no Festival do Rio, na Mostra Sesc de Cinema e no Festival de Tiradentes, entre outros, e indicado a Melhor Curta no 25º Prêmio Guarani, é uma explosão de signos em choque sobre a atualidade obscurantista do Brasil. Três curtas em três anos que o colocam como um prodígio a ser acompanhado de perto.
Assista aqui a Vidas Cinzas.
O alagoano Ulisses Arthur tem uma atuação ampla no cinema. Além de diretor, roteirista e produtor, desempenha a função de curador e coordenador de projetos de formação sociopolítica por meio do audiovisual. No que diz respeito à sua atuação como cineasta, a estreia se deu com As Melhores Noites de Veroni (2017), cuja première aconteceu no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, depois disso circulando por diversos festivais. Já seu documentário CorpoStyleDanceMachine (2017), além da andança por vários eventos, levou o prêmio Mostra Horizontes da Mostra do Filme Livre e foi distribuído para 66 cineclubes de todo o Brasil. Seu terceiro filme, Ilhas de Calor (2019), foi uma das grandes sensações do Cine Ceará 2019. Atualmente, ele se dedica a Não Estamos Sonhando, projeto para ser o seu primeiro longa-metragem.
Dentro da necessidade de ampliar o escopo das narrativas do cinema brasileiro – de quais corpos, com quais pontos de vista e a partir de quais realidades se faz cinema? – os irmãos cariocas Marcos e Eduardo Carvalho surgiram como vozes potentes. Seu curta Chico (2016), uma ficção científica que projeta um Brasil de 2029 em que crianças pobres, negras e faveladas são rastreadas desde cedo pelo Estado, venceu os Candangos de Melhor Direção e Melhor Som, além do Prêmio Canal Brasil, no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Diferentemente do favela movie, o filme de favela, definição dos Irmãos Carvalho para essas narrativas feitas de dentro para fora, discutindo questões urgentes. Isso se repetiu em Eu, Minha Mãe e Wallace (2019), porém em chave narrativa distinta, o que aponta à versatilidade desses talentos.
Assista aqui a Eu, Minha Mãe e Wallace.
A paulistana Carolina Markowicz também tem uma carreira de respeito em festivais internacionais. Seu curta Edifício Tatuapé Mahal (2014), dirigido em parceria com Fernanda Salloum, circulou por mais de 150 festivais mundo afora. O talento de Carolina foi reconhecido também com o convite para o TIFF Talent Lab 2015, do Toronto International Film Festival, e o Talents Buenos Aires do Berlinale, em 2016. Mas, seu filme mais reconhecido foi O Órfão (2018). Exibido na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2018, levou para casa a estatueta de de melhor curta de temática queer do evento francês; foi eleito o melhor curta no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2019 e indicado ao Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro. Atualmente desenvolve dois projetos de longa: Pedágio e Quando Minha Vida Era a Minha Vida. Já estamos ansiosos.
Assista aqui a O Órfão.
Apontada pela revista norte-americana Bustle como uma das cineastas mais promissoras do mundo – ficou em oitavo lugar – a carioca Sabrina Fidalgo vem colecionando reconhecimento com seus curtas-metragens já exibidos em mais de 300 festivais ao redor do mundo. Filha do dramaturgo Ubirajara Fidalgo e da produtora Alzira Fidalgo, ela conviveu desde cedo com um cenário artístico. Especialmente com Rainha (2016), que estreou no Festival de Roterdã, e Alfazema (2019), consolidou seu nome como uma das mais promissoras artistas da atualidade. Empenhada em discutir a negritude, assim, de certa forma retomando no cenário audiovisual uma pauta bastante debatida em sua casa, Sabrina começou o contato com o cinema na Alemanha, país onde morou por sete anos. De volta ao Brasil, está se firmando como uma de suas potências.
Assista aqui a Rainha.
