Talvez alguns desavisados tenham pensado que a trama de Infiltrado na Klan era absurda demais, inverossímil. Não fosse baseado num fato totalmente insólito, o novo petardo do cineasta Spike Lee poderia, mesmo, ser considerado sobremaneira fantasioso. Afinal de contas, estamos falando da infiltração de um policial negro na organização supermacista Ku Klux Klan. Ron (John David Washington) quebra paradigmas ao, nos anos 70, se tornar “um tira”, enfrentando preconceito diário até mesmo na delegacia. Em certo dia, sem mais aquela, responde a um anúncio de jornal de uma das entidades mais discriminatórias dos Estados Unidos, dizendo impropérios ao telefone – para o espanto dos colegas – a fim de “confirmar” seu racismo. Essa cena, aliás, simboliza exatamente o humor cáustico do qual o realizador lança mão para lidar com o elemento absurdo intrínseco à história. Flip (Adam Driver), o colega branco (e judeu), é convocado para representa-lo nas reuniões com tipos que representam bem uma parcela considerável da sociedade norte-americana. Os membros da Ku Klux Klan são figuras odiosas, gente com uma sanha violenta impressionante. Não passam incólumes à lente ferina de Lee, que os ridiculariza com uma habilidade (e um gosto) evidentes. Todavia, essa mirada sarcástica, cheia de ginga, gradativamente vai dando espaço a constatações recheadas de dramaticidade, culminando com a belíssima montagem paralela de duas reuniões, uma entre negros discutindo um caso de violência, e outra de brancos exaltados de felicidade diante do racismo celebrado por O Nascimento de uma Nação (1915), considerado um marco cinematográfico, mas de conteúdo absolutamente insidioso. Um filmaço para mostrar (para os incautos que ainda duvidavam) o quanto Spike Lee é gigante.