Em dezembro, listas são tão tradicionais quanto árvores de natal, rabanada, piadas do tipo “é pavê ou pacumê?” e amigo secreto. O último mês do ano é mesmo propício para balanços. E como aqui o nosso papo é de cinema, não poderíamos deixar de eleger as principais produções cinematográficas que chegaram comercialmente ao Brasil em 2016. Antes, cabe um adendo. Diferentemente de outras eleições, nas quais apenas se consideram aptos a concorrer os filmes que desembarcaram especificamente nas salas de cinema, achamos por bem, pois atualmente quase incontornável, agregar aos postulantes aqueles que estrearam em outros meios, como VOD, televisão, serviços de streaming e afins. O consumo doméstico de cinema se impõe cada vez mais como algo importante, não só ao mercado, mas também ao próprio acesso a obras que infelizmente não encontram espaço em nossas tão amadas salas escuras.
Muitos nem se lembram dos longas-metragens do inicio de 2016, incluindo aí os protagonistas das premiações mais badaladas do primeiro semestre, sendo a principal delas, claro, o Oscar. Destaques de festivais prestigiados artisticamente, como Cannes, Berlim e Veneza, por exemplo, estão mais “quentes” na memória, pois lançados no segundo semestre, a se lamentar pontuais ausências. O cardápio deste ano foi variado, vide o nosso top dos 10 melhores de 2016. Aliás, acabamos elegendo 11 filmes, já que houve um empate na décima posição. Nos deixa contentes a sintomática presença, aqui, de dois longas-metragens brasileiros. Fora eles, há exemplares de gênero, animações, orientais, europeus e norte-americanos, ou seja, narrativas de diversas origens, para todos os gostos. Confira a seleção do Papo de Cinema dos 10 (11) melhores filmes de 2016.
10. Depois da Tempestade (Umi yori mo mada fukaku, 2016)
Neste filme, Ryota (Abe Hiroshi) é um escritor de renome que trabalha como investigador e que acaba gastando boa parte da renda em apostas. Após um ultimato da ex-mulher para pagar a pensão atrasada do filho, ele nota que os seus tomaram novos rumos, enquanto se vê estagnado. Com a tempestade que se aproxima vem uma nova chance de reatar e renovar os laços familiares que pareciam desgastados irremediavelmente. Como em todas as realizações de Hirokazu Koreeda, as ações e a passagem temporal possuem uma delicadeza pouco vista e surgem como uma homenagem às realizações do mestre Yasujiro Ozu. Aqui, a ligação paternal é a fonte central das problemáticas e também das resoluções. Amadurecer e saber o que se deseja do futuro é um dos motes que Koreeda trabalha, além do orgulho de ser pai. E é por tratar com tamanha sutileza as complexidades e as belezas do âmbito familiar que esta realização do diretor japonês merece espaço na nossa lista de melhores do ano. – por Renato Cabral
10. Julieta (2016)
Voltando ao tema dos dramas femininos, que lhe tornou um dos cineastas mais cultuados do mundo, Pedro Almodóvar apresenta Julieta (Emma Suárez), mulher de meia-idade que está prestes a se mudar de Madri para Portugal a fim de acompanhar seu namorado, Lorenzo (Darío Grandinetti). Entretanto, um encontro recheado de sentimentos com Beatriz (Michelle Jenner), antiga amiga de sua filha, Antía (Priscilla Delgado e Blanca Parés), faz com que ela repentinamente desista da mudança e, sem muitas explicações, ocupe o antigo prédio em que vivia, também na capital espanhola. Ela, então, escreve uma carta à filha, repleta de rememorações. Nesta obra melodramática, cheia de reflexões acerca da culpa e do passado, o diretor explora passagens de tempo, físicos e não físicos, e deslocamentos de ideias que perpassam a vida dos personagens. Através da grandeza das atuações de Adriana Ugarte e Emma Suárez, elas que fizeram sucesso no Festival de Cannes deste ano, é construído um olhar incômodo ao espectador. O resultado é um equilíbrio entre o trágico e o belo da fragilidade humana. – por Victor Hugo Furtado
9. Filho de Saul (Saul Fia, 2015)
Fazer poesia com uma tragédia é errado? Se entendermos poesia como algo belo e que só existe para provocar felicidade, sim, é um erro. Mas o diretor e roteirista húngaro László Nemes entende que é possível uma poética dolorida, crua e que perpetua imagens fortes em nossa memória. O tema central de seu filme, o holocausto, já foi levado às telas por diversos olhares, mas o seu é único, pois explora a construção de lembranças cruéis do protagonista que perambula como um zumbi cumprindo ordens dentro de um campo de concentração. Sua busca por um rabino que dê enterro digno a um garoto é construída por cenas sem um pingo de sentimentalismo, característica reforçada pela interpretação do ótimo ator e poeta Geza Röhrig, com uma sobriedade instigante, destoando, assim, de produções com feições idealizadas para provocar lágrimas a qualquer custo. Sem apelação e atento à inteligência do público, Nemes conquistou prêmios, como o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, não apenas por sua sensibilidade, mas por apresentar os horrores de Auschwitz sob a perspectiva de um homem que faz a sua parte, sabendo que o horror estará presente, em diferentes níveis, não só na sua, mas nas gerações que virão. – por Bianca Zasso
8. Carol (2015)
Como em Longe do Paraíso (2002), aqui Todd Haynes conta a história de um amor proibido nos Estados Unidos da década de 1950, período de prosperidade econômica e conservadorismo comportamental. No centro da trama está a paixão fulminante entre Carol (Cate Blanchett), mulher de meia-idade que passa por um conturbado processo de divórcio e de batalha pela guarda da filha, e Therese (Rooney Mara), jovem funcionária de uma loja de departamentos que busca se descobrir na vida. Mas, desta vez, ao invés de se filiar ao melodrama escancarado de Douglas Sirk, Haynes mira num cinema emocionalmente mais contido, em que pequenos gestos (um toque no ombro, uma troca de olhares, um discreto “eu te amo”) significam muito. Sua principal inspiração é a obra-prima Desencanto (1945), de David Lean, que ele referencia temática e estruturalmente. O resultado é um filme de imensas delicadeza e elegância, comovente, sobretudo pelo olhar afetuoso que lança ao seu par de protagonistas – e, talvez justamente por isso, otimista em relação às possibilidades da história de amor contada, nesse sentido se distanciando do clássico de Lean. – por Wallace Andrioli
7. Anomalisa (2015)
Charlie Kaufman é um roteirista excepcional. Desde que se aventurou pela primeira vez na direção, com o fabuloso Sinédoque, Nova York (2010), também provou ter um talento igualmente singular como cineasta. Acostumado a traduzir as estranhezas das crises pessoais dos personagens, o autor realiza nesta pequena obra-prima um estudo simples e certeiro de uma característica propriamente humana: a hegemonia pessoal. Nossa tendência a, por um lado, querer estender a tudo e a todos aquilo que somos, e, por outro, de bloquear as influências dos demais. Um subproduto instintivo que só pode ser contornado com exercício e aprendizado – algo que o escritor de autoajuda Michael Stone (voz de David Thewlis) não julga necessitar, já que, aparentemente, toda e qualquer pessoa a seu redor é bastante comum em comparação consigo mesmo, o que o filme mostra ao apresentar esse homem de meia-idade assombrado por uma vida em que todas as pessoas têm os mesmos rosto e voz. Isso até que encontra Lisa (voz de Jennifer Jason Leigh). Mesmo imperfeita sob sua ótica, ela se destaca por possuir uma aparência própria. Beneficiado por uma animação stop motion competente em seu preciosismo, e que já adianta a distorção da realidade sofrida pelo protagonista, o longa-metragem é com certeza um pequeno feito de maturidade no currículo de um autor que já possui tantos outros sucessos admiráveis. – por Yuri Correa
6. Boi Neon (2015)
O filme de Gabriel Mascaro poderia ser apenas uma desconstrução de clichês do nordeste brasileiro ao contar a história de Iremar (Juliano Cazarré), homem que trabalha asseando bois para vaquejadas e que, no tempo livre, sonha em ser estilista, inclusive desenhando vestidos em revistas de mulheres nuas. Muito mais que isso, o cineasta explora esse fechado mundo com personagens que parecem presos às convenções sociais e à própria cultura. Não à toa, há predominância de uma decupagem que “trancafia” as personas nos espaços, por mais que eles possam ser abertos. Também é uma obra em que o menos importante é a jornada dos “heróis”, já que as camadas vão sendo desveladas por suas atitudes e psiquê. O naturalismo toma conta da produção, algo evidente na cena dos cowboys nus tomando banho ou na da transa rústica entre o protagonista e Galega (Maeve Jinkings), por sinal, uma dançarina que, de todos os presentes no filme, é a personagem mais máscula, por assim dizer. Ela tem uma presença dominante de gênero em cena. Com tantos requisitos (sem contar a premiação no Festival de Veneza), seria impossível este longa não estar nessa lista como um dos melhores do ano. Quem sabe até da década. – por Matheus Bonez
5. A Bruxa (The Witch, 2015)
Saudado, não sem razão, como um dos grandes exemplares de terror/horror dos últimos anos, este filme escrito e dirigido por Robert Eggers começou fazendo barulho no Festival de Sundance de 2015. A estreia comercial mostrou ao público os porquês de tanto estardalhaço, afinal de contas, realmente, há muito não se via nesses gêneros um clima tão carregado de tensão. Tudo se passa na Nova Inglaterra, em torno da família capitaneada por William (Ralph Ineson), homem de voz cavernosa, cuja fé é tão inabalável quanto passível de cegá-lo. Mas a verdadeira protagonista do filme é Thomasin (Anya Taylor-Joy), a filha mais velha, testemunha do sequestro do caçula, então levado ao seio da floresta por uma bruxa. A partir desse evento fatídico, ela é acusada de feitiçaria, inclusive pela mãe inconformada de perder o filho ainda bebê, e vira alvo do desejo pré-adolescente do irmão. Nessa garota que tateia o mundo confluem os sintomas de uma sociedade obscurecida por dogmas. E ainda há a presença marcante de Black Phillip, bode que personifica o mal em seu estado mais puro, criatura ardilosa na utilização das crianças aos propósitos da violência que se abate sobre o lar religioso. Poucas vezes o cinema recente foi tão atmosférico quanto neste longa-metragem. – por Marcelo Müller
4. Os Oito Odiados (The Hateful Eight, 2015)
O oitavo filme de Quentin Tarantino quase não saiu do papel. O cineasta chegou a afirmar que interromperia a produção, depois do roteiro ter “vazado” integralmente. A poeira baixou, uma leitura do script com o potencial elenco o deixou satisfeito e o projeto voltou à baila. Que bom. Um dos melhores filmes do ano, este western tem predicados mais que suficientes para uma olhada de perto. Desde o elenco, cheio de colaboradores assíduos de Tarantino, passando pela incrível cinematografia (filmada em 70mm) e culminando na trilha sonora do mestre Ennio Morricone. Aliás, ele foi o primeiro compositor a assinar o score original de um trabalho do diretor. Levou o Oscar para casa. O plot parece simples, mas é intrigante: figuras com passados e objetivos diversos, presos dentro de um casebre em meio a uma nevasca mortal. Esses oito do título se enfrentarão não só com armas, mas com diálogos potentes e preconceitos à flor da pele. Como de costume, Quentin Tarantino divide sua história em capítulos e, de quebra, subverte a linearidade lá pelo meio da trama. Destaque para a performance de Jennifer Jason Leigh, também indicada ao prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. – por Rodrigo de Oliveira
3. A Chegada (Arrival, 2016)
Além de encantar com conceitos interessantes a respeito da tecnologia, do futuro e da vida extraterrestre, boas histórias de ficção científica conseguem segurar um espelho diante da humanidade e discutir nossa natureza por meio de alegorias. Este longa do canadense Denis Villeneuve se encaixa perfeitamente em tal definição. Numa representação surpreendentemente “pé no chão” de uma invasão alienígena – o roteirista parece realmente ter se perguntado como a humanidade reagiria, ao invés de simplesmente reproduzir o que Hollywood tem apresentado há tantas décadas –, o filme segue a linguista e professora universitária Louise Banks (Amy Adams), convocada pelo governo dos Estados Unidos para tentar se comunicar com os estranhos seres instalados em doze pontos diferentes do globo. Quando o temor diante de formas de vida tão vastamente diferentes dos humanos cria conflitos entre os países e uma crescente tensão, torna-se vital que Louise e o físico Ian Donnely (Jeremy Renner) consigam compreender o propósito das criaturas na Terra. Com uma narrativa circular, tal a linguagem dos “heptapods” (como são chamados os aliens), esta bela obra traz como protagonista alguém que busca entender o diferente, ao invés de deixar o medo dominar e se transformar impulsos em violência. Uma lição valiosa em tempos de ódio e intolerância. – por Marina Paulista
2. Elle (2016)
Desde a infância, ela poderia ter assumido o papel de vítima – e pelo que viveu, ninguém a culparia. No entanto, recusa-se a se ver e portar como tal. É por isso que, quando é estuprada por um invasor em sua própria casa, toma uma reação inesperada: ao invés de ir à polícia e pedir ajuda, apenas troca a fechadura, arruma algum tipo de proteção pessoal e decide ficar mais atenta. Muitos se chocaram com a personagem de Isabelle Huppert, em atuação fenomenal, mas tanto ela quanto o diretor Paul Verhoeven desejavam ir além do óbvio em casos como esse. Em tempos que “empoderamento feminino” deixou de ser apenas uma expressão de ocasião, os dois se uniram para mostrar como um mulher determinada e segura de si pode fazer a diferença não apenas para si, mas também para o ex-marido que segue ligado a ela, o filho fraco e inseguro, o amante aproveitador ou a melhor amiga que, mesmo diante de todas as suas falhas, consegue entendê-la e perdoá-la. Mais do que um evento isolado, tem-se aqui o melhor exemplo de força e poder em muito tempo já visto na tela grande, independente do sexo, raça ou credo religioso. – por Robledo Milani
1. Aquarius (2016)
Este é o melhor filme do ano e ponto. As cerca de duzentas palavras que compõem este texto jamais sintetizariam a singularidade do longa-metragem de Kleber Mendonça Filho e Sonia Braga. Indicado à Palma de Ouro em Cannes, esnobado pela comissão brasileira que poderia o nominar ao Oscar, vencedor de tantos prêmios e presença constante em listas internacionais de melhores do ano, eis um marco incontestável na história do cinema nacional. Os motivos que impulsionam o longa-metragem a esta projeção são incontáveis e refletem o domínio do cineasta pernambucano na condução de uma narrativa que fala sobre tempo, identidade, família e pertencimento, enquanto suscita pontuais críticas à política e à sociedade do nosso país. Clara, personagem do mito Sonia Braga, é a antítese do que os mais tradicionais esperam de uma senhora de sessenta e poucos anos: ela nada entre tubarões, seja no mar recifense em que mergulha ou nos encontros incômodos com executivos que desejam destruir o prédio em que ela vive; ela fuma maconha, transa com um garoto de programa e sobrevive a dois cânceres, sendo um físico e um metafórico. O Brasil precisa de mais Claras para combater seus tubarões e cânceres cotidianos. O cinema brasileiro precisa de outros filmes como este. – por Conrado Heoli
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Confira a seguir as listas individuais dos integrantes da equipe do Papo de Cinema:
Bianca Zasso, colaboradora
2. O Cavalo de Turim
3. Boi Neon
4. Filho de Saul
5. O Lobo do Deserto
6. A Bruxa
7. Julieta
8. Aquarius
9. Cinema Novo
10. Elle
Conrado Heoli, colaborador
2. Elle
3. Nossa Irmã Mais Nova
4. Anomalisa
5. Paulina
6. A Chegada
7. O Silêncio do Céu
8. As Montanhas se Separam
9. Carol
10. A Bruxa
Leonardo Ribeiro, colaborador
2. A Academia das Musas
3. Certo Agora, Errado Antes
4. Depois da Tempestade
5. Carol
6. A Assassina
7. A Chegada
8. As Montanhas se Separam
9. O Abraço da Serpente
10. A Bruxa
Marcelo Müller, editor
2. Chi-raq
3. Aquarius
4. A Bruxa
5. Demônio de Neon
6. Os Oito Odiados
7. Filho de Saul
8. Sieranevada
9. É Apenas o Fim do Mundo
10. Depois da Tempestade
Marina Paulista, colaboradora
2. Anomalisa
3. A Bruxa
4. Dois Caras Legais
5. O Quarto de Jack
6. Aquarius
7. Rogue One: Uma História Star Wars
8. Rua Cloverfield 10
9. Animais Noturnos
10. Demônio de Neon
Matheus Bonez, colaborador
2. Elle
3. A Chegada
4. Boi Neon
5. Spotlight: Segredos Revelados
6. Os Oito Odiados
7. O Quarto de Jack
8. Anomalisa
9. O Silêncio do Céu
10. Batman vs Superman: A Origem da Justiça
Renato Cabral, colaborador
2. Coração de Cachorro
3. O Que Está Por Vir
4. Carol
5. Elle
6. Depois da Tempestade
7. Brooklin
8. Docinho da América
9. Boi Neon
10. A Chegada
Robledo Milani, editor-chefe
2. Elle
3. Capitão Fantástico
4. A Grande Aposta
5. É Apenas o Fim do Mundo
6. Julieta
7. Os Oito Odiados
8. De Longe te Observo
9. A Chegada
10. Tangerine
Rodrigo de Oliveira, colaborador
2. A Chegada
3. Os Oito Odiados
4. O Abraço da Serpente
5. Café Society
6. O Regresso
7. Spotlight: Segredos Revelados
8. Steve Jobs
9. A Bruxa
10. A Comunidade
Victor Hugo Furtado, colaborador
2. A Chegada
3. Deadpool
4. Elle
5. Boi Neon
6. A Bruxa
7. Julieta
8. Dois Caras Legais
9. O Roubo da Taça
10. O Silêncio do Céu
Wallace Andrioli, colaborador
2. Sieranevada
3. Aquarius
4. Carol
5. As Montanhas se Separam
6. Visita ou Memórias e Confissões
7. Os Oito Odiados
8. Filho de Saul
9. Boi Neon
10. O Cavalo de Turim
Yuri Correa, colaborador
2. A Chegada
3. Os Oito Odiados
4. Anomalisa
5. A Juventude
6. A Grande Aposta
7. Boi Neon
8. O Lagosta
9. O Abraço da Serpente
10. Ponto Zero