Na seara das narrativas que discutem questões relativas ao universo LGBTQI+, o pernambucano Fábio Leal se destaca com dois curtas-metragens muito sensíveis, de estilos reconhecíveis, mas propostas distintas. Em O Porteiro do Dia (2016), um personagem toma coragem para flertar com um dos porteiros do prédio onde mora. Já em Reforma (2019), ele expande também sua presença cênica para colocar em jogo uma discussão importantíssima sobre os padrões de beleza. Seu personagem, Francisco, queixa-se frequentemente com a melhor amiga a respeito da insatisfação com o corpo gordo. Construções e desconstruções passam simbólica e metaforicamente pelo cinema desse jovem promissor que também é um dos curadores do festival Janela Internacional de Cinema do Recife e trabalha como preparador de elenco.
Assista aqui a Reforma.
Na 50ª edição do Festival de Cinema de Brasília, um curta-metragem de quase 30 minutos conquistou rapidamente a plateia presente no Cine Brasília. Mamata (2017) cativou pela forma bem humorada de apontar problemas brasileiros endêmicos, agregando ainda o discurso moderno dos memes. Joder, o alterego do protagonista e cineasta baiano Marcos Curvelo, é sintomático de uma juventude um tanto à deriva. Sem dinheiro e perspectivas, ele quer encontrar sua namorada Sabrina, mas, primeiro, precisa acumular algum capital. A errância, a conexão com uma nação pós-golpe de 2016, a maneira de articular banalidades como indícios geracionais, tudo isso fez do filme um êxito. Em Joderismo (2019), pré-selecionado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, Marcos Curvelo expandiu esse delicioso universo flertando com o nonsense.
Assista aqui a Joderismo.
Atriz, roteirista e cineasta, a paulistana Julia Katharine foi a grande vencedora do 25º Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro com Tea for Two (2019). Primeira diretora trans a ter um filme lançado em circuito comercial (o próprio Tea for Two), ela surge como uma das mais potentes forças do cinema brasileiro que gradativamente abraça a diversidade como um elemento imprescindível para contar histórias. Homenageada com o troféu Helena Ignez da Mostra de Tiradentes de 2018, Julia lançou recentemente um curta chamado This is not Dancin Days, parte de um programa de convites promovido pelo Instituto Moreira Salles. Dona de um estilo que propõe a reflexão por meio da valorização da palavra e dos gestos, ela certamente é uma das mais promissoras cineastas da atualidade. Estamos ansiosos para conferir mais curtas ou mesmo longas dela.
Assista aqui a This is not Dancin Days.
O pernambucano Leo Tabosa é uma figurinha carimbada (e muito premiada) em diversos festivais de cinema e celebrações de classe. Vencedor do Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro com Nova Iorque (2018) e indicado à mesma distinção com Marie (2019), ele viu este curta ser também consagrado como o Melhor do Festival de Gramado e do Cine Ceará em 2019. Sobressai no estilo de Leo a sensibilidade para tratar de temas que dizem respeito ao mais íntimo dos personagens. Além de cineasta, ele é ator, produtor e gestor cultural. Também chama atenção que o realizador confere às questões de cunho LGBTQI+, isso desde seu primeiro curta, Retratos (2010), trabalho de conclusão de curso dirigido em parceria com Rafael Negrão que mostra travestis a caminho de desvincularem-se da prostituição. Um talento, sem dúvida.
Assistir aqui a Nova York.
Uma das nossas grandes promessas é a alagoana Nara Normande. Experiente curtametragista, ela está desenvolvendo o projeto de seu primeiro longa-metragem. Em parceria com Tião, Nara vai dirigir Sem Coração, expansão do universo mostrado no curta homônimo exibido no Festival de Cannes 2014 e dono de cerca de 28 prêmios. Em 2018, lançou a animação Guaxuma, rapidamente também transformada num enorme papa-prêmios – para se ter uma ideia, venceu o Festival de Gramado de 2018 e o Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro. Não há dúvidas quanto à habilidade de cineasta expressa num processo muito particular de fustigar com delicadeza os recantos de geografias físicas e afetivas. Merecidamente, ela chegou ao topo dessa eleição simbólica e certamente é um dos nomes em ascensão do nosso cinema brasileiro.
Assistir aqui a Guaxuma